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O vizinho está bem e em casa.

Foto de uma janela de casa antiga com quatro estátuas de namoradeiras contemplando o movimento da rua. #paracegover

“De vinte em vinte anos aparece no mundo uma nova geração, mas de quarenta em quarenta é que as coisas todas se repetem.” (Zé Rodrix)

Há cerca de 40 anos o mundo foi surpreendido por uma epidemia sem precedentes, que era transmitida principalmente pela via sexual e entre alguns grupos sociais, como a população LGBTQIA+. Era o surgimento da AIDS que vitimava um percentual muito alto das pessoas que contraíam o HIV e que gerou pânico na sociedade e no meio científico pela falta de conhecimento e de formas de combatê-la.

Hoje temos a epidemia de Covid-19, cujo contágio se dá pelas vias respiratórias e contra a qual ainda não dispomos de métodos eficazes de combate e tratamento. Mas um detalhe, em particular, irmana essas duas epidemias: a dificuldade da população em utilizar métodos simples de prevenção. Tanto a camisinha quanto o isolamento social enfrentam grande resistência por parte da sociedade brasileira, colocando em risco o SUS e a vida de milhares de pessoas em todo o País.

Os índices de isolamento vêm caindo dia após dia em todo o Brasil, revelando que a população ainda está menosprezando uma doença que já atingiu milhões e matou centenas de milhares mundo afora e que, entre as pessoas que estão nas ruas, a minoria utiliza máscaras para minimizar o risco de infecção. E os argumentos para não usar preservativos e ficar em casa ou usar máscaras são os mesmos: o desconforto e a sensação de que isso só irá acontecer com o vizinho.

São muitas as semelhanças entre as duas epidemias, além das já citadas. Outra que merece destaque é a falsa ideia de ‘grupos de risco’, ou seja, alguns segmentos sociais correm maior risco de contrair e desenvolver a doença do que outros. Não se discute que pessoas idosas ou com comorbidades estejam mais vulneráveis aos agravos da doença, mas esse conceito foi estendido para a prevenção com frases como ‘se você é idoso, fique em casa’, popularizando-se através de memes como ‘se você assistiu à série National Kid ou teve conta no Banco Nacional fique em casa’.

Se no final do século passado o HIV/AIDS desencadeou uma verdadeira perseguição à população LGBTQIA+ por parte de conservadores, religiosos e outros hipócritas, agora com ‘fundamentação científica’ para justificar seu ódio, por outro lado deu a falsa impressão aos ‘homens e mulheres de bem’ de que eles estariam imunes à ‘peste gay’. O tempo e os boletins epidemiológicos não tardaram em mostrar o equívoco que estava sendo cometido, com o aumento do número de casos entre heterossexuais, forçando a ciência e os governos a repensarem o tal conceito. Hoje esse conceito foi atualizado como ‘situações de vulnerabilidade’, afinal, não é a orientação sexual ou a idade da pessoa que a coloca em risco, mas o seu comportamento, onde aquele que pensa que isso só acontece com o vizinho encontra-se em maior risco de infecção.

Claro que boa parte das pessoas que rejeitam a ideia de isolamento social é influenciada por um presidente que considera a Covid-19 uma gripezinha e continua a aparecer em multidões limpando seu catarro com a mão e cumprimentando populares, passando a ideia de que não é tão grave quanto a oposição política apregoa. E a ignorância que impera em nosso País, ao ponto de 11 milhões de pessoas acreditarem que a Terra é plana, é um terreno fértil para que esse tipo de atitude seja replicada, convenientemente os liberando do desconforto e da sensação de imunidade.

Que os deuses da ciência e do conhecimento nos protejam e iluminem a mente do povo brasileiro, para que a mortandade que enfrentamos hoje não se transforme em uma catástrofe humanitária capitaneada por um vírus no sistema respiratório e um verme no sistema político.

Para ver mais textos de Beto Volpe, confira sua coluna Carga Viral

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