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Nunca mais as coisas serão como antes. Que bom.

Por Michel Furquim

Me propus a escrever este texto há mais de 3 semanas. Pensei “assim que tiver um tempo livre irei escrever”. Este ócio ainda não veio, mas a vontade de produzir algo era maior, por isso redijo alguns pensamentos/divagações aqui.
Se tem algo que tenho refletido nas últimas semanas é sobre o presente e sobre o que ele pode nos oferecer. Sob a iminência de uma contaminação, seja pelo novo coronavírus ou pelo movimento antifascista, o futuro não parece muito promissor e, consequentemente, é um movimento um pouco agradável pensar no amanhã.

Nos últimos 87 dias uma frase se repetiu nas conversas que tive: “quando que tudo vai voltar ao normal?”. Apesar da resposta geralmente ser de modo automático com um “não sei” ou “tomara que logo”, a resposta verdadeira seria “nunca mais”.

Nunca mais voltaremos a “normalidade” que conhecíamos. Andar despreocupadamente sem máscaras que machucam nossas orelhas e nos lembrar que o período cyberpunk chegou. Tocar em maçanetas ou corrimões sem usar o concorrido álcool gel depois. Recusar videochamadas, pois “é melhor falar pessoalmente”. Trabalhar no sofá de casa (no caso de quem tem um trabalho, um sofá e uma casa). Planejar as férias com planos de qual praia do nordeste ir.

Esta sensação de normalidade e da certeza do futuro nunca mais voltará. E isso é ótimo.

Eu sei, parece um pouco sádico ou bolsonarista, mas gostaria de me justificar de que não é um desejo, mas uma constatação. Individual e que pode (deve) ser questionada, mas é certo que a pandemia, a quarentena e o distanciamento social mudou nossas vidas para sempre.

O fim daquele período que imaginávamos ser a normalidade nos obrigou a repensar nossas rotinas, relações e prioridades. Fomos chacoalhados, retorcidos, e forçados a nos deparar com as nossas limitações, físicas, financeiras, cronológicas, tecnológicas e emocionais. E, o pior de tudo – para quem ainda imaginava que individualidades e meritocracias -, que dependemos do coletivo para nos mantermos vivos.

É bem provável que você encontre postagens, stories ou textos que digam que é o momento de ser resiliente. Eu creio que não. Resiliência é um termo que veio da física para designar a capacidade que alguns materiais têm de absorver impacto e retornar à sua forma original. Será que alguém pode passar por este período de pandemia e “confinamento”, e continuar sendo a mesma pessoa? Ou melhor, é sábio ou saudável não repensar suas escolhas, relações e atitudes após tudo isso?

Neste período pandemônico, estamos diante de revoluções. Social, biológica, econômica e política. E este momento é preciso pensar. Repensar. Analisar o presente. Será pouco produtivo pensar no “depois da pandemia”. Se não for o presente a ser tratado, ninguém estará lá no “depois”. Ou quem estiver, é bem provável que não quisesse estar.

Por isso resignificar aquilo que achávamos ser a normalidade se torna algo emergencial. É preciso repensar por que tantas pessoas precisam do auxílio emergencial, para ter o mínimo para viver. Por que há tantos hospitais públicos precarizados e tantos hospitais particulares com fabulosas estruturas? Se profissionais das áreas da saúde são essenciais, por que são terceirizados e não uma prioridade do Estado? Por que tantos professores da rede pública não tem computadores e rede de internet decentes dentro de suas casas?

Confortavelmente, poderemos responder todas estas perguntas com “culpa dos políticos corruptos”. Mas e nós? Será que não temos nenhuma responsabilidade dentro desta engrenagem? Será mesmo que nossa única obrigação é a cada 2 anos em frente a uma urna eletrônica?

São atitudes louváveis aplausos na sacada para agradecer profissionais da saúde ou dar um like naquela postagem de uma ONG que está ajudando os mais vulnerabilizados. Mas será que apenas isso basta? Será que não seria este o momento – neste período em que cinemas estão fechados e não há tantas opções assim de atividades diárias – de repensar nossas escolhas e engajamentos até aqui?

A filósofa e bióloga Donna Haraway diz que “não há soluções fáceis para problemas complexos” e que estamos diante de problemas em escala planetária, que geram morte e um sofrimento indizível. Mas talvez o que esta autora traga que gostaria que pensássemos neste momento é de que precisamos seguir com esses problemas, juntos, como um coletivo. E não imaginar uma maneira futurista que irá resolver os problemas (aqui pode ser uma vacina, ou um político “novo” salvador da pátria). Precisamos abrir mão desse otimismo cínico, de que algo irá acontecer amanhã, ou alguém irá aparecer, e reparar tudo. Somos nós. E apenas nós.

Admitindo que fizemos escolhas equivocadas e que aceitamos um normal que jamais deveria ter se instalado. Novamente: não é fácil, muito menos simples. Mas tenho certeza que é possível. Juntos.

Uma resposta

  1. Bom dia Furquim.
    Vc abrangeu muito bem está sociedade hipocrita.
    Parabéns pelo edital.

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