Search

Poder na prática

No último post, falamos mais claramente como o poder funciona. Isso nos faz pensar umas coisinhas. Algumas perguntas ficam boiando na nossa cabeça. E o governo, manda ou não na gente? A relação entre patrão e empregado? Aquela coisa toda de classes sociais? O que de fato faz sentido? Bem. Tudo faz sentido. Precisamos antes definir esses termos: poder na prática, classe social e governo.

Definindo

Poder, como já sabemos, são relações que, baseadas em verdade, produzem efeitos. Eles podem ser positivos, influências, autoridade, domínio ou mesmo o efeito negativo da força. Já classe social é um conceito materialista e econômico. A classe se define por relações econômicas de produção. As teorias clássicas dizem que numa classe social, todos se nivelam pelo mesmo acesso ao recursos econômicos. É um conceito real, mas que tem um probleminha.

A teoria de Marx interpreta as relações de poder como relações materiais. Elas não precisam ser apenas materiais. O poder se exerce de maneira múltipla. Dentro de uma classe, relações entre sujeitos que não se baseiam no poder aquisitivo existem. E podem ser mais eficientes em facilitar o governo. Poder, classe social e governo são conceitos que se conectam. Mas nem sempre explicam-se mutuamente.

Governo é o exercício do poder do Estado, a condução política geral. Nas sociedades democráticas, o governo é dividido em poderes, instâncias, instituições, níveis. A sua organização é do campo das leis e da condução econômica. Seu poder toca os sujeitos de maneira direta ou não. Mas ele não pode trabalhar sozinho. O governo conta com uma rede de poderes mais ou menos organizados que incluem relações de classe, leis, atos administrativos ou mesmo as influências pessoais mínimas que as pessoas têm umas sobre as outras. O poder na prática é múltiplo, diverso e coordenado.

Exemplo de poder na prática

Maria é mãe solteira. Seu filho de dois anos está na creche. O de sete na escola. Depois de sair da casa da mãe, ela resolveu ser diarista, trabalho informal. Ao se cadastrar no Programa de Saúde da Família, ela recebe atendimento de uma agente de saúde. Isso facilita consultas para seus filhos, vacinação e atendimento para saúde da mulher. Cadastrou-se no Bolsa Família. Recebe um dinheiro que a ajuda a manter os filhos nas instituições escolares. O reforço na renda permite que ela também cuide melhor de si e com isso ela está mais feliz. Por poder cuidar das unhas e cabelo, ela se sente mais bonita e com isso se abriu para um relacionamento estável.

Dessa forma, Maria tem uma família “normal”. Casou-se com um homem que trabalha e a ajuda a manter a casa alugada. A renda de ambos permitiu entrarem num programa de habitação. Logo ela se viu morando numa casa própria, subsidiada. Os filhos estão alimentados e abrigados enquanto ela trabalha. Ela e o marido adquiriram um veículo. Porque é relativamente feliz, Maria é produtiva. Portanto, ela é um corpo útil e dócil, apto para o trabalho. Mas não deixa de ser um sujeito que pode fazer escolhas saudáveis para si e sua família. Seu relacionamento, a sua família ideal, ajuda a deixá-la em estabilidade e felicidade. A tendência é que ela e seu esposo exerçam sobre si, influências boas de diversas formas ao longo de suas histórias.

Enfim, poder na prática é…

Poder na prática é tudo o que organiza a vida de Maria. Há relações de poder determinantes da vida dela. Elas são econômicas, têm a ver com sua classe social. Mas são também parte da cultura. Portanto podem transcender a classe, como os valores familiares que ela cultiva. Mas também há poder na relação pessoal que tem com seu esposo. Primeiramente, as relações de família são importantes para o governo. Em segundo lugar, a sensação de felicidade que a família produz, tende a diminuir a força política dos sujeitos. Em terceiro lugar, felicidade orienta desejo e consumo, o que volta ao parâmetro do econômico.

Concluindo

Lembram que eu falei que a noção de classe social é apropriada? Sim, e útil. Mas é limitada em permitir se analisar esse fluxo de valores e relações de poder. Quando a gente acha que a classe social é um grupo mais ou menos homogêneo e estável de gente que ganha dinheiro de maneira igual, estamos negando as poderosas relações de poder entre seus sujeitos. Isso inibe entender um monte de coisa. Uma delas é porque uma pessoa é feliz sabendo que é pobre, proletário. Ou de que modo há meios individuais e efetivos de aburguesamento do proletariado, o que acaba minando possibilidades de revoluções ou ações mais massivas.

Não há regras estáveis nas relações de poder, mas sabemos que elas se organizam por verdades, não por uma ideologia do governo. Ainda assim, o governo se coloca junto dos poderes institucionais culturais da escola e da família, para produzir pessoas capazes de ser e pensar suas existências. Os sujeitos não terão igual acesso a oportunidades de crescimento. Mas se eles conseguirem crescer de modo individual, dificilmente lutarão contra o estado de coisas. O pobre que sobe na vida vê no fruto do seu trabalho não um direito que tem, mas a conquista. E ele não abrirá mão disso nem com a promessa de ter mais junto com todos no final.

Mas nada isso é legal, institucionalizado. Os poderes se coordenam, organizam, mas podem se desorganizar em outro momento, abrir espaço para outras formas de convencimento social. O que deu certo anos atrás para trazer conforto ao proletariado pode não dar agora.

Pensemos.

Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *