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Meu corpo, seus problemas.

Não é de hoje que um leque considerável de homens e mulheres sofrem por não terem as “medidas ideais” para seu peso, forma e altura. Não é diferente dentro da comunidade ursina. Vejam só: existe o tipo ideal de gordo e “com tudo em cima”. Até mesmo dentre aqueles que apreciam corpos volumosos existem as curvas certas como padrões de medida, peso e beleza. Por que a gordofobia se multiplica de forma tão virulenta em diferentes guetos? E por que o problema é, especificamente, a gordura, na atual sociedade líquida?

É preciso lembrar que saúde tem a ver com a maneira e a qualidade que ingerimos alimentos, bebemos água, praticamos exercícios físicos, garantimos uma boa noite de sono e equilibramos a saúde emocional e psicológica em nosso dia a dia. Não existe relação direta entre saúde e espelhos ou saúde e redes sociais. Ou seja, vários fatores em nosso cotidiano demonstram o quanto estamos ou não cuidando bem de nós mesmos. Mas, com certeza, preocupar-se apenas com a própria imagem (ou pior, com a imagem e o corpo dos outros) não fará ninguém ficar mais esbelto.

O foco tem sido, principalmente dentro da comunidade dos ursos, a gordura, como se ela fosse a única vilã contra a saúde. Primeiramente, isso não é verdade, como veremos em seguida. Em segundo lugar, é intrigante como muitos se preocupam exorbitantemente com o peso e a forma dos outros – ainda mais quando a opinião não foi solicitada. Muitas pessoas relatam estarem focadas em seus afazeres quando, do nada, alguém chega com maravilhosos métodos de emagrecimento. Essa “dica” na verdade é invasiva, pois diz muito sobre o incômodo do outro em relação aos corpos de terceiros.

Muitos adoram olhar ao seu redor para saber se os outros estão vendo seu corpo esguio. Ou seja, a preocupação não é saúde, mas aparência. Para aqueles que tanto desejam atenção ter alguém com o corpo que o incomode, do seu lado, passa a ser visto como nocivo. Reflexão do dia: Quando eu não consigo mudar quem eu sou, tento mudar (ou desagregar) as coisas e as pessoas ao meu redor, para eu me sentir bem. Será que isso é uma boa ideia?

Magreza é sinal de saúde? A medicina tem questionado isso sistematicamente. O falso magro é aquele que está no dito peso ideal, tem pouco massa muscular, ombros e braços finos e possui relação desproporcional entre ombro e cintura. Ou seja, os braços são finos, mas não possuem massa muscular, apenas gordura acumulada. Muitos, nesta condição, sofrem com problemas de pressão alta, colesterol e diabetes. Ou seja, a mera aparência de magreza não tem relação com saúde.

Infelizmente, o problema não se encerra aqui. Na busca pela perfeição, existem doenças que assolam tanto homens como mulheres, como por exemplo a anorexia. Manifestando-se principalmente em adolescentes do sexo feminino, a anorexia está ligada a aspectos psicológicos, fisiológicos e sociais. É um transtorno alimentar relacionado a problemas com a auto imagem, disformia e complexos, assim como também tem relação com a sexualidade ou mesmo com abusos sexuais e ou psicológicos.

A anorexia é visível naqueles que exageram na preocupação com a organização, responsabilidade, interesse pelo valor nutritivo dos alimentos, horas em frente ao espelho, realização de exercícios físicos exaustivos, inclusive, nos momentos de repouso para queimar calorias. Existem registros de jovens que, em decorrência na anorexia, perdem peso de forma perigosa, descalsificando dentes e ossos, possuem pele seca e amarelada, alopecia, bulimia, amenorreia, retardo de crescimento e, em alguns casos, nunca menstruaram.

A indústria da beleza, em suas múltiplas vertentes, tem sido obrigada, ainda que lentamente, a reconhecer os riscos da anorexia. Intelectuais, modelos, atrizes, atletas, cantoras, nutricionistas, gestoras de empresas tem cada vez mais denunciado a exigência doentia de padrões de magreza impossíveis de serem alcançadas por elas.

No universo masculino não é muito diferente. Muitos homens não vão às academias em busca da saúde, mas, em busca de um corpo dito escultural para mostrar publicamente em redes sociais. Não é de hoje as preocupações médicas com a vigorexia. Também conhecida como Transtorno Disfórmico Muscular, a vigorexia revela preocupação excessiva com a forma física, na busca por musculatura definida e hipertrofiada.

Popularmente conhecida como Síndrome de Adônis (deus grego da beleza) é comum em homens entre 18 e 35 anos. Nessa condição, apesar de já possuírem musculatura avantajada, ao olharem para o espelho, veem alguém magro, fraco e oprimido, muitas vezes, pelas ofensas recebidas no passado por causa de seu corpo e peso – assim como a anorexia. Levando em consideração que seu foco é, exclusivamente, esculturar o corpo, é comum essas pessoas se afastarem de famílias, amigos e relacionamentos afetivos. Homens e mulheres passam horas e horas nas academias e a referida empresa não vê isso como um possível problema.

Ou seja, a questão não é saúde. Mas, preocupação excessiva com padrões estéticos a serem vistos e mostrados publicamente. Como diz a música: “Narciso acha feio o que não é espelho”. Na busca frenética por alcançar padrões intangíveis, no desespero de tentar sermos o que não somos (pois muitos não aguentam mais ser quem são), lutamos para mudar a realidade ao nosso redor no intuito de acalantar egos desesperados, criando assim a necessária ilusão da mudança que não ocorreu de fato.

Amar a si mesmo não quer dizer narcisisticamente focar apenas em sua própria imagem. Mas, cuidar de si mesmo, inclusive, a despeito das exigências estéticas exteriores. Fazer exercícios, alimentar-se bem, dormir é muito bom e necessário. Mas, acredito que o que levamos para o outro lado são as boas lembranças de um dia de churrasco carregado de risadas, daquela noite inesquecível acompanhada de um bom vinho e dos cafés com amigos e familiares os quais jamais esqueceremos.

Imagem de Christel SAGNIEZ por Pixabay

2 respostas

  1. Fico felicíssimo de ter um texto tão maravilhoso. Enfrento problemas de saúde relacionados ao aumento de peso que me aconteceu nos últimos vinte anos, mas sofri principalmente uma grande pressão para modificar meu corpo, inclusive a prescrição de cirurgia bariátrica. No entanto, eu sempre resisti a isso, porque eu não conseguia encarar o corpo dos meus amigos que fizeram a bariátrica como um corpo desejável. Ao mesmo tempo em que passei por problemas emocionais que fizeram meu peso aumentar mais ainda. De fato, acabei me tornando diabético e o imperativo do emagrecimento voltou à tona. E eu estava ciente de que o emagrecimento radical seria a solução, até que consultei um médico consciente que disse a mim que era possível manter a saúde e continuar com o corpo que eu quisesse. Eu deveria combater o sedentarismo e a má alimentação, não exatamente estar dentro de parâmetros matemáticos de magreza. Ele disse algo que me tocou profundamente: Talvez você goste de seu corpo como ele está, não há necessidade de mudá-lo, mas de mudar suas atitudes. Lendo seu texto eu percebo que há uma mesmo um economia do uso do corpo cruel. Há um tempo, comprei e li “As Metamorfoses do Gorde” de Lipovetsky. Eu pude compreender o quanto a gordura frustra o sujeito centrado em si, no corpo ideal para a economia do desejo Talvez ele esteja certo. A cultura corporal ao nosso redor impõe sobre corpos desviantes a noção de que seu desvio é sua culpa. Como nunca tive acesso a nada ou ninguém que me fizesse me amar como sou ou valorizar minhas formas, essa culpa só piorou as coisas. Apenas recentemente encontrei pessoas na Internet que eram positivas em relação ao meu corpo, exatamente quando eu passei a me mostrar mais. Não como um exercício de amor próprio, mas como um exercício de desafio a mim mesmo. Ainda não faço parte de uma comunidade Girth and Mirth, mas estou mais que tentado a cuidar da minha saúde do que atacar meu corpo com algo tão agressivo, porque sendo gordo, tenho aceitação e atenção que me satisfazem. Não sei se quero recomeçar nesse caminho do zero. Mas são decisões que tomarei sem a ansiedade da falta de amor próprio. Seu texto só contribuiu para eu pensar mais positivamente em ser feliz como sou do que tentar ser feliz de um modo que ainda não sei como será.

    1. Olá. Seu comentário é um planetário de reflexões e ensinamentos. É importante fazer exercícios, no seu ritmo. Mudanças de hábitos alimentares podem ajudar – perdi peso fazendo isso. Mas, aderir ao culto ao corpo pode não ser o que precisamos. Aceitação e saúde mental é o caminho, acredito. Muito obrigado!

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