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Tabu e perseguição contra a homoafetividade indígena

Ao pensar na cultura queer tendemos a limitar os sentimentos homoafetivos à cultura ocidental. Muitas vezes ignoramos o fato de existirem diversas culturas espalhadas pelo planeta que, séculos antes, já lidavam de forma ética, inclusiva e legítima com as relações entre casais do mesmo sexo.

Em estudo elaborado por Estevão Fernandes, antropólogo da Universidade Federal de Rondônia e Barbara Arisi, professora e pesquisadora visitante da Vrije Universiteit Amsterdam, apontaram que a homoafetividade não era tabu entre indígenas brasileiros. Ambos os intelectuais exemplificaram suas pesquisas com caso bastante elucidativo: um indígena homoafetivo tupinambá, assassinado por jesuítas, com um tiro de canhão, em 1613, na atual São Luís do Maranhão. Segundo os registros encontrados pelos pesquisadores, o argumento utilizado para a execução contra o indígena foi a salvação da alma, eliminando assim, de forma brutal e impiedosa, uma pessoa.

Ou seja, graças ao passado colonial, escravocrata, doutrinário e religioso oriundo da herança europeia o preconceito, discriminação, perseguição e genocídio contra indígenas homoafetivos brasileiros ainda perdura hoje. Em algumas comunidades indígenas, casais do mesmo sexo podem ser vítimas de violência física, expulsão e muitas vezes morte.

“Nós, não-indígenas, ensinamos aos indígenas o preconceito. Trouxemos a homofobia nas caravelas e mantemos isso”, afirma o antropólogo Estevão Fernandes, em sua obra Existe Índio Gay? – A colonização das sexualidades indígenas no Brasil. Fruto de seu trabalho, o antropólogo explica o papel da colonização das Américas na hostilização e apagamento de suas próprias comunidades, tendo por base conceitos e doutrinas ocidentalizantes.

Tibira, eram assim chamados aqueles que não desempenhavam o papel prescrito masculino estipulado pelos invasores europeus. Porém, o caso descrito acima não foi o primeiro: muitas outras etnias, como guaicurus, xambioás, nambiquaras, bororos e tikunas tinham registros de hábitos homoafetivos, dentro de relatos de perseguição e execução contra indígenas encontrados nas fontes documentais desde meados do século XVI.

Ao olhar para os últimos 4 anos de governo federal, vemos gritantes retrocessos no Brasil. No início do governo Bolsonaro foi nomeado o ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias para comandar o órgão responsável por proteger povos isolados e de recém contato na Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Além de ter formação em antropologia, Dias, passou uma década, entre 1997 e 2007, evangelizando indígenas por meio da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), fundada em 1953. Na página oficial do MNTB era possível encontrar sua meta: “o propósito de levar o Evangelho de Cristo aos povos não alcançados”. Na época, a Justiça Federal proibiu que missionários norte-americanos e representantes do grupo adentrassem na terra indígena Vale do Javari, local com maior concentração de povos isolados no mundo.

O jornal O Globo, na época, revelou que representantes do MNTB e os religiosos americanos Andrew TonkinJosiah Mcintyre e Wilson Kannenberg invadiram de helicóptero a área, sem a devida autorização da FUNAI. Na decisão do juiz Fabiano Verli, da Vara Federal de Tabatinga (AM), ainda foram destacados “indícios claros de tentativa de aculturamento no caso de uma Comunidade, ao que parece, isolada” e o risco de transmissão do coronavírus àqueles povos. Logo, o grupo religioso invasor deveria se retirar.

Ou seja, homens e mulheres indígenas corriam perigo tendo em vista a invasão de agrupamento religioso que tinha por meta não só esfacelar as tradições culturais, religiosas e ancestrais como também desejavam recriminar, perseguir e exterminar a presença dos indígenas homoafetivos existentes nas referidas comunidades.

Com o atual governo federal, desde o início de 2023, políticas afirmativas de proteção aos indígenas são elaboradas e aplicadas, principalmente oriundas do Ministério dos Povos Indígenas, criado pelo governo Lula, presidido pela primeira-ministra indígena brasileira a ativista Sônia Guajajara.

 

Foto de capa por Yasmin Velloso/Mídia NINJA retirada de Mídia Ninja

2 respostas

  1. Mary del Priori tem importante debate sobre a forma como o domínio masculino das culturas negras, indígenas e europeias definiram nosso patriarcado no Brasil – vale a pena a leitura. Mas, considero executar mais reflexão antes de definir a cultura indígena como heteronormativa. Há designação e diferenciações de corpos dentro do viés biológico, na cultura indígena brasileira. Mas, não no sentido da inferiorização estabelecida pela normatividade dos corpos dentro do padrão europeu. Acredito que nossos indígenas oferecem outros significados e sentidos.

  2. Mas se formos voltarmos a Cultura Indigena, a adolescência dos índios tem o viés heteronormativo: ritual de início a vida sexual dos meninos e, da primeira menstruação das meninas! Mas a frente, ocorre uma espécie de encontro para a primeira vez de ambos! Imagina se o rapaz sentir atração por outro rapaz, sabendo que depois a aldeia aguarda com uma espécie de “celebração” pelo início da vida sexual! A Igreja, especialmente, a Católica, poderá ter padre ou bispo, homossexual ou que abrace a questão da sexualidade como direito individual, mas Não esperemos um Papa “progressista” ou a alteração do Direito Canônico! Terá sido coincidência num momento em que pelo mundo, homossexuais assumidos ou não, galgam lideranças de Países e o Vaticano começar a focar na idade avançada do Papa e limitações para locomoção???

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