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Quando o descaso é política pública

A animação Morte e Vida Stanley (2007), com direção de Ivan Mola e roteiro do próprio Ivan juntamente com Thaysa Rubiane nos traz em estilo de gravura de cordel, a história tão íntima de muitos do povo do interior do Nordeste, na busca por melhores condições de vida através da migração para outras cidades, estados ou regiões.

Intimamente ligada a Morte e Vida Severina, o curta, com música que leva o mesmo título da banda pernambucana Cordel do Fogo Encantado, conta a história dos retirantes que, fugindo da seca e da fome, procuram uma saída, sem saber exatamente para onde e o que os espera.

A animação em flash, desenvolvida também por Ivan Mola em software, é integralmente feita no estilo das tão conhecidas e marcantes xilogravuras nordestinas.

Num momento atual extremamente delicado, onde grande parte da população está em situação de insegurança alimentar, a história do retirante se mostra muito mais próxima do que podemos imaginar. Embora a migração não seja tão intensa como fora no passado, ela ainda ocorre. E a dor de uma pessoa, ou uma família, de ter de deixar o seu lugar de origem com destino a algum lugar desconhecido, é muito grande.

Ao falar do flagelo da seca, é impossível não lembrarmos também da obra de Graciliano Ramos, Vidas Secas, que também trata do mesmo tema e tem a mesma carga emocional e dramática.

Podemos observar a problemática social da migração dos retirantes como um descaso de vários governos durante gerações e gerações. Descaso com a população e descaso com as verbas e os bens púbicos. Desde a sua fundação em 1909, o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) coleciona uma série de casos de desvios de verbas, seja durante a República Velha, com forte presença do Coronelismo e dos investimentos de acordo com interesses políticos, e não sociais, até em outros momentos históricos do Brasil, onde muitos projetos foram aplicados de modo a atender grupos oligárquicos locais e não a população que realmente necessita.

A migração nordestina para outras regiões, principalmente para o Sudeste e o Sul tem suas origens ainda nos tempos do Brasil-Império. Infelizmente, até hoje o migrante nordestino ainda enfrenta preconceitos e xenofobia por parte de muitos habitantes de outras regiões. O grupo Porta dos Fundos produziu um esquete em julho de 2021, com o título “Sudestino”. Numa inversão de papéis, o trabalho deles demonstra de forma certeira alguns preconceitos enraizados na cultura que, para quem diz parece inofensivo, porém, para quem escuta, é altamente ofensivo. O esquete praticamente critica as generalizações e juízos de valores banalizados através do senso comum e de visões deturpadas, sobre a população de determinada região.

O retirante não precisaria deixar seu lugar, se projetos e obras tivessem sido executados em seu devido tempo, atendendo não a interesses políticos, mas a interesses coletivos. O Nordeste tem seu interior com clima semi-árido e cabe ao Estado (governos federal, estaduais e municipais) trabalhar no que deve ser feito, de forma eficiente e efetiva. Enquanto a mentalidade da classe política não mudar, o retrato dos retirantes sempre vai continuar presente, não no imaginário, mas na realidade concreta de um Brasil real que tem muitas dificuldades em resolver seus problemas crônicos e estruturais.

Morte e Vida Stanley nos leva a uma reflexão sobre o êxodo nordestino, suas causas, suas consequências, e também, soluções que são mais do que necessárias e urgentes.

FICHA TÉCNICA:
Morte e Vida Stanley
Gênero: Animação, Drama, Música
Ano: 2007
Direção: Ivan Mola
Roteiro: Ivan Mola, Thaysa Rubiane
Duração: 4 minutos

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