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Precisamos falar sobre Suicídio e Saúde Mental

foto em preto e branco com um garota sentada numa cadeira pensativa. Estaria ela penando em suicídio?

Quando alguém se coloca a falar sobre Suicídio precisa anunciar, antes de tudo, suas limitações frente ao assunto, sobretudo, se esse for um profissional de saúde, pois até mesmo nessa área falar sobre o tema envolve delicadeza e empatia já que estamos diante de um fenômeno complexo e multifatorial. Por exemplo, eu quanto psicólogo posso abordar o assunto, mas isso não significa que tenho domínio total sobre o mesmo e que, por isso, posso deliberadamente propor intervenções clínicas sem considerar a minha bagagem, competência e habilidade profissional. Portanto, até mesmo para os profissionais de saúde, quando o assunto é suicídio, a atenção deve ser redobrada.

E quando pensamos no suicídio é comum inferirmos ele como a causa total, e não a consequência em cadeia de muitos fatores que o antecederam, assim sendo, a questão envolve complexidade.

Em tempos de Setembro Amarelo é preciso que, antes de evocarmos o fenômeno que caracteriza esta agenda, que façamos uma reflexão crítica frente às campanhas coloridas ao longo do ano, na perspectiva de colocá-las em análise e nunca de rechaçá-las, já que muitas vezes elas servem para nos tornar sensíveis a determinadas questões sociais. Entretanto, o excesso de Amarelo em Setembro pode acabar romantizando algo que envolve muito sofrimento, e ainda passa a ideia de que basta ouvir o outro para solucionar o problema dele. Sem ainda mencionarmos se essas campanhas estão de fato a serviço de uma causa ou de uma visibilidade mercadológica, pois é preciso colocar nessa conta que profissionais de saúde também promovem marketing de seus serviços.

O Setembro Amarelo surge primeiramente nos EUA, em 1994 por conta do suicídio do jovem Mike Emme, de 17 anos, que tinha um Mustang 68 amarelo. Em seu velório, parentes e amigos usaram uma fita amarela e essa se tornou então o símbolo da causa na prevenção ao suicídio. Em 2015, no Brasil, começamos a ver a campanha tomar forma a partir do CVV (Centro de Valorização a Vida). Desde 2003, o dia 10 de Setembro é o dia oficial de Prevenção ao Suicídio.

Quando falamos sobre o tema é preciso entender que este é um fenômeno complexo, e que embora possa ser enquadrado em único denominador: suicídio, os fatores para que se culmina ou em uma tentativa e ou infeliz consumação, são amplos. Os estudos na suicidologia, estudo do suicídio, apontam que há fatores biológicos, socioeconômicos e psicológicos que atuam em conjunto ou separadamente na causa.

Os estudos apontam que a tentativa suicida é mais frequente entre jovens adolescentes e mulheres, e que o suicídio em si é mais comum entre os homens. Nessa conta, uma das causas mais comuns que leva ao processo suicida ou a ideação, é a depressão ou depressão maior, no entanto, estudos demonstram que outros fatores psicopatológicos e de dependência química e/ou etílica também influem na causa. Outra questão a ser levada em consideração como causa é a marginalização de sujeitos que pertencem a grupos minoritários.

Etimologicamente a palavra SUICÍDIO deriva de SUI igual a SI e CAEDERE igual a MATAR, designando, portanto a morte de si ou do próprio. Simbolicamente isso faz com que pensemos muitas coisas a respeito, mas quando levado para o si, parece que individualizamos um problema que infelizmente, é assim que muitas vezes esse fenômeno é tratado: como um problema individual.

Freud dizia que a toda Psicologia é Individual e Social, e muitos outros teóricos das ciências psis demonstram que coletividade e individualidade não são terrenos separados, mas híbridos, sendo assim, somos extensões do que acontece lá fora e vice e versa. Partindo disso, toda vez que negamos que o Suicídio é um problema de Saúde Pública estamos sendo profundamente negligentes.

Estudos demográficos apontam que quase 90% das pessoas que tentaram ou efetivaram o suicídio passaram antes por alguma clínica médica ou atenção primária de saúde, pública ou privada, e que de uma forma sintomática ou explícita anunciaram o desejo de encerrar a vida. A partir disso, podemos refletir que é necessário que se crie redes de apoio e acolhimento que minimamente estejam capacitados para perceberem as linhas e entrelinhas dessas queixas. Ainda, é preciso lembrar que o problema não é uma questão somente deste ou daquele profissional, mas que depende de uma equipe interdisciplinar em conjunto do apoio familiar, ou da comunidade, para que se tenha uma efetiva prevenção primária, secundária ou terciária. Eis também o quão importante é a valorização do SUS, e todas as extensões de serviços de Saúde Mental (CAPS, por exemplo) que ele oferece, e que tristemente, poucos cidadãos sabem usar seus recursos gratuitos.

Com isso podemos pensar os Fatores de Proteção/Prevenção e Fatores de Risco, que oferecem mapas de previsão demográfica em uma população na suicidalidade.

Quando falamos em Fatores de Proteção/Prevenção estamos falando de quanto uma sociedade ou comunidade oferece de qualidade de vida e bem estar aos seus sujeitos que permitam que as ideações suicidas não surjam. Um exemplo é a segurança econômica, acolhimento e sentimento de pertencimento das populações minoritárias, e ainda se considera até mesmo a religião que oferece às pessoas a sensação de amparo ou até mesmo culpa/pecado com relação ao sujeito que não leva a cabo a ideação suicida por medo de uma punição divina (fator esse que precisa ser analisado criticamente).

Quando falamos em Fatores de Risco são todas as deficiências presentes em uma sociedade, entre elas a desigualdade social e econômica é um dos fatores marcadamente que colaboram para o indicie de suicídio. Ou ainda sociedades e culturas que são muito rígidas quanto à elaboração e demonstração verbal/comportamental de sentimentos.

Pensar nesses fatores nos ajudam a entender não só a atuação de campanhas preventivas, mas também nos permite compreender o quanto o suicídio é de fato um problema de Saúde Pública.

O suicídio é complexo, como já foi dito, e há outros fenômenos que o acompanham.

É preciso considerar que o suicídio é um tabu, exatamente por falar da morte e a dificuldade que temos de refletir sobre ela. Entretanto, a morte que o suicídio representa não é daquela que acontece no curso de uma vida, mas que é provocada pelo próprio sujeito, com isso temos a ideia do tabu da morte que confronta com a vida que é tida em muitas instâncias o último e mais valioso dos valores morais e éticos. Isso provoca sempre a questão: o que motiva um sujeito a encerrar a vida?

O suicídio em uma análise rasa pode ser entendido como uma ruptura radical para se livrar de uma situação de dor psíquica insuportável. Mas isso não é tudo! Ainda é preciso dizer que existe o comportamento suicida, que pode ter a intenção ou não intenção do suicídio em si. Um comportamento que costuma acompanhar a suicidalidade é a impulsividade e a agressividade, ainda temos pensamentos de autodestruição, autoagressão, gestos suicidas, tentativas de suicídio e por fim a efetivação do ato. Alguns estudos apontam que três fatores principais sempre acompanham a ideação suicida: ambivalência afetiva/emocional, impulsividade e rigidez mental sobre a questão.

É comum que o sujeito que tem o comportamento suicida e que leve a cabo o ato, mesmo que não tenha tido sucesso em seu feito, tentará outras vezes, por isso o cuidado médico/psicológico e todo apoio interdisciplinar e familiar são necessários e devem ser pensados já na atenção primária. E não apenas isso, é preciso lembrar que, quando o ato é consumado e uma autopsia psicológica é feita, é preciso cuidar dos familiares e amigos do sujeito que cometeu o ato, pois a família também sofre e muito. Há estudos que demonstram até mesmo uma relação de atos semelhantes entre pessoas da mesma família. Por essa questão do cuidado de terceiros para além do próprio sujeito em sua suicidalidade, ainda podemos considerar que o ato pode muitas vezes não estar sendo dirigido necessariamente só para um objeto interno, já que também pode se destinar como uma “vingança” a destruir a vida dos que estão a sua volta. Quem margeia o fenômeno acaba muitas vezes carregando consigo a culpa pelo ato.

O processo do ato suicida e da suicidalidade (o por em prática da ideação) acompanha muitas vezes uma constrição perceptiva que é um estreitamento afetivo e intelectual, ou seja, o sujeito tem a ideia fixa no ato e isso faz com que ele não perceba outros constructos de pertença ou de afeição que faça com ele não consigam buscar a proteção que assegure a sua ligação com um desejo de vida/viver.

Um dado que tem alarmado a Saúde Pública é a incidência cada vez maior de suicídio e parasuicídio entre os adolescentes, sobretudo visível no ambiente escolar. O que nos permite pensar o quão importante é uma intervenção preventiva pelas vias da Educação. Entre os fenômenos que parecem acompanhar é o da automutilação e auto-agressão, que não necessariamente busca o suicídio, mas um alívio no sofrimento psíquico. Ainda há presente nessa lógica um “cometer risco de vida” para se sentir mais vivo, e isso dar uma perigosa sensação de um sentido.

Esse breve texto teve a intenção de levar uma luz para este fenômeno que carrega tanta complexidade e sofrimento para que possamos fazer de amarelo todos os meses do ano e sermos mais empáticos com a questão, que muitas vezes ainda é chamada de “frescura” ou um “querer chamar a atenção”, quando na verdade é uma questão séria de saúde mental.

Para ajuda e encaminhamento profissional você pode procurar o CVV no telefone 188, no PSF de sua localidade e serviços de saúde mental pública de seu município como o CAPS, por exemplo.

Para ver mais textos de Sérgio Lourenço, confira sua coluna Queer-se.
Imagem de Ryan McGuire por Pixabay

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2 respostas

  1. Texto maravilhoso! Me trouxe uma otima reflexão sobre esse assunto, que como vc mencionou no texto é considerado um Tabu, então é bom refletir sobre o tema. Arrasou!

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