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Pandemia e a diversidade

A diversidade representada por quatro pessoas de etnias diferentes e aparentemente LGBT

A minha grande esperança para esse século, parcialmente frustrada, até agora, era de viver num mundo um pouco mais livre. Nesse momento em que todos nós focamos no maior problema de todos, talvez fosse de se imaginar que o mundo fosse se juntar em prol de um objetivo comum, pelo menos no combate à pandemia. Mas percebemos que mesmo uma doença, algo extremamente concreto e objetivo, é objeto de muitas intepretações que causam dor, sofrimento e levam à morte por negligência e desconhecimento. Já tínhamos desembarcado no século XXI, empolgados com a ciência, com a tecnologia acessível, o progresso e as novidades em forma de produtos que podíamos comprar. Mas tínhamos um mundo plural, diverso. Mas, infelizmente, sem igualdade. Ou, de fato, sem equidade.

Esse foi o mundo assolado pela pandemia de coronavirose. Um mundo nada ideal para quem vive nessa diferença. Um dos feitos da humanidade nesse nosso século é criar uma série de narrativas que explicam as coisas e criam ilusões de que as coisas estão bem. A história europeia de lutas proletárias, de avanços feministas e do reconhecimento dos direitos de pessoas LGBT criou uma ideia de que a humanidade havia avançado muito. De fato, isso tem um certo sentido. Mas o resultado dos avanços em Direitos Humanos e reconhecimento da diversidade não são a mesma coisa, seja na Europa, seja nas suas ex-colônias. Varia também com relação a classe social. Muita gente vivia num mundo mais ou menos igualitário e estava feliz com alguns de seus privilégios. Mas isso não é uma unanimidade.

O respeito à diversidade estava longe de ser concreto, real, quando surgiu essa pandemia. E ela não nos tornou mais próximos e nem ao menos mais solidários, ao contrário. Esse evento de adoecimento e morte em massa expôs as nossas feridas. Um deles é o profundo processo de exploração das pessoas pelo trabalho. Em segundo lugar o mito inacreditável de absurdo da inclusão digital. De repente, percebemos que existe muita gente pobre com celular e acesso á Internet, mas não o suficiente. Por fim, mas não esgotando a lista, podemos perceber o quanto as diferenças de classe social, etnia e gênero estão expostas, visíveis. Por outro lado, um processo de invisibilidade das pessoas menos favorecidas continua. Nem sempre o governo é justo, honesto e claro ao mostrar dados sobre a pandemia. Ao mesmo tempo em que não faz o suficiente para ajudar quem já estava numa determinada estabilidade social e a tem perdido.

Nesse ínterim, dá para acreditar que LGBT que estavam em condições de vulnerabilidade social estão, de fato, sendo assistidos? De que forma? E as mulheres trans que trabalhavam na rua? E os gays pobres, negros, periféricos? E os adolescentes LGBT que vivem na pobreza e não podem estudar pelo celular porque não têm acesso ou Internet? Sem apoio federal, estados e municípios se sentem obrigados a retomar a economia, o que está gerando um nível de mortes e contaminação muito longo. O país é o único do mundo a manter um patamar de mil mortes diárias ou mais por dois meses. Os pobres voltaram a trabalhar. Os ricos se protegem como podem. Os invisíveis, bestializados, aqueles que lutavam para serem respeitados, reconhecidos e estarem pelo menos no nível da cidadania, desaparecem sob a pilha de corpos. Vivemos um apocalipse principalmente nas camadas mais pobres da população.

Esse vírus não veio para nos ensinar a ser mais humanos. Não há como dar sentido a essa pandemia, principalmente se você está num estrato social mais baixo, ou se sua condição étnico-racial oprime. Ou ainda se sua orientação sexual ou sua diferença de gênero impõe falta de recursos e vulnerabilidade. Um conselho de amigo: não seja aquele tipo de pessoa que tenta tirar lições importantes desse acontecimento, achando que tudo vem para bem. Existem milhares de invisíveis no país e no mundo inteiro morrendo e não é só para que você tenha essa iluminação. O mundo não está passando por uma mortandade para você arrotar espiritualidade e se achar mais iluminado. Não há nada de bom nisso tudo. Essa doença não só mata, como tira a liberdade de ir e vir, consome nossos recursos e piora o estado de preconceito, separação, pobreza e invisibilidade de quem já era excluído. O esclarecimento que você busca não vale o holocausto das vidas humanas. Todos aprenderemos, não com a pandemia. Mas com nossos erros.

Portanto, temos que buscar nos unir em torno de interesses mais solidários, não só para a contenção da doença, não só para cobrar do governo as medidas que esperamos. Mas principalmente para não desamparar quem, de uma hora a outra desapareceu sob os cadáveres e números absurdos de mortos e doentes. Não nos afoguemos nas notícias, análises políticas, econômicas. Não nos distraiamos vendo o teatro político se desenrolar em seus atos. Precisamos agir rapidamente. Essas pessoas precisam de ajuda, mesmo que muitos não as percebam.

Tarô de Marselha: A MORTE, O DIABO, A CASA DE DEUS. Na tradição ocultista, A Morte significa o fim de um ciclo, transição, enquanto O Diabo significa obsessão por algo que atrapalha os objetivos maiores na vida das pessoas. Já  A Casa de Deus mostra o desastre, o castigo advindo do erro. É a carta que indica que os erros têm consequências.

Para ver mais textos de Alex Mendes, acesse sua coluna O Poder Que Queremos
Foto de cottonbro no Pexels

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