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Todos os homens são estupradores em potencial – Um Mea Culpa

Não é não

Vou começar dizendo que isso aqui não é um texto voltado para as mulheres pedindo desculpas por ser homem, longe disso, esse texto aqui quer apontar algumas coisas que acontecem e são mais comuns do que se parece.

Incrivelmente por outro lado esse também não é um texto de ódio aos homens e uma acusação e falando que homem tem tudo que morrer e todo esse lance, não meu caro, esse texto aqui é para você ler e junto comigo refletir sobre essa situação e tentar melhorar um pouco essa sociedade que nos cerca.

Dito isso, vamos começar?

Na série “Arquivo Morto” (Cold Case no original) escrito por Meredith Stiehm temos um episódio chamado Justice (em tradução literal, justiça) em que a equipe de detetives encontra a arma que pode ter sido usada para assassinar um jovem universitário extremamente popular. Eles passam a investigar e para a surpresa deles o que encontram é uma trilha de mulheres que foram estupradas por ele. Não vou contar o final do episódio, creio que valha a conferida, mas quando assistir esse episódio uma coisa ficou muito clara para mim, estupro não é sobre sexo, mas sobre poder.

Segue minha ideia, o estudante assassinado é um típico galã de comédia romântica americana, alto, loiro, atlético, desejado, as garotas o acham lindo, os homens se inspiram e querem ser tão bonitos quanto ele, por outro lado as garotas que sofreram seu abuso eram apenas algumas jovens que ninguém conhecia ou tinham pouca relevância social, são aquelas que chamam de “bonitinha”, vista muita das vezes como descartável. Então vamos a ela, eu sei que ela está ai, zunindo no seu ouvidinho pessoa que está me lendo…

Por que diabos ele iria estuprar essas mulheres?

Mas não tema, o próprio episódio nos responde isso, mas não do jeito que você está esperando creio eu. Ele não era um predador sexual, já quero começar deixando essa ideia bem claro, ele era uma pessoa bem comum como eu e você que está aqui comigo nesse ponto. Então ele era um monstro, uma pessoa que gosta de fazer o mal, um lobo em pele de cordeiro, O Michael Myers, o mal encarnado, o catiço, o mochila de criança? Bom, ele era uma pessoa de caráter duvidoso é claro, mas existe um motivo para isso, e ele está muito próximo a mim e a você meu caro do sexo masculino.

Ouvir “não” nunca é opção.

Isso mesmo. Ele estuprava essas mulheres porque ouvir “não” de uma figura inferior, uma mulher “qualquer” enquanto ele, uma figura de sucesso, era inadmissível. E vamos ser sinceros aqui, mesmo você não sendo uma figura de sucesso, que homem nunca ficou puto com um fora que deu aquele golpe na autoestima? Na verdade, meus manos, vai me dizer que você nunca ficou puto quando algo lhe foi negado? Não precisa verbalizar, eu só quero que você pense nessa lembrança, ela é importante.

Quando menor éramos eu e minha irmã com idades similares: minha irmã sempre foi mais para frente e fez muitas coisas enquanto eu era mais na minha e ficava vivendo uma vida de desenhos e colecionar figurinhas. Mesmo eu, que sempre tive essa vida, digamos, com um empoderamento masculino que sempre nos cercou já fiquei muito puto com coisas que me foram negadas, fosse sexualmente falando ou não. Agora imagine um homem que não soube o que era um “não”? E já parou para pensar que essa figura é tão comum como sal em água do mar? Pensa só, é difícil para nós homens ouvir um “não” ou uma afronta de seres que ele considera inferior, vem logo aquela raiva que pode se encarnar em violência física, psicológica ou mesmo naquele murmúrio de “Quem esse lixo pensa que é para falar comigo assim?”.

Voltando ao episódio, ouvir um “Não” de mulheres que eram consideradas inferiores a ele não era algo que o agradava, então para mostrar que aquilo não existia para ele, principalmente de criaturas inferiores, ele as estupravas e tomava para si o poder novamente. Impor sua vontade o fazia forte de novo, e era isso que importava.
Mas não se engane, muitas vezes essa imposição da vontade não precisa ser violenta, só precisa ser insistente. Vou dar um exemplo que aconteceu em uma rede social e ilustra bem o que quero passar. Eu estava na rede Azul Escura do Zuckenberg falando sobre o que era ou não estupro, para você ver, e o seguinte comentário apareceu.

“Então se eu quiser fazer sexo com a minha esposa, ela não quiser, eu ir lá e insistir até ela ceder isso é estupro?”

Parece muito claro que isso configura estupro certo? Afinal é uma mulher dizendo não e que depois de insistência cede, ou seja, ela não deu permissão, ela cedeu a uma pressão de uma pessoa que ela ama. Agora pensa aqui comigo meu colega leitor, quantas vezes você já não chegou na sua pessoa amada, com toda aquela malemolência dando uns chameguinhos gostosos ela gostando, ai você já quis engatar para um sexo e essa pessoa virou e falou “ahhh não, hoje eu não quero, tô cansada” e você muito mito nas artes da sedução sabendo que aquele não era só um disfarce, insistiu, a pessoa disse mais uns “não”, mas no fim você sente que a pessoa deu aquela amolecida no corpo, o que na sua mente foi uma permissão, a relação ocorreu como você queria e final feliz. Mas será que quando o corpo da pessoa amoleceu foi por desejo ou por ela ceder porque viu que o seu “não” não seria aceito como resposta?

“Pô Marcos, cê tá insinuando que eu posso ter estuprado alguém meu mano? Achei que a gente era amigo cara...”

Bom, eu estou e a gente é, porque nesse caso eu também estou contigo cara, ou você acha que essa descrição também não pode me caber? Mas não tema também, porque pensar isso faz com quem juntos possamos evitar situações parecidas no futuro sacou? Eu disse que o texto era um Mea Culpa e que era para pensarmos juntos e isso não mudou uma gota.Bom, nossa amizade já está forte de novo? Então vamos continuar.

Na série de mangá adaptadas da light novel Shinrei Tantei Yakumo (Psychic Detective Yakumo em sua publicação brasileira) escrita por Manabu Kaminaga, conta sobre um caso de um fantasma de uma moça que se suicida em um eterno ciclo. Yakumo, um jovem universitário com a peculiaridade de ver fantasmas, é chamado para ajudar a desvendar o acontecido com intenção de libertar a alma da moça. Ao buscar o histórico do fantasma ele descobre seu nome, Rika Sawaguchi, e que seis meses antes de seu suicídio ela foi estuprada e espancada. Apesar de ter denunciado seu estupro e determinada a buscar por justiça, Rina Sawaguchi ainda assim se matou o que parecia misterioso, porém um dos personagens, o detetive Gotou, comenta com Yakumo sobre algo que ele chama de “segundo estupro”. Gotou descreve o “segundo estupro” como uma série de comportamentos de terceiros desde a polícia até pessoas comuns. Nas palavras dele:

“É um estupo psicológico causado pela investigação policial ou por gente sem coração que difama a vítima. ...”Não foi você quem seduziu?” “A culpa é sua por não tomar cuidado.” Isso não é jeito de tratar uma vítima”.

Agora imagina só esse tratamento vindo diretamente de quem na teoria te defender, no caso da obra a polícia? Acredito não precisar detalhar isso porque vemos isso em inúmeros casos, mas inúmeros mesmo, mas vamos ao menos tentar colocar isso em um caso do nosso mundo.

Um homem famoso foi acusado de estupro, logo saíram dizendo que a moça era mentirosa, culpada, que era tudo mentira, mas ao que tudo indica por baixo dos panos ele admitiu que a moça tinha dito para ele “não” e mesmo assim ele insistiu, embora a queixa tenha sumido, possivelmente por conta de dinheiro pago.

Isso é um caso recente, e perceba que ele ADMITE ter ouvido ela dizer NÃO e ainda assim ele insistiu (Vimos esse tópico lá em cima, não se esqueça). A moça foi difamada de todos os lados, principalmente pelos fãs devotos do homem, tendo apoio em poucos lugares.

O meu ponto com isso é, por vezes questionamos porque o estupro não é denunciado, e então eu pergunto, imagine relembrar um momento traumático vez após vez ao descrevê-lo e ainda ter pessoas difamando e descredibilizando cada palavra sua? Se só de ser acusado de algo que não fiz ou quando falo que uma pessoa fez e me chamam de mentiroso eu já fico em uma agonia terrível, imagine nessa posição?

Pense nisso meu caro, não é fácil vir a público enfrentar todas essas possibilidades o que torna o silêncio o normal diante disso. O fato de criarmos a figura do estuprador como um monstro não ajuda em nada também, por isso é importante fazer esse mea culpa, porque no fim das contas, diante de um não, vimos que a possibilidade é muito maior do que achamos.

Para finalizar essa nossa conversa, não se esqueça isso aqui não é para te acusar, mas nos ajudar a melhorar, eu acredito que você vai bem mais parar quando ouvir um “não” e caso a pessoa tenha ficado com vontade te chamar para fazer algo gostosinho para os dois, do que ter na consciência um estupro em que só você se “divertiu”, ou seja, em letras garrafais para eu e todas as pessoas que leram isso.

Não é Não!

Foto de capa por Monstera em Pexels

4 respostas

  1. Eu elaborarei um bom texto (não ad hominem) esclarecendo todos os equívocos escatológicos deste, mas, ao final, um sentimento de que, mesmo que remotamente você seja aberto ao diálogo, merece ficar aonde está. Daí apaguei 😉

  2. Não é não INDEPENDENTE DO GÊNERO DA PESSOA, TODO NÃO DEVE SER RESPEITADO. Marcos, lhe aconselho a não apoiar o feminismo. Esse movimento é hipócrita.

    1. Oi Aline, tudo bem? Então, eu concordo demais contigo, não precisa muito ser não para toda e qualquer pessoa, isso é muito importante de fato, mas por que então não acreditar no movimento feminista? Porque esse texto ele foi escrito muito com base em histórias que vi e que vivi também, assédio, de ouvir homens orgulhosos de que “Ela queria sim pô, só se fez no começo” e quis colocar de uma forma clara e com exemplos.

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