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Nem tudo são flores, nem tudo são espinhos

Hoje talvez seja o dia em que eu tenha me sentido mais respeitado como professor do que em vinte anos. Foi um momento único, ainda que agridoce. A coordenação e a direção da escola em que eu trabalho me chamaram para uma reunião de alinhamento, repassando algumas questões com estudantes e problemas relatados. Foi ótimo, porque eu pude ser ouvido, fui levado a sério. E no meio de problemas difíceis numa unidade escolar com muitos problemas, o meu era só uma ervazinha daninha crescendo com florzinhas miúdas no meio de espinhos. Para além disso, fui tratado com extrema educação e amizade pelas pessoas ao meu redor. Dirimidas as dúvidas, soluções apresentadas, saí dali aliviado e com o bem-estar causado pela segurança e pelo respeito.

Não parece muito, mas é. Tenho 19 anos de carreira como professor. Já ouvi dezenas de reclamações de estudantes, elas sempre passam pelo mesmo: ora sou muito erudito, ora sou muito coloquial. Uma anedota que eu fiz, um comentário que eles compreenderam mal, uma pá de mentiras, às vezes. Outras tantas, toneladas de preconceito com relação à minha orientação sexual. Em 2015, rolou uma suposta denúncia contra mim, de um estudante que teria sido assediado. Uma vez que eu alarmei com a denúncia e quis tomar providências judiciais, sumiu tudo na escola: a denúncia, o denunciante… Hoje eu tenho umas teorias a respeito, vou até usar isso num conto.

Mas, voltando ao presente. Ser ouvido, ser entendido, entender que há erros a evitar e desvios de rota a se corrigir, sem traumas, choros, angústias é algo maravilhoso. Algo que eu consegui com anos de terapia, com muito esforço pessoal de me compreender e compreender o outro. De certa forma, tem dado certo, é um progresso que eu carrego mesmo depois da alta da terapia, mesmo depois de passar por constrangimentos e problemas sozinho, sem aquela âncora no porto da terapia toda semana. Na verdade, eu nem sempre falava dos problemas que eu estava passando, mas falava com alguém que me ouvia sem julgamento. Isso até eu conseguir parar de me sentir julgado sem necessidade e poder aguentar tudo sozinho.

Mas ainda assim, eu seria mais feliz num mundo sem homofobia, numa escola sem homofobia. O mesmo preconceito que eu passei quando era criança, eu volto a passar como professor, mas com outros rostos e outras violências. Seria maravilhoso se isso não mais existisse. Mas ainda existe. De outras formas. No entanto, alguma coisa mudou.

Imagem de Alexander Grey por Pixabay

Senti no ranço de algumas palavras ditas contra mim, nessa última reunião, o velho preconceito de sempre. Mas agora repetida por bocas sensíveis, que também foram ouvidos sensíveis e delicados, que comunicaram de maneira não violenta coisas do cotidiano escolar sem que elas se tornassem um problema sério. Na verdade nem eram problemas de verdade. Saí dali com soluções. Não foi possível me sentir respeitado como pessoa em todos os lugares da escola, mas foi possível sentir que a equipe já está preparada para esse tipo de compreensão.

Mas quem sabe um dia. Olhando no site da previdência do meu estado, eu trabalhei 19 anos e ainda preciso de outros 19 para aposentar. O cansaço dos dias irá me alcançar num mundo melhor? É o que espero, sinceramente. Quanto ao mais, agradeço à terapia, ao meu ex-terapeuta, pessoa iluminada. Agradeço também às pessoas do local onde eu trabalho. Estou perto deles há mais de cinco anos, é tão bom ver o quanto estamos crescendo juntos. Ainda que os problemas surjam, é maravilhoso passar por isso tudo perto de gente competente e sensível, que não se exercita no preconceito e, acima de tudo, de gente pacífica.

Imagen de Lily DuVeau en Pixabay

Gostaria que todos do meu trabalho pudessem ter passado o momento que eu passei, nem sempre orientações, conversas e alinhamentos em reuniões de trabalho são fáceis. Fica mais fácil ainda quando sabemos ouvir, quando podemos ser ouvidos, quando as verdade é valorizada. Gratidão às mulheres e ao homem que me acolheram hoje dentro de uma sala para me ouvir e me ajudar a solucionar problemas no trabalho. Já disse isso e volto a dizer: há esperança para o gênero humano, precisamos procurá-la dentro de nós.

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

Capa: imagem de Ralph por Pixabay

2 respostas

  1. Como sempre um texto maravilhoso, atual e necessário para a reflexão: um mundo melhor é possivel? Eu até ouso e respondo que é possivel, mas precisamos de mais pessoas como você, sobreviventes, resistentes e que se tornam com o tempo protagonistas de seu próprio destino!

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