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Quando uma animação poética retrata um problema social crônico

O curta-metragem “O Despejo ou… Memórias de Gabiru”, de 2008 com direção e roteiro de Sergio Glenes, trata do tema do déficit habitacional e de como são tratados os moradores de comunidades e o processo de desalojamento.
Tendo como pano de fundo a favela onde nasceu, um morador, seu Narciso, recebe das mãos de um oficial de justiça, uma ordem de despejo.

Inspirado no samba de Adoniran Barbosa e Gonzaguinha, “O Despejo na Favela”, a trama se desenrola nas lembranças de seu Narciso naquele que foi seu lugar por toda a sua vida. Ao invés do samba cantado por Adoniran e Gonzaguinha, temos uma melodia angustiante e triste, na voz de Edson Cordeiro. Com uma excelente produção, somos levados às memórias de Narciso, levando-nos aos seus sentimentos de nostalgia e tristeza por ter de abandonar o local onde cresceu e viveu.

“O Despejo ou… Memórias de Gabiru” vai muito mais além do que uma animação musical em curta-metragem. É a voz dos que necessitam de moradia, dignidade e atenção por parte do poder público, porém, sofrem na pele a atuação de uma (in)justiça contra os que nada têm.

Este é um tema que está no debate público por décadas, sendo que medidas realmente concretas só tenham sido implantadas com mais eficiência nas últimas duas décadas. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o déficit habitacional brasileiro ainda é de 7,9 milhões de moradias em todo o país, correspondente a 14,9% do total de domicílios.

Olhando para a favela do curta ou para as ocupações em comunidades das grandes cidades, percebemos o espaço urbano pela lógica burguesa da propriedade e, claro, como um bem muito valioso. Em consonância com o filme, o artigo “Questão Habitacional como Expressão da Questão Social na Sociedade Brasileira”, de autoria de Marina Barbosa Pinto, expõe que “o Estado assume as funções de regulação e ainda que na atualidade o discurso seja contrário a isso, a efetividade da ação do Estado em prol da reprodução das relações sociais capitalista é facilmente comprovada”.

Tanto o samba quanto o artigo cutucam a mesma ferida: a desresponsabilização do capitalista sobre o custeio sobre a moradia do trabalhador, a sobrecarga por parte da classe trabalhadora, a lógica mercantil de imóveis (mesmo os particulares em estado de abandono), e a atuação do Estado na garantia da defesa do propriedade privada.

“O Despejo ou… Memórias de Gabiru”, abre espaço para um leque de debates: a trajetória da urbanização no Brasil, a precariedade habitacional com a formação das primeiras favelas, o crescimento desordenado de muitas cidades do Nordeste após programa do Proálcool etc..

Segundo Marina Barbosa Pinto, “O quadro brasileiro reserva particularidades determinadas não só pela conformação das contradições geradas diretamente pelo processo de produção social da riqueza, como também pelo papel do Estado na urbanização, como agente potencializador do capital privado e árbitro da distribuição de excedente social entre os oligopólios. A urbanização é, portanto, constitutiva do processo de desenvolvimento capitalista, visto que é subordinada aos padrões de acumulação”.

Tanto a animação quanto a canção tratam de problemas complexos devido a estrutura sócio-econômica que se configurou no país durante a história e exigem soluções urgentes. Na própria canção, seu Narciso, apesar de conformado com o despejo nos deixa uma interrogação sobre o futuro dos outros desalojados: “Mas essa gente aí, hein? Como é que faz?”.

  • O Despejo ou… Memórias de Gabiru
  • Ano: 2008
  • Direção: Sergio Glenes
  • Roteiro: Sergio Glenes
  • Duração: 7 minutos

Questão Habitacional como Expressão da Questão Social na Sociedade Brasileira (Marina Barbosa Pinto): https://periodicos.ufjf.br/index.php/libertas/article/view/18134/9386

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