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Nasci e escolhi ser gay!

foto de um rosto em close nos olhos mostrando a pintura nas cores da bandeira gay. Foto de Sharon McCutcheon no Pexels

A década de 1960 trouxe a liberdade sexual, como também a revisão, cada vez mais frequente, do status quo. Foucault aponta que, a sexualidade nesse período não vai ser apenas uma política que reivindica a liberdade dos corpos, mas também a constituir uma identidade. É quando emerge a palavra Gay e Lésbica como identidades de empoderamento.

Nesse período, sobretudo após o levante de Stonewall Inn (Nova York, 1969), a comunidade Gay e Lésbica não apenas militava, mas de certo modo pedia aos seus militantes um posicionamento, isso é: saí do armário e assuma sua identidade. Tanto que militantes não o faziam eram mal vistos, já que antes de mais nada era preciso se orgulhar de quem se era.

A construção de uma epistemologia gay/lésbica também fez com que o discurso identitário se tornasse pano de fundo nas reivindicações, aliado a estudos mais progressistas de antropólogos, historiadores, psicólogos e sociólogos de que as sexualidades não-heterocisgênero sempre existiram, e que, portanto, eram tão naturais quanto a heterossexualidade e cisgeneridade.

Todo esse cenário colaborou para a ideia de que ninguém se torna nada, isso é gay ou lésbica (ou como hoje chamamos LGBTQIA+), mas que se nasce. Claro que isso é uma explicação justificável por várias razões científicas, contudo, mas precisa ser revisada o tempo todo, sobretudo, quando ela começa a se tornar caixinhas e guetos dos desejos alheios.

Com os estudos mais recentes sobre gênero e teoria queer, estamos rompendo com o binarismo hetero-homo e cis-trans e estamos nos permitindo olhar a nossa paleta de cores-desejos de forma caleidoscópica.

Se ontem ser gay ou lésbica era a identidade de alguém, hoje os LGBTQIA+ percebem seu gênero e sua sexualidade como uma, das muitas, características que compõe a identidade de alguém. Assim sendo, entender a sexualidade e o gênero hoje perpassa muito mais por uma ideia que complementa um todo, do que um recorte que universaliza esse todo. Ainda mais quando colocamos outros demarcadores sociais como: étnicos e econômicos nesta soma.

A sexualidade e o gênero não é algo que habita a essência de nada, não é “um que” único que explique a causa ou a origem. As pesquisas mais recentes da área apontam que a identidade de gênero e a orientação sexual de alguém é multifatorial, complexa e que apresenta elementos tanto biológicos, ontológicos e sociais.

Dizer que alguém “nasce isso ou aquilo” é como encurtar o caminho do entendimento. Nascer significa que você sempre foi e será, nunca um devir. Por mais lgbtfóbica que uma sociedade seja (como é a nossa!), dizer que alguém nasce LGBT é uma maneira encurtada para desconstruir preconceitos. E isso é muito bom por um lado, e pode ainda ser muito castrador e limitante por outro.

Os estudos e políticas de reivindicações sexuais é um campo que está sempre produzindo neologismos para explicar essa ou aquela experiência, para dizer que uma pessoa é isso ou aquilo, e que, portanto, ela não escolhe nada. Ao dizer que o sujeito não escolhe, mas nasce estamos deliberadamente castrando um vir-a-ser e criando outros caminhos para se marginalizar. Tanto que no início do movimento gay/lésbico, os bissexuais eram considerados uma não identidade, exatamente por sua ambiguidade do desejo, que para os militantes era “estar em cima do muro”, já que a sexualidade humana era entendida de maneira binária, cuja identidade deveria ser única, imutável e com selo de fábrica.

Uma vez li um artigo sobre um suposto gene gay, que possibilitaria geneticistas saberem se o feto poderia ser hetero ou homo. Fiquei pensando a quem e a que o gene gay serviria, a comunidade LGBTQIA+ que sempre bradou sua identidade inata? Ou serviria para lgbtfóbicos na produção de fetos não gays, pois se pode até escolher a cor dos olhos de uma criança, logo uma sociedade terrivelmente lgbtfóbica iria escolher que a criança não nascesse gay, lésbica, etc. Não é mesmo?

Partindo desses pressupostos, levantados até aqui, vamos pensar na frase clássica usada como estratégia de empatia quando dizemos em nossa comunidade “você acha que eu escolheria ser LGBT e passar tanto sofrimento?”. De cera forma essa é uma frase justa, já que ninguém em sã consciência escolheria marginalizar-se e correr o risco de morrer por ser simplesmente quem se é. Entretanto, a comunidade LGBT conhece inúmeros casos (bem próximos aliás) de homossexuais ou bissexuais que vivem uma heterossexualidade social (casam-se, tem filhos e vivem uma vida dupla) e discretamente gozam seu desejo e se sentem muito bem à vontade com isso.

Essas existências que incomodam muitos militantes LGBTQIA+ que colocam a cara para bater, coloca em xeque a ideia de que a sexualidade é tão somente inata, mas que passa também pelo campo do negociável. Embora as experiências desses sujeitos – no que tange ao exercício da sexualidade – sejam as mesmas que de LGBT assumidos, isso não os torna LGBTQIA+ de fato, já que há um fator político na jogada.

Isso não prova que há uma identidade que nos une, mas que ambos os sujeitos comungam de uma sociedade extremamente castradora quanto as sexualidades não-heterocisgêneras, e que cada um escolheu um viés para viver sua experiência. Nesta sociedade o sujeito discreto escolhe jogar o jogo deles enquanto goza às escuras, enquanto nós LGBTQIA+ que colocamos a cara para bater escolhemos não jogar o jogo e gozar às claras.

E ainda, seguindo essa lógica que tipo de sociedade seríamos se a diversidade sexual e de gênero fosse exaltada como expressão e parte da identidade de alguém, será que nos identificaríamos tanto assim com nomes e subgrupos? Será que um homem cisgênero e que pensou no início ser heterossexual não poderia simplesmente transitar – com plena aceitação e naturalidade – para o campo das experiências homoafetivas? Isso o tornaria gay? Talvez sim, talvez não.

Se retirarmos, a longo prazo, os fatores: preconceito, tabu, marginalização, machismo etc., que ainda assombram a sexualidade humana e lotam os consultórios psicoterápicos, será que ser LGBT não seria uma escolha feliz, consciente e possível? Será que precisa ser sempre uma condição?

Bom, mesmo que ainda demore a existir essa sociedade, continuarei dizendo: eu nasci gay, certamente que sim, mas escolheria ser gay também!

Por Sérgio Lourenço
para sua coluna Queer-se.

2 respostas

  1. Numa ocasião ouvi que os homens estavam se entrosando/relacionando: hetero ou não! Ai eu disse que Sexualidade e Gênero Não são inerentes e sempre menciono os Anos Dourados (Década de 60): no mesmo dia o homem ou a mulher tinham transa hetera e homo, sem a atual “preocupação” até que “altura” da relação com mesmo gênero fica mantido o “ser hetero”! Até já houve quem me dissesse que como havíamos transado, já estava “satisfeito” (não transaria “em casa”)!

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