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Nascer no sertão: lembrança de um nascimento.

sertão

É noite derradeira do dia de ano,
Na casa,
Bota-se mulher idosa a rezar para aliviar a dor da mulher nova,
Que vai dar à luz.
Do soluço da mãe,
Tenho a fé da dignidade do rebento.
Açucena,
Mulher de conhecimento sagrado e profano,
Prepara os panos e a ladainha para Maria sorrir.
Dos homens,
Se espera tudo: o fumo, a cachaça e o rumo das caçadas.
Nos olhos de José,
Pai, daquele que iria chegar naquele mundo seco,
Prenunciava, as longas horas de uma noite enluarada.
O cuscuz com leite quentinho, o café coado no pano desenhado pela avó Santana,
Alimentos nortistas para todas as horas.
O sabiá cantou assustado lá de fora, no Pé da Ingazeira e,
Cá dentro, escutava a reza:
“A São Benedito, o cuidador do menino Jesus, traga para nós, o menino dessa alma caridosa, com saúde e sem dor, pois tua palavra é força e amor”, rezava Açucena, suada e só.
Do clarão da noite no sertão,
Que és,
Ser tão, sertão, nascia João, filho do desejo da vida e do destino.
Menino novo,
Nascido no sertão árido,
Traz amor para mãe e orgulho para o pai, pois,
Um varão nasceu.
Da gestante,
O consolo das orações e o descanso da peleja, que repousa ao seu lado à luz de lampião.
A parteira,
Limpou a mulher,
Arrumou o filho,
Agradeceu as rezadeiras e,
Recebeu do compadre, o quinhão pelo seu feito.
Açucena, no caminho de casa,
Na trilha do milho seco,
Avistou um Pé de Jurema Preta,
Onde ali,
De posse dos panos do parto,
Enterrou o umbigo e a placenta que protegia o menino, que acabara de nascer…
E o menino se fez homem.

Por Jean Carlos de Oliveira Dantas
para a coluna De Profundis

14 respostas

  1. Que coisa linda… quem já foi ao sertão consegue fazer frente aos olhos a gestalt das palavras utilizadas pra descrever a dinâmica desse nascimento. Parabéns.

  2. Lindo migo !!!
    Lembrei de suas crônicas de domingo a noite – sempre esperada por todos nós.
    Lembrei das muitas conversas, muitas memórias e infinitas divagações.
    Saudades gostosa de uma amizade eterna.
    Muita saudade.
    Lindo migo !!!

  3. Adorei.
    Profundo e real.
    Dá para acompanhar o momento e visualizar a cena,inclusive o enterro do umbigo e placenta Até o suor se sente.

  4. Belo texto, Jean. Parabéns!
    Estava lendo e viajando. Imaginando um roteiro para uma peça. Por que não?

  5. Parabéns Jean. A realidade sofrida, esconde uma simplicidade bonita. No final, tudo deu certo.

    1. Jean…lindo demais! Emociona, levou a uma viagem a lugares outros, distantes mas tão perto.
      Gde beijo

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