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O autocuidado deve ser estendido para o mundo pós-pandemia 

O autocuidado. Ilustração de Priscila Barbosa onde uma mulher cuida de outra mulher que é sua imagem

A busca pela palavra autocuidado aumentou significativamente no Google durante o isolamento social, necessário para conter o novo coronavírus. No Instagram por exemplo, a hashtag autocuidado atingiu a marca de 1 milhão de fotos – a maioria delas faz referência a dietas, malhação, ioga e produtos cosméticos. 

O tempo livre fez com que as pessoas também consumissem mais notícias, procurando informações sobre como se prevenir do vírus, como a pandemia afetará a economia em nível local e global entre outras preocupações, esse excesso de informações tristes, na maioria das vezes, pode levar a um esgotamento que afete a saúde psíquica. Nesse sentido, também há um crescimento da demanda por formas de manter a saúde emocional, que por sua vez, se relaciona com a questão de cuidarmos melhor de nós mesmos.  

Não é à toa, que assuntos relacionados à conscientização e saúde mental no YouTube aumentaram. Frente a essa necessidade, o canal oficial do YouTube tem ofertado diversos vídeos com a temática do autocuidado, o Fique em casa #comigo, fruto da parceria com alguns criadores de conteúdo, disponibiliza vídeos que vão do crochê aos exercícios para fazer em casa até dicas de autocuidado.

O autocuidado vem se popularizando no Brasil, contudo, não surgiu com a pandemia de coronavírus. Ele está relacionado com a ideia de se ter um estilo de vida saudável, essa concepção de saúde enquanto forma de obter bem-estar nas últimas décadas, está associada com a imposição de políticas públicas neoliberais no mundo, onde se busca transferir a responsabilidade pela saúde para os indivíduos a fim de desonerar os Estados. 

A busca pelo bem-estar, proporcionado pela ‘vida saudável’, tem se mostrado um negócio lucrativo, segundo o relatório publicado em novembro de 2018 pela empresa de big data e análise preditiva IRI, só nos EUA, a indústria de autocuidado movimentou US$ 450 bilhões. Mas será que autocuidado se reduz a hábitos saudáveis, um corpo esculpido e rostos sem linhas de expressão, alcançados pelo uso de produtos de skin care?

Eu diria que não. A concepção de saúde expressa pela aparência é excludente, haja vista que grande parte dos trabalhadores não dispõem de tempo e recursos financeiros para investir em exercícios físicos e uma alimentação adequada, por exemplo. Além disso, a maneira superficial de relacionar o autocuidado com produtos como banhos de espuma, apetrechos para massagem, produtos de skin care, entre outros, reduz à faceta do consumo um ato que é, em sua essência político, sobretudo para as mulheres. 

Mulheres não foram educadas para o autocuidado, cuidar é uma ação que devemos aplicar aos outros. As mulheres cuidam dos filhos, dos doentes, e ocupam, majoritariamente, as profissões atreladas ao cuidado, como professoras, assistentes sociais, enfermeiras… nos acolher e cuidar do nosso bem-estar fica em segundo plano, se sobrar tempo. 

O conceito de autocuidado foi criado no seio da militância feminista, as escritoras Jane Barry e Sérvia Jelena Djordjevic fizeram em 2007 uma pesquisa pioneira com ativistas feministas de 5 continentes do mundo sobre ativismo e autocuidado, onde foi perguntado a elas como exercitavam o bem-estar físico e emocional em suas vidas, a conclusão foi de que as ativistas entrevistadas estavam à beira do abismo emocional. Dessa pesquisa nasceu o livro “ Que sentido tem a revolução se não pudermos dançar? ”. Em virtude de uma onda fundamentalista que vêm crescendo em todo o mundo, o ativismo tem se tornado uma tarefa cada vez mais árdua e essas pesquisadoras se debruçam em criar técnicas para tornar esse trabalho menos penoso para as mulheres.

“Cuidar de mim mesma não é autoindulgência, é autopreservação, e isso é um ato político”. Essa frase é revolucionária e urgente, escrita em 1988, pela filósofa caribenha-americana Audre Lorde, no epílogo do seu livro “ A Burst of Light”. 
As mulheres estão na linha de frente da revolução, sobretudo as mais vulnerabilizadas que lutam cotidianamente para sobreviver, num sistema que decide quem pode viver e quem não. Quando as forças sociais, econômicas e culturais se negam a oferecer bem-estar, produzindo desigualdades, o autocuidado permite a elas a proteção que é negada, a autopreservação, como escreveu Lorde.
 
O autocuidado pode ser revolucionário, a luta para se viver melhor e mais saudável, se vista por uma perspectiva que não seja a individualista e elitizada proposta pelo capitalismo, permite a autopercepção do que precisamos através do ato de nos escutarmos e percebermos as nossas necessidades mais genuínas, como buscarmos alternativas para a nossa saúde resgatando sabedorias ancestrais e medicinas tradicionais, por exemplo. O simples hábito de observar os alimentos que consumimos, se trazido para o âmbito coletivo, pode ser o primeiro passo para exigirmos um outro tipo de agricultura, em que não sejam produzidos alimentos que envenenem a nossa saúde. 

Observar todas essas situações que afetam nossas vidas e transformar os nossos hábitos individualmente, na nossa comunidade, até por fim atingir as instituições, pode criar novas estruturas sociais, que nos dê vida, que garantam o nosso futuro, baseadas no bem-estar que não seja apenas obtido nos produtos de self care disponíveis nas prateleiras dos supermercados ou nas farmácias, mas que seja estendido a todos.    

Para ver mais textos de Natália Barbosa, confira sua coluna Desassossegos.
Ilustração: Priscila Barbosa.

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7 respostas

  1. Minha linda. Tudo que a mulher fazer para seu corpo e alma é um.ato.político, porque ser mulher neste mundo é resistência. Texto bom para os homens refletirem com suas mulheres. Bjs

  2. Ah que orgulho! Naty parabéns pelo texto, é de estrema urgência colocarmos em pauta discussões como essa, a saúde é a qualidade de vida e precisamos tornar isso possível.

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