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O gay da escola

menino escola

O gay da escola não era chamado gay. Era chamado viado, bicha. Baitola não era chamado. E nem era o único gay da escola. Era o visível, o que tinha visibilidade de gay. Era o gay oficial da escola. Servia de monumento, de signo.

O gay da escola sofria ameaças, humilhações. Não sofria bullying, porque isso não era como se conceituavam os abusos ao que o quatro olhos sofria, o grandão e gordão sofriam, e o magro em excesso. Enfim, todos que fugiam aos padrões de beleza e ou comportamento.

Quantos gays no armário tinha a escola? Quantos chamados entendidos, discretos? Quantos bissexuais havia na escola?

Não me lembro do nome de batismo do gay da escola.

Certamente, havia meninas gays também. Lésbicas, bissexuais também. A escola era uma escola católica, mas mesmo que não fosse nos anos 70/80, LGBTQI+ não era um conceito que circulasse em sociedade, nem sequer havia sido cunhado.

No final dos ano 70, eu comecei a sair à noite, com primos mais velhos, com amigos mais velhos. Meu círculo social ampliou-se. A variedade de pessoas com quem passei a conviver, ou a ver ao menos, ampliou-se. Eu ia a cineclubes, a teatros, a cinemas.

Já no início dos anos 80, comecei a estudar teatro e a ir à Rua Marquês de Itu, onde uma multidão ficava nas calçadas em frente aos bares e em frente à boate Homo Sapiens. Eu tinha um roteiro às sextas e aos sábados. Invariavelmente ia ao teatro ou ao cinema, ia jantar e ia ao Bixiga pra conversar, ver os amigos, beber, fumar um na rua e paquerar.

Quase no final da noite, já me encaminhando para pegar o ônibus elétrico da madrugada, uma espécie de corujão, na Avenida Cásper Líbero, eu e um primo parávamos na Marquês de Itu.

Dessa rua e dessas idas lá tenho algumas histórias. Não as mencionarei por motivos de recorte de memória e de propósito desta crônica.

Uma noite, Marquês de Itu abarrotada, som de rádio de todos os bares e gays, lésbicas e travestis se divertindo, dou de cara com o gay da escola. Eu devo ter feito, na escola, certamente, alguma brincadeira (que não era brincadeira) estúpida com ele. Todos os meninos faziam. Não sei se as meninas também faziam.

Eu já havia ido à Marquês de Itu inúmeras vezes tendo saído de lá acompanhado inclusive, assim como de boates com as da Rua Augusta ou da Rua Rui Barbosa.

Eu nunca tinha visto o gay da escola em lugar algum, exceto na escola. Ele não sabia que eu frequentava a Marquês de Itu. Ele não sabia nada de mim, muito menos que eu era bissexual. Eu sabia apenas que ele era o gay da escola. E se repito gay da escola é para marcar essa denominação escrota, preconceituosa, tacanha, burguesa, reacionária que quero justamente denunciar nesta crônica.

Foi uma surpresa para o menino (o gay da escola) ter me visto na Marquês de Itu. Para mim foi também em certa medida.

Ele disse:

– Você por aqui? Você aqui?

Eu sorri. Penso que sem graça, sem jeito, mas sorri pro menino, que por sinal era bonito.

Não fiquei surpreso por me encontrar com ele ali, mas por ele ter me visto ali. Uma espécie de exposição se formava. Muito maior do que a exposição a qual me submeto aqui nesta crônica.

Se minha memória não me trai ou se não invento memória eu teria dito ao menino:

– Você não era o único na escola.

 

Foto de Oleksandr Pidvalnyi em Pexels

Uma resposta

  1. Muitas vezes as pessoas criam estereótipos que não passam de uma forma de externar a querencia! Quando o aluno de outra turma vinha conversar comigo na “hora do recreio” longe de pensar em atração. Mas quando me fez cunete que percebi o que em mim despertava atração nele e o quanto a gente queria se “completar” sem ter dito nada! No meu caso fiz jus a timidez que eu tinha na época o “ficar na minha”!

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