Search

Reflexão Pornografa

Pornografia

(Para ler ouvindo: Erotica – Madonna)
Meu primeiro contato com a pornografia ocorreu aos meus sete anos quando surrupiei uma revista em cima do guarda roupa do quarto dos meus pais. A lembrança que tenho desse momento foi semelhante à reação de Pandora abrindo a caixa proibida: conteúdo demais para tamanha inocência. E entre risos e excitação dividi o achado com amigos e primos.

Desde então, a pornografia passou a habitar meu universo de pequeno masculino, que entre as fitas cacetes roubadas dos pais de amigos e dos momentos de molecada reunida em silêncio no quarto fechado, roubava nossa pequena infância. E ali vi o típico homem hétero nascendo e aprendendo a tratar a mulher como puro objeto de seu bel prazer. Como também ali comprovei a marca do meu destino na contra-mão!

Mais tarde, procurei eu mesmo, antes dos meus dezoito anos, nas discretas prateleiras de fundo dos vídeos-locadora, a pornografia. Primeiro as de conteúdo hétero, pois ainda habitava certa vergonha de mostrar qual era o meu real desejo, mas quando me despi das últimas camadas de meus próprios preconceitos passei a consumir a diversa pornografia de conteúdo gay, e um mundo de possibilidades de prazer visual se abriu.

E como a rotina cria o hábito e o hábito por sua vez gera a naturalização, passei a consumir muitas vezes, sem crítica, a pornografia, sobretudo, quando a descobri virtualmente nos “X Vídeos” da vida…

Hoje conteúdos pornográficos estão presentes e disponíveis com uma facilidade tão grande que a banalidade dessa visibilidade permite uma invisibilidade aos conteúdos que compartilhamos.

E o que isso diz sobre nós? O que isso diz sobre os crimes de abuso sexual infantil? Dos estupros? Do machismo deliberado? Da lgbtfobia? Muita coisa!

No entanto é preciso delimitar a linha tênue desse universo e dos fenômenos sociais que nos rodeiam, em vista de que podemos colocar tudo em uma mesma caixa de moralidade cega que esconde nossa hipocrisia.

A reflexão que pretendo gerar a partir de minha própria vivência, que não é íntima, mas também de uma coletividade (em sua maioria masculina) é o quanto alguns conteúdos pornográficos podem conter sobre a fachada do desejo ou da “brincadeira” erótica, subterfúgios para a saída dos monstros da caixa de Pandora: transfobia, estupro, pedofilia, machismo e toda a sorte de violência sexual, que de nada é de fato sexual! Pois como disse muito bem alguém que li, cujo nome não me recordo, “você não chama de jardinagem alguém que lhe bate com uma pá”.

Também não estou querendo através deste texto reflexivo fazer um mea-culpa para justificar o (meu) desejo que (todos nós) temos pela “pornografia”, que não é um acontecimento contemporâneo, mas que acompanha a história humana desde os papiros no Egito antigo e as paredes de Pompéia.

Também não quero através disso condenar atores e atrizes pornôs (no qual admiro e os sigo em minhas redes sociais), nem qualquer um que faça seus vídeos amadores. Mas quero valorizar a possibilidade de uma visão de pornografia positiva e até mesmo educativa. E antes que você me condene por colocar na mesma frase “pornografia e educação” quero que reflita o quanto a pornografia que sei que já consumiu (e/ou consome) te ensinou ao mesmo passo que fez você gozar. Há um fator de pré-instrução sexual muito real que negamos quando marginalizamos a pornografia, que funcionam quase como substitutos online de pais e/ou tutores de um adolescente que busca por compreender suas manifestações e desejos.

Se pensarmos nos vídeos que circulam nos sites, tanto amadores quanto de grandes produtoras, vamos nos deparar com dois elementos: uma identificação com nossos desejos eróticos que encontram vazão nas categorias pornográficas como “anal”, “barebacker”, por exemplo; e o fator que habita entre o paradoxo desejo-realidade. E nessa última que habita a fantasia, pode nos propor uma realidade que as lentes das grandes produtoras da pornografia escondem: ereções químicas, falsos orgasmos, ISTs, etc., que nem mesmo o aviso inicial do filme mobiliza o consumidor de fato. Sem ainda falar em questões da proletarização do sexo pela apropriação neoliberal das indústrias pornográficas, que atrás das lentes revelam sofrimentos e adoecimentos não só psicológicos como também humilhações, consumidos e reproduzidos indiretamente por nós, “punheteiros anônimos consumidores”.

Por isso cabe a nós também refletirmos que tipo de conteúdo erótico reforçamos em nossa sociedade enquanto levantamos bandeiras tão importantes como: feminismo, causa LGBT+, luta antirracista etc.

Será que esse novo mundo que estamos construindo no diálogo e nas grandes multidões pelas ruas também não merece um conteúdo sexual e erótico mais humanizado?

Será que não podemos e devemos romper com títulos ordinários de filmes pornôs que falam de histórias de violência e abuso mascarados na lógica “isso é só um filme”?

Podemos romper sim!

Tive a esperança com este texto de mobilizar política e eticamente o nosso prazer individual e/ou coletivo. Refletir esse machismo estrutural que fazem mulheres serem tratadas como objetos e homens se comportarem como estupradores consentidos.

Esse texto não é uma condenação ao prazer, ao erótico e ao delicioso e fantástico mundo do sexo que ocupa um lugar muito especial em minha vida (assim como de muitos), mas sim de devolver para este mundo o lugar que a sexualidade e o erótico nunca deveria ter saído: que é a capacidade engrandecer nossa curta experiência na vida vivida.

Para ver mais textos de Sérgio Lourenço, confira sua coluna Queer-se.

Entre em nosso grupo de WhatsApp Boletim Pró Diversidade e receba notificações das publicações do site.

4 respostas

  1. De fato….negligrnciamos com tabus nossa vivência sexual.De fato tornamos nossos desejos através da formação distorcida, repessiva e misogena da sociedade adoecida em que fomos criados.
    É preciso refletir de fato!!!

    1. Obrigado querida irmã pela sua leitura e reflexão. A ideia foi pensar como articulamos questões políticas e o prazer sexual.

    1. Querido amigo, obrigado pelo carinho e pela leitura. Sim amigo, embora pareça até um pouco paradoxal essa questão , penso que precisamos refletir com menos tabu as questões que envolvem práticas sexuais e como elas afetam nossas relações sociais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *