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Quando as eleições acabam…

E quando as eleições acabam?

Votar é o início do processo político, mas todas as vezes que o ‘circo da democracia’ se arma nos esquecemos disso e agimos como se fosse uma finalidade.

Algumas pessoas desdenham do voto com a justificativa de que essa ação não muda nada, afinal os “políticos são todos iguais”, por outro lado, outras pessoas defendem com devoção os candidatos com os quais se identificam, como se o simples ato de os eleger fosse acabar com todos os problemas existentes na sociedade.

A primeira forma de reagir as eleições faz parte do sentimento de descrença na política, resultado de um processo que teve início com os protestos de junho de 2013, onde o povo foi as ruas levando suas reivindicações de uma maneira massiva. Contudo, o que era para ser uma manifestação da vontade popular, foi apropriado por setores reacionários da sociedade, culminando num processo de antipolítica que se arrasta até os dias de hoje. É fato que o nosso sistema político tem problemas e devemos sim questioná-los, mas não dessa forma despolitizada e desonesta que vem acontecendo. A segunda maneira de reagir é até um pouco ingênua, mas entendo que pensar o nosso papel enquanto cidadãos como apenas o de escolher os nossos representantes seja mais confortável, pois nos exime de muitas responsabilidades.

Compreendo que os nossos problemas politicossociais vão muito além dessa minha análise rasa. Mas o que eu gostaria de chamar atenção nesse texto é para forma como encaramos a política, como algo muito distante de nós, acredito que se a gente conseguisse transformar isso, já seria meio caminho andado para a solução dos outros problemas. Somos todos seres políticos, somos nós quem construímos a sociedade na qual queremos viver e não os nossos representantes, por mais bem-intencionados que esses sejam, logo, o nosso papel como cidadãos, definitivamente, não termina com o ato de votar.

É preciso debater, cobrar de nossos candidatos, fiscalizar e nos mobilizar. Apesar disso, os trabalhadores não possuem disponibilidade para participar da vida política, ou mesmo entendimento de como o jogo da democracia funciona. A maioria dos eleitores não conhece a Constituição Federal de 1988, documento em que está contido o rol de todos os nossos deveres e direitos enquanto cidadãos brasileiros, não aprendemos sobre ela na escola e mais uma série de outras coisas importantes para nossa formação social. Isso é sintomático do quanto a nossa democracia é limitada no sentido de que ela não nos dá a possibilidade de uma maior participação popular para além do voto.

Conquistamos o sufrágio universal e com ele o pleno direito ao voto de todos os cidadãos adultos, independentemente de alfabetização, classe social, gênero e etnia, com algumas ressalvas. Entretanto, no curso natural da vida, onde os trabalhadores estão mais preocupados com a sua alimentação, em terem um trabalho, um teto, entre outras necessidades materiais, ficando impossibilitados de se ocuparem com a democracia, enquanto para os setores da elite participar da política é algo natural. A classe trabalhadora, tendo de lidar com a intensificação das jornadas de trabalho, desemprego, falta de acesso à saúde, educação e etc, não consegue se reunir a fim de discutir a vida político-social da sua cidade, do seu estado ou do país.

Temos que aprender a lidar com essa contradição e para isso, precisamos nos interessar mais por política, a política que muitos de nós dizemos odiar com frequência e aqui não me limito apenas a política institucional. Como uma pessoa que se identifica com o campo da esquerda radical, tenho fé na capacidade de organização das pessoas em torno de valores que nos faça ter esperança de que é possível sim modificar os alicerces desse mundo tão excludente em que vivemos e que essa ação inclusive é o que traz sentido para a vida. Podem me chamar de utópica!

Acredito mesmo que as maiores mudanças sociais virão das bases e que não há outro meio de se atingir essas mudanças estruturais que não seja nos organizando, nos engajando nas associações de bairro, nos movimentos estudantis, movimentos sociais como o movimento feminista, movimento negro, LGBTQ+, movimento dos trabalhadores sem teto e dos trabalhadores sem-terra. Enfim, existem muitas possibilidades para quem não quer entrar para a política partidária e esse não pode mais ser um pretexto para nos manter na inércia, pelo menos não para os que acreditam que esta ordem social é inaceitável e precisa ser superada.

Temos muito o que construir, esse texto é fruto da minha inquietude e também do entusiasmo com a possibilidade de que ele possa trazer uma mensagem de esperança, para além das vitórias&derrotas políticas desse pleito de 2020. Agradeço a atenção depositada nele até aqui, e despeço-me com uma letra do meu compositor favorito dessa vida, Antônio Carlos Belchior: “O que transforma o velho no novo, bendito o fruto do povo será”. Quando as eleições acabam, apenas se inicia o nosso papel que determinará os destinos da nação que queremos ser.… e, se não formos nós que determinaremos os rumos de nossas vidas, quem será?

Por Natália Barbosa
para sua coluna Desassossegos.

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