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Nem tudo são flores: heterotopias e conflitos na diversidade

heterotopias

Por que não há unidade entre gays, lésbicas, pessoas trans, bissexuais e outros? Qual o motivo de haver entre eles choque de interesses? Descubra o que são heterotopias e como esse conceito explica os espaços de resistência.

Heterotopias

Esse texto é sobre os lugares de resistência gay. Por isso, pode ser um assunto incômodo. Existem espaços onde gays resistem. Há um nome para isso: heterotopias. São espaços de significado múltiplo. Mas vão contra as regras gerais da sociedade. Pode-se usar esses espaços para muitas coisas. Por exemplo: expressar identidades em crise. Conter anormais. Preservar as coisas da ação do tempo. Resistir às forças sociais. Realizar desejos fora do padrão. Tudo isso pode se suceder em estados de exceção.

Esse espaço heterotópico de crise pode ser virtual. Como um grupo de mensagens entre homens. Isso pode acontecer em espaços físicos. Mas a Internet tem suas vantagens. Primeiramente poder se esconder o corpo real. Isso o cobre de segredos, mas também pode mostrá-lo. Ou ainda expô-lo, portanto quebrando regras da moral do mundo físico. O mesmo pode acontecer num clube de fetiche. Mas é mais simples no mundo virtual. Os espaços não hegemônicos proliferam com a modernidade.

Heterotopias de crise e identidades

Dessa forma, chances surgem para os sujeitos. Uma delas é surgir identidades. Pensemos no lado benéfico disso. Não somos gays porque queremos. Fomos diagnosticados e rotulados assim. Isso sempre escondeu uma diversidade muito grande. Porque hoje há espaços de resistência baseados em escolhas, tudo muda. Gays não são mais como antes. Lésbicas e pessoas trans têm outra importância. Os intersexuais e assexuados se mostram. Portanto, a resistência garante a diversidade. Dessa forma, as heterotopias criam tudo. E a liberdade pode surgir daí.

Por exemplo, gays podem ser bears. Podem ser afeminados. É normal desejar o casamento. Ou então buscar uma vida livre. E isso tudo só é possível porque no passado era diferente. Naquela época, grupos lutaram por suas heterotopias. Como na Rebelião de Stonewall. Os rebeldes entraram em guerra com a polícia. O objetivo era proteger ao único espaço onde podiam resistir.

Encontrar um espaço que nos caiba não é fácil. Por exemplo, sempre estive em conflito com a identidade bear. Porque eu me sentia deslocado. A imagem magra e branca de beleza me incomodava. Mas também uma imagem branca e gorda. Achei conforto e desconforto em corpos iguais. Assim, descobri um mundo de conflitos.

Conflitos entre espaços próximos

Havia gays brancos cometendo racismo. Ou machismo contra afeminados ou trans. Descobrir bears assim foi uma decepção. Mas depois eu entendi que não era conduta bear. Era gay. Isso é por causa de privilégios. Passaram de oprimidos para opressores.

Assim, gays brancos podem oprimir negros, gordos, trans, afeminados. Geralmente ricos oprimem pobres. Há uma ordem nisso. Porque ela vem das desigualdades sociais. E as elas estão dentro e fora das heterotopias.

Descobri que muitos gays acusam de homofobia quem os critica. Como forma de manter seus privilégios. Continuar ofendendo os fracos. E isso tudo não foi algo que li, porque aconteceu comigo. Eu fui acusado de homofobia por um gay padrão. Eu disse que ter nojo de vagina é misoginia. E transfobia, até. Ele se ofendeu. E quis dizer que eu fazia isso para ficar acusando outros gays. Isso é homofobia, na cabeça dele. Expor gay opressor é homofobia, agora.

Já outro gay tentou me obrigar a entender seu ponto de vista. À força. Fui vítima de ‘gaysplaining’. Criei esse neologismo para explicar esse abuso. É um novo modo ‘mansplaining’ adaptado à realidade LGBTQIAP+. É quando gays privilegiados vêm nos explicar como devemos ser. Portanto, isso é um problema enorme à causa. Porque claramente há uma subclasse gay silenciada. E gays silenciadores. Portanto, gays querem que vivamos sob os ditames de seus privilégios.

LGBTQIAP+: espaços não hegemônicos sem estratégias

Isso implode as nossas heterotopias de crise. Destrói nossos focos de resistência. E porque isso acontece? A nossa existência perturba o espaço ilusório das fantasias desses gays. Não servimos para seu desejo. Por isso não podemos existir. Os espaços utópicos são incertos. Não se realizam porque são ideais. Em vez de serem práticos e possíveis. Já os espaços heterotópicos são reais. Precisam de localização geográfica. Ou mesmo virtual. Possuem regras. Violam as regras hegemônicas. Isso possibilita a existência de vivências de exceção. Portanto, isso possibilita vidas à parte de um sistema opressor.

Por isso é problemático um espaço colidir com outro. Gays não são isolados. Convivem com lésbicas, bissexuais, pessoas trans. O problema é que gays ignoram seus iguais. Espaços dos gays colidem com espaços colaterais. Lésbicas e pessoas trans reclamam muito disso. Mas nem sempre os gays ouvem.

Enfim, se não ficou claro, pergunte nos comentários que eu explico.

Esse é meu último texto de 2020. Espero que um ano cheio de imunidade ao Coronavírus chegue para todos. Assim, teremos tempo. Poderemos organizar espaços heterotópicos. E com isso lidar com as demandas por paz, amor e tolerância.

Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos

2 respostas

  1. Como dizem os misticos: a pessoa só será amada e valorizada, pelos outros, se antes se amar e se valorizar! Numa ocasião, não sei se por fazer meu trajeto em que passava em frente ao bar, “conhecido” como dos “cornos”, um dos frequentadores, me paquerava, até que sugeriu levar minhas compras, onde me deu certo receio, mas conversamos e tratamos justamente dessa questão: dos rotulos, onde ele disse que no bar homens que bebem pouco, conversam mais ou assistem o que a TV esteja passando, são considerados gays ou estão em bar porque a esposa possa estar “com Ricardão”! Acabamos transando e disse a ele, justamente dessa rotulagem que muitos maridos ouvem de serem traidos, mas pelo momento que tivemos, maroto disse a ele, que não acreditava! Ele foi um exemplo – exceção – dos homens com quem já transei, em que era com amigo ou colega! Chegamos a vir a ter como um romance!

    1. Esse texto é sobre espaços de convivência de identidades em crise, as heterotopias, um conceito geográfico derivado dos estudos genealógicos do filósofo francês Michel Foucault, que morreu em 1984. De fato ele tematiza outro tipo de bar: o bar gay, a boate gay, a sauna, o parque de cruising, lugares em que ninguém precisa se esconder por detrás de um comportamento socialmente ajustado. Porque trata de espaços de desajuste e desalinhamento com o resto da sociedade.

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