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Vida que segue…

Uma amiga escreveu tempos atrás numa rede social a seguinte frase: dizer “vida que segue” para alguém que está vivenciando o luto soa tão frio e tão sem sentimento que todos deveriam pensar duas vezes antes de falar. Compartilho do mesmo pensamento, detesto quem diz bobagens aleatórias, prefiro o silêncio. Todo enlutado sabe que a frase é óbvia, quanto desnecessária. Se você encontrar com alguém que esteja passando pela mesma situação e não sabe o que dizer, não diga nada.

Há quase seis meses, a pandemia arrancou brutalmente meu irmão caçula de nós, sem velório e com enterro relâmpago por videochamada. Ele foi internado no momento mais crítico da pandemia, quando morria mais de duas mil pessoas por dia. E mesmo assim, conseguiu prontamente uma vaga num hospital próximo de casa (antes de ser transferido para um hospital de casos graves no fim do mundo).

Para quem não sabe como funciona a internação de infectados com coronavirus (em hospital público), vou explicar resumidamente – não são permitidas visitas, a informação sobre o paciente não é diária e apenas via telefone (o plantonista quem liga). No caso dele, tínhamos informações apenas três vezes durante a semana e sempre de alguém diferente. Pensa na angústia em querer notícias e não ter?! E para piorar nossa situação, ele foi transferido já intubado sem que soubéssemos. Imagina nosso desespero ao descobrir?!

Por conta desse transtorno todo, enquanto o médico do hospital anterior ligou para explicar o motivo da transferência, o do outro pediu para meus pais irem até lá para conversar pessoalmente. Esclareceram dúvidas e assinaram documentos. Minha mãe (única que estava imunizada) pode entrar e ver meu irmão em coma induzido, falou algumas palavras e o acarinhou por alguns minutos. Acredito que no fundo era uma despedida. Jamais conseguirei mensurar a dor dela ao ver um filho jovem, cheio de vida naquela situação e dias depois retornar e fazer a mesma coisa só que com ele sem vida. Surreal!

Assim que meus amigos ficaram sabendo, imediatamente enviaram mensagens de carinho, outros ligaram para dizer que desejavam me dar um abraço (mas não podiam por conta da pandemia), um me enviou uma música e ofereceu colo, outro mandou doces em casa. Uma amiga me ligou assim que terminou o enterro virtual e disse: “sinto muito Dani, queria tanto te dar um abraço agora”. Outros, apenas para dizer que estavam comigo caso precisasse de algo. Toda essa egrégora reverbera no meu coração até hoje.

Minha vida até aqui nunca foi de muitas perdas. Perdi inesperadamente um amigo no final da adolescência, uma tia, madrinha, uma grande amiga de faculdade, outra da época da adolescência, dois serumaninhos de quatro patas e alguns conhecidos, mas nunca havia perdido alguém do meu núcleo familiar. Por ironia do destino, no final do ano passado, participei de um podcast de “Especial de Natal” e uma das pautas foi justamente – como passar as festas de final de ano sem aqueles que amamos. Respondi que não sabia por que não tinha passado por isso. E como tudo mudou em pouco tempo, no início de janeiro terei a resposta.

Só quem vivenciou, sabe! Deduzir, achar ou fingir que sabe não resolve a situação do enlutado. Parece deboche, soa falso, muitas vezes atrapalha o processo de entendimento e acabamos sofrendo mais. Sabemos quando o que nos foi dito é verdadeiro e vem do coração. Siga sempre a máxima “menos é mais”, muitos realmente não sabem lidar com a situação, mas tente pelo menos ter empatia ou se colocar no lugar do outro.

Na dúvida, faça as seguintes perguntas: e se fosse comigo?! O que gostaria de ouvir se estivesse na mesma situação?! Será que minhas palavras irão ajudar?! Não diga que você sabe o que o outro está passando se você nunca passou, não diga que entende se você nunca sentiu na pele. Se você não perdeu mãe, pai, avô, avó, irmãos ou companheiro (a) de vida, você não sabe o que é. Nem imagina! Não diga que sabe sem saber, não tente amenizar ou romantizar a dor alheia com palavras desnecessárias. Digo e repito, não tem algo bacana a dizer, cala-se.

A vida segue sim, muitas vezes bate, fere, sangra. A saudade não é finita, mas o tempo ameniza o sofrimento, não existe receita milagrosa ou mágica. Cada um na sua individualidade aprende a recolher os cacos e ressignificar. Ressurgir das cinzas faz parte da caminhada, aprendemos a seguir com as ausências. É difícil, mas estou aprendendo. Amanhã será você que terá que aprender…

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