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O salário do pecado é a morte

Imagem de um túmulo encimado com uma cruz, no campo.
A ideia de que o pecador deve morrer, ao meu modo de pensar, é uma interpretação literal da dissertação de Paulo, apóstolo de Cristo, sobre o conceito teológico de pecado no Antigo Testamento, que ele importou para o cristianismo. Nessa teoria judaica sobre a justiça divina, todos pecaram por meio de Adão, que criou uma raça de transgressores da lei divina na Terra. Cristo, portanto, seria o reconciliador e conduziria todos à vida eterna. Nesse ponto de seu texto, Paulo indica que o pecado produz morte e quem não está em Cristo vive a injustiça, a vergonha e o opróbrio de estar fora da esfera da graça de Deus. Essa discussão está nos capítulos cinco e seis de sua carta aos Romanos, do Novo Testamento, bíblia dos cristãos.
OK. Até aqui, tudo bem, até certo ponto. Mas esse envergonhar-se é envergonhar-se de quê? Há milênios, os cristãos tomam como pecaminoso o comportamento de gregos, judeus e romanos de sua época. Sua alimentação, conduta moral e sexualidade foram duramente condenadas como forma de afastamento da lei de Deus. Os próprios judeus avalizavam, até certo ponto, esse tipo de comportamento cristão, pois também criam que o comportamento fora de seus padrões culturais e crença era contrário à vontade de Deus.
Quando Paulo arremata esse ponto de seu pensamento dizendo que o salário do pecado é a morte, ele falava da falta de perspectiva espiritual daqueles que não acreditavam em Deus. Ele era um judeu fariseu, cria na permanência do espírito e da alma após a morte, ou seja, quem morre continua consciente de si mesmo no porvir, e virá a ser julgado por seu criador. E caso não se encontre justificado em seus erros, experimentaria a morte eterna. Essa teoria cristã amendrontava principalmente os próprios cristãos, mas passou a ter significado social muito forte, ainda na igreja primitiva. As próprias cartas de Paulo, supostamente atribuídas a ele, são cheias de consequências morais diretas de se crer em Deus e de condenações ao comportamento dos infiéis greco-romanos da sua época. Ou seja, o cristianismo nasce num ambiente de contenda com as crenças de seu tempo, mostrando-se como um parâmetro superior de justiça e retidão, mesmo que na prática isso não acontecesse e jamais tenha acontecido desde então.
Isso acabou levando à crença que a morte do infiel é justificável, já que vão morrer depois de mortos mais uma vez. Depois disso, guerras, mortes, cruzadas, mais guerras, genocídos, escravidão de indígenas e africanos e, agora, hoje em dia, cristãos defendendo a tortura, a morte ou o extermínio em massa de pessoas. Por isso tantos cristãos são contra a vacinação: eles acham que isso ajuda a matar infiéis, os mesmos que Deus matará no final dos tempos.
O cristianismo tem essa política de morte, de destruição do infiel desde que pôde ser aproveitado como instrumento civilizatório pelo Império Romano, no século V. Quer refletir um pouco soubre isso? Então leia aqui. Mas na verdade, antes que o cristianismo fosse uma religião de maiorias, as cartas de Paulo mostram uma preocupação excessiva com o controle do corpo. O cristianismo não herdou isso exatamente do judaismo, apenas. Mas de outras filosofias religiosas orientais e ocidentais, inclusive de escolas de filosofia gregas. Mas obviamente o machismo e a misoginia judaica sempre estiveram presentes. O veto ao sacerdócio feminino durou até o século passado, nas igrejas cristãs. O catolicismo romano jamais permitiu a existência de “madres” sacerdotisas, e mesmo tendo tido uma possível papisa, no século IX, o acesso feminino à liderança religiosa tem sido bem limitado.
Misoginia, intolerância, desprezo pelo corpo feminino, produção da homossexualidade, primeiro como pecado e depois como doença são uma obra genuinamente cristã. Discuti isso mais amplamente num texto, ainda desse ano. Leia aqui. Isso e outras tantas formas de exclusão são faces do mesmo poliedro: o pensamento cristão promotor de morte e dor, calcado profundamente numa exegese muito perturbadora do evangelho que, infelizmente, começa em Paulo. E isso é textual, é claro, é visível para todos os que lerem o Novo Testamento. Perpassa todos os textos que não são o evangelho, dos Atos dos Apóstolos até o Apocalipse. O cristianismo, meus leitores, infelizmente não é  somente uma crença. É uma tecnologia social de domínio pela morte.
Imagem da capa por Gábor Bejó por Pixabay

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

4 respostas

    1. Que honra. Não sei se meu texto merece isso. Mas obrigado assim mesmo. Adoro o tema e estudo sempre que posso. Comecei com o interesse de Foucault pelas origens da episteme moderna e tenho ido com ele até a origem da subjetividade europeia, mas não deixo de criticá-lo, porque estamos num espaço colonizado por europeus. Precisamos entendê-los e superá-los. Obrigado e um abraço!

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