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O pássaro canta ao Pé da Laranjeira, a Mulher e um vírus chamado HIV.

Na fotos tem três mulheres iluminadas pelo sol e conversando entre si aos risos, mostrando a força feminina como as mulheres que vivem com hiv citadas no texto. #pracegover

O dia amanheceu e, no extremo da cidade um pássaro canta no Pé da Laranjeira, insistindo em chamar atenção para seu nobre canto.  Ao lado da Laranjeira frondosa, num quarto verde desgastado pelo tempo, Amarílis dança e também canta seu canto de alegria de jovem. Ao pé da entrada do quarto, seu médico arregala os olhos e pensamentos refletindo e perguntando para si mesmo, de onde vem esta força que faz Amarílis dançar em cima de um corpo tomado e adoecido pelo vírus HIV. E a alegria da nossa flor contagia toda enfermaria…  

Na outra ponta da cidade, naquela mesma manhã, Gardênia prepara o café da manhã para sua família, pois mãe é a primeira a acordar e a última a dormir. De café tomado, as crianças vão para escola e, ela segue seu compromisso de acompanhar o marido ao médico, pois ele estava sofrendo de dores no olho esquerdo. Ao adentrar o hospital, passou por aquele corredor que apontava a presença de doentes de uma doença que lhe causava medo, mas não se intimidou porque estava afobada para saber dos resultados dos exames do marido. O médico, atendeu Gardênia e seu marido, numa atmosfera verde degastado, que combinada com a pintura do ambulatório. Na palavra miúda e direta, o médico falou de todos os resultados negativos, mas um somente dera positivo e, justamente era aquele que causava aquela doença dos doentes que ela acabava ver…

No entardecer ensolarado, daquele mesmo dia, no centro da cidade, Violeta dava à luz ao seu lindo menino, gordinho e com as bochechas salientes e cheias de saúde. A mãe, vive um misto de alegria e apreensão, pois o medo da transmissão vertical do HIV se fez presente em toda gestação, mas naquele momento, ele toma uma nova dimensão, porque toda sua história e medos passava pelo seu coração. A criança deu um novo significado para a vida de Violeta, pois depois do falecimento de seu pai, também em decorrência da AIDS, ela se esquivava da sua existência, num viver sem viver, à vitalidade da força de sua adolescência.

“A mulher tem na face dois brilhantes,
Condutores fiéis do seu destino,
Quem não ama o sorriso feminino,
Desconhece a poesia de Cervantes”1.                     

Acredito que Cervantes, nosso poeta madrilenho, se tivesse a oportunidade de conhecer Amarílis, Gardênia e Violeta refletiria em versos e muita prosa na penumbra dos seus pensamentos:

— De onde vem a força que faz Amarílis resistir a morte do seu corpo entregue aos seus 30 quilos?

— De onde vem a força que faz Violeta, silenciar em si, diante da sua dor, raiva e medo para cuidar do marido e da família?

— De onde vem a força que faz Violeta, redirecionar a sua vida, tão incerta, diante do fruto do vosso ventre?   

Caro Cervantes, lhe escrevo em baixo e finito silêncio, ao som de Bach, que essas mulheres me fizeram perceber que existe algo a mais no universo feminino, que foge ao entendimento do nosso mundo masculino. Sem entrar em méritos existenciais acerca da discussão de gêneros e a da sua representação em nossa sociedade, penso que temos na mulher, um arsenal de liberdade que traduz a força que move o universo. 

A mulher que carrega no seu corpo e alma, tantas belezas e marcas não tão belas como o HIV, sempre me causaram admiração e pensamentos sobre a origem desta força.

Para muitos(as) a força da mulher vem de Deus; outros(a), acham que vem da alma feminina; outros(a), da criação repressora, sexista, machista ao qual são sujeitas e; outro(as), reafirmam que a força vem daquela essência feminina, presente na mulher, que tanto inconscientemente, ameaça o poder do falo.

Um dia,  Gilberto Dimenstein escreveu na sua coluna, no Jornal Folha de São Paulo, um texto que fazia menção ao que estamos conversando agora, enfatizando as diferenças entre homem e mulher e, num dado momento, ele coloca: a mulher tem algo maravilhoso que é a dimensão da vida e, nós pobres homens, temos somente a dimensão da morte. Por isso, ele justificava a quase inexistência de mulheres acusadas de assassinato, por exemplo, em comparação com os homens.

Então, se Dimenstein estivesse certo, está na força ancestral da manutenção da vida, que faz com que nossas mulheres, que lidam com tantas coisas na sua existência, conseguem resistir a tudo e a todos, pois tem algo maior em sua essência, do que um vírus. 

A vida é mais plena, afetuosa e resistente, porque és uma concepção do feminino tão vibrante em nossas mães, esposas, irmãs, avós, amigas, primas, namoradas, amantes e todas as mais variadas representações da mulher.

Eu me tornei um homem melhor, porque tive a honra de conhecer e viver ao lado de mulheres como Amarílis, Gardênia e Violeta, que me apresentaram uma vida mais justa, digna e com outras dimensões e cores, que meu olhar obtuso masculino não me deixava perceber.

Oxalá, que dera todo homem ter uma mulher para conversar sobre suas vitórias, mas também para confessar seus medos, fraquezas e dúvidas. Que bom seria, a nossa vida com à harmonia da presença do feminino, masculino e de outras dimensões de gênero, pois o mundo seria melhor para mim e você. 

Parafraseando algumas religiões orientais: o feminino que vive em mim, abençoa o feminino que vive em você.

Por Jean Carlos de Oliveira Dantas
para a coluna De Profundis

Imagem de StockSnap por Pixabay

Obs: foram usados nomes fictícios para preservar a identidade das mulheres citadas no texto.

1 – Música: “Mulher Nova, Bonita e Carinhosa Faz o Homem Gemer sem Sentir Dor”, composta por Zé Ramalho, gravada pela cantora Amelinha (ouça no Spotify).       

17 respostas

  1. Parabéns Sandra paiva pela homenagem a esse grupo maravilhoso que vc criou, onde lá me encontrei fiz amigos, a força que vc me deu nos piores momentos da minha vida, até causado por outros grupos, mas hoje tudo está na paz de Deus, porque todos os dias eu aprendo muito com vc e todos

  2. Lindo e comovente texto, todas tem nome de flores, a força da Amarilis que sai da terra, o perfume de Gardenia, a suavidade da Violeta, as 3 mulheres se tornam uma com a força que emanam das Mulheres que passam por todas as dificuldades e segue se dedicando aos que estão ao seu lado, forças que só as mulheres tem que é difícil de compreender da onde vem somos guerreiras , bravas, alegres loucas ,por mais difícil que seja a vida amamos viver e celebrar a cada dia

  3. Lindo texto, 3 mulheres com nome de flores, são na alma, mais mulheres fortes vibrantes guerreiras, sempre pensando nem primeiro plano nos que estão a sua volta, como Amarilis vem da terra, Gardenia com seu perfume, Violeta, com suavidade,,iguais estas Divas temos muitas mulheres no guetos nas favelas, que não tem tempo para chorar mais para sorrir e plena.

  4. Jean vou compartilhar com um grupo que tenho de PVHA’s e pessoas convivendo. LEMBREI-ME agora que eu tenho está mania de nomear as meninas do grupo com nome de flor! Nós MVHA: Mulheres Vivendo com HIV/AIDS, somos mais resistentes as interperes da vida.
    Muitas de nós, colhemos efeitos colaterais pesados, já que as TARV’s foram desenvolvidas ,sem levar em conta nossas singularidades . Vou compartilhar no Grupo, ” Sorrindo pra Vida”

  5. Que texto sensível, lindo que leva o leitor à refletir dentro de uma linguagem poética! Parabéns Jean! Você é muito especial!

  6. Que texto maravilhoso. Uma representação icônica do quanto é maravilhoso ser mulher ❣️Me sinto representada!!! Podemos concluir que cada vida escreve uma história a cada dia!!!

  7. Que texto maravilhoso. Uma representação icônica do quanto é maravilhoso ser mulher ❣️Me sinto representada!!!

    1. Lindo texto, sensível como você!
      Jean, sabe o quanto te admiro, respeito e amo. Não esqueci do seu requeijão não viu! Deixa a poeira baixar que a caipira aqui ,vai te fazer uma visita. ao urbano aí. AbraSUS!

      1. Maravilhoso querido! Parabéns por sua fiel percepção e sensibilidade diante dessas vivências. Agradeço à Olorun à oportunidade de ter lhe conhecido. Gratidão.

  8. Parabens Jean
    Mocambique e os Mocambicanos que te conhecem sempre terao orgulho de t da causa que sempre abracou atraves do CRT. forca

    Do jeito que gosta de ler, era sem tempo.
    abraco.

  9. Sem palavras Amigo como sempre te Admirei você como ser humano Inteligente mas um coração ❤️ muito Generoso e sempre pensando no Próximo e Verdadeiro você é um ser Humano cheio de Luz ✨✨ Paz nem

  10. Jean,
    Narrativa sensível que coloca o leitor em reflexão, com suavidade.
    Fica registrado aqui um convite: escreva o seu livro.
    Um super abraço!

    1. Jean, sua sensiibilidade sempre me emocionou, mas vê-la se derramando assim me faz chorar e lembrar tanta coisa que já passou e ainda se faz presente… Que imensa vontade de estar sentada no chão, ao pé daquela laranjeira, fechar os olhos, sentir seu perfume e me deixar levar pelos pensametos e é sentimentos q enchem o coração. Obrigada, amigo, por tudo o q vc é!

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