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Gordo, Baleia, Saco de Areia

bullying

Antes de começar a minha crônica semanal, gostaria de falar um pouco de como tem sido essa experiência de falar sobre minha vida. Pelo que vocês devem ter notado no texto O preço e o tempo de ser aceito, sou uma pessoa muito emocional e me guio muito pela intuição e pelo que estou sentindo. Isso às vezes ajuda e às vezes não. Mas é quem eu sou, por isso tenho uma vida regrada de dramas pessoais.

Recebi muito apoio e muitas palavras bonitas dos leitores. Alguns já sabiam algumas partes da minha vida e para outros foi como me conhecer melhor. Não estou aqui para dizer o quanto sofri e o quanto sou vítima. Não! Mas espero que esses pequenos trechos sobre os meus 34 aniversários sirva de apoio para quem precise. Deixo os meus contatos nas minhas redes sociais para quem quiser conversar e os comentários para quem queira compartilhar algo pessoal.

No texto desta semana vou rebobinar um pouco mais e voltar para minha adolescência. Acredito que nós, LGBT+, tenha tido nosso infernos individuais entre nossas famílias, amigos e no ambiente escolar.

Hoje em dia a sociedade tem avançado muito na discussão sobre os abusos na escola. Para quem não sabe, o termo bullying é derivado da palavra bully, que, em tradução livre, seria valentão. A termo se tornou popular em meados dos anos 2000 e, pra quem já passou dos trinta, sabe que na nossa infância isso nem era considerado um problema.

Lembro uma vez que no meu antigo trabalho, um editora pequena onde eu coordenava a produção editorial, e estávamos editando um livro sobre o tema. O assunto logo se tornou assunto entre meus colegas. Eis alguém solta: “eu não entendo esse negócio de bullying, na minha época a gente zoava todo mundo e não tinha problemas. Minha vontade era esbravejar: “não tinha problemas por que você era o agressor”, mas fiquei na minha da mesma forma que fazia na escola. Até mesmo por que o agressor poucas vezes se vê nesse papel.

Eu me lembro então do desastroso ano 2000. Estava na oitava série (atual nono ano) e estudava numa escola pública de Guarulhos. Nunca fui afeminado (e não coloco essa palavra como defeito e sim como característica), mas era muito tímido, introvertido, ingênuo e delicado. Com isso eu era chamado de tudo, menos pelo meu nome. Os apelidos variavam entre “CDF”, “gordo baleia saco de areia”, “vesgo”, “quatro-olhos”, “fundo de garrafa”, “peituto”, “tetanic”. Os colegas me diziam que eu “deveria usar sutiã” e que eu tinha mais peito que as meninas e frequentemente me perguntavam “pra que lado você está olhando”.

Eu costumo dizer que na minha sala existia a turma que zoava, a turma que ria e eu. Bom, pelo menos tinha o Cláudio, meu primeiro grande amigo que me ajudou a suportar um pouco daquilo tudo. Seria injusto se não o mencionasse.

Bom, você já deve ter notado que, além de todos os dramas que os adolescente já enfrentam, principalmente nós LGBT+, eu era estrábico e havia desenvolvido ginecomastia. Pra quem não está acostumado com a linguagem eu explico. Estrabismo é o desalinhamento dos olhos e ginecomástia é quando a glândula mamária se desenvolve nos homens, no meu cado foi devido a um distúrbio hormonal.

Aí você que está lendo este texto vem e me diz: “Ah, mas todo mundo sofria bullying, deixa de mimimi”. E eu respondo com um claro e sonoro Não!

Digo não por que não devemos minimizar a humilhação diária de adolescentes que não sabem se defender! Digo humilhação pois era assim que me sentia diariamente Todo dia os meninos e algumas meninas apertavam meus peitos, me diziam para usar sutiã, me davam apelidos, riam em uníssono das minhas características físicas.

Pelo menos duas vezes por semana eu passava mal e tinha que pedir pra minha mãe me buscar. Cheguei ao ponto de tentar desistir de ir para aula. O estresse era muito grande. Beirava o insuportável.

Uma vez me peguei pensando o que eu poderia ter feito se tivesse poderes parecido com a Carrie. O remake de 2013, inclusive, tem uma grande sensibilidade em mostrar o bullying como o grande vilão da história. Carrie teria sido uma grande vítima se não fosse a chacina.

Nas minhas pesquisas pessoais, um dos livros que li sobre o tema foi o “Bullying, mentes perigosas na escola”, da autora Ana Beatriz Barbosa Silva. É um livro que recomendo pois a autora tem uma linguagem mais acessível para o público em geral. No livro, a autora diz o estrago causado pelo abuso pode ser irreversível. Até mesmo por que as pessoas podem desenvolver patologias como síndrome do pânico e fobia social. Uma outra parte pode passar uma vida inteira tentando provar o seu valor.

Dos meus traumas, ainda hoje tenho gatilhos quando alguém tenta fazer brincadeira de “peitinho” comigo. Chego a perder o fôlego. Muita coisa aconteceu de lá para cá. Fiz uma cirurgia plástica em 2001 e fiz a cirurgia de estrabismo em 2003. A partir disso me abri mais socialmente e aprendi a me amar, todo um processo que ainda contarei nesse espaço. Mas mesmo assim, escrever este texto me traz uma certa afobação. Algumas coisas nunca nos abandonam.

Há também um outro problema que o bullying pode acabar trazendo para nossa sociedade: quando as pessoas reproduzem o abuso que sofreram e fazem outras pessoas sofrerem. Eu pessoalmente acredito que a maioria dos LGBT+ sofreram bullying na escola, seja por ser afeminado ou por ser masculina ou por qualquer coisa que foge do padrão heteronormativo. Mas isso não justifica essa “síndrome de Regina George” que existe no meio gay.

Essa coisa de shade pode ser muito engraçado no RuPaul Drag Race, mas, na vida real, se a sua piada custa a humilhação gratuita de outra pessoa ela não tem graça. Não adianta você dizer que a comunidade gay, bear ou qualquer outra tribo LGBT+ é tóxica se você não perde tempo para usar o seu veneno na amiguinha do lado.Garotas, apenas o parem! Isso não era divertido nem quando éramos adolescente. Para que dá tempo!

Bom, espero que esse breve pedaço da minha tenha contribuído para algo significativo. Se quiser compartilhar algum episódio da sua vida na escola te convido a deixar um comentário.

Deixo aqui meu abraço de urso! 🙂

PS: Regina George é personagem do filme Meninas Malvadas (Mean Girls, 2004), interpretada por Rachel McAdams.

Por Dan Barroso
para a coluna C’est La Vie!

9 respostas

  1. Boa Tarde , Dan !
    Hoje você compartilhou a sua superação, ainda carrega alguns traços como sitou quando relembra dos episódios vivido , acredito que sua experiencia possa servir de inspiração para quem esta vivendo ou teve experiencias parecidas, como é meu caso, obrigado por se permitir em compartilhar sua historia de vida…….e abortar esse tema que infelizmente é bem atual e causador de grandes traumas.

    Forte Abraço

  2. Um sonho: a nossa geração e essa que está vindo depois de nós, todos fizermos um esforço coletivo de superar o complexo de Regina George.

  3. Como ocorre com grande parte dos seres humanos, tateou muito buscando se adequar aos padrões e ideais da sociedade, até que optou por tomar um caminho diferente de modo a encontrar, dentro de si , aquilo que fazia seu coração bater. No entanto a vida o estimulou a encontrar seu próprio caminho. E foi no auge do seu desespero, bem quando não via mais futuro, saída ou solução, que conheceu a verdadeira autorização: a coragem de ser quem vc é. Parabéns pela coluna, bjos de luz para um ser de luz própria ❣??

  4. Excelente texto!
    Durante a 1 Temporada de 13 porquês eu me peguei questionando, pq eu não sofri bullyng.
    E descobri que eu era o que pegava no pé.
    É isso me deixou muito triste. E tentei entrar em contato com as pessoas que eu zoei.
    Até hj eu tenho um perfil “brincalhão”, mas hj entendi se a pessoa não rir comigo, não terá graça alguma.

  5. Tô orgulhosa de saber que você conseguiu ter forças para passar por essa fase.
    Como menina aparentemente normal, nunca sofri bullying, não tenho ideia do que se sente na pele. Como não tinha um aspecto masculino, ninguém nem imaginava que eu não era hétera… mas essa época do colegial pra mim foi confusa e solitária porque eu não tinha com quem compartilhar as coisas que eu pensava e sentia.
    Continue postando, adoro ler seus textos, me emocionam muito. ❤️?

  6. Muito bom, um texto que conta sua experiência e pode servir de inspiração para àqueles que estão nessa fase horrível.
    Continue a nos contar sua história.

  7. Você mesmo estrábico, com ginecomastia, sendo tratado com hostilidade por seus colegas de classe e chamado dos piores adjetivos que podem existir, ainda assim te conheci adolescente e eu já adulto, seu mano mais velho rss…
    E posso afirmar que entre a galera SEMPRE te admirei por você ser um amigo lindo por dentro e por fora, pois mesmo tendo passado por tudo isso você sempre foi e será esse meu mano Urso dócil, educado, amoroso e gentil!!!
    E toca o FODA-SE nesse povo que te atormentava, pois hoje tenho certeza de que muitos deles não são tão felizes e sabe por quê?
    Porque NUNCA se deram a oportunidade de conhecerem melhor o grande amigo e ser humano que você é meu irmãozinho!!!
    Abraços!!!

  8. Que triste tudo isso que você passou, pois imagine quantas lembranças positivas poderiam habitar em você hoje de um tempo que marca um grande período de formação para nós!
    Adorei o texto, o relato, e o quanto a nossa comunidade LGBT reproduz pós-escola o seu Bullying. Isto me fez pensar o conceito Freiriano da que diz que o sonho do oprimido é ser opressor, quando a educação não é libertadora. E penso que seu texto é exatamente essa libertação para ti e para aqueles que o leem. Parabéns, seus relatos estão deliciosamente empoderadores.

  9. Dan, adorei este tema que você abordou! Posso estar enganado, mas acho que todos os meninos gay, afeminados ou nem tanto, na escola sofreram algum tipo de bullying. Geralmente estamos falando de garotos gentis, educados e sensíveis que facilmente fazem amizade com as garotas e não se dão bem com os esportes, e por aí em diante. Os meninos adoram atormenta-lós. Eu espernearei isso na pele, algo muito parecido pelo que você passou Dan. Só que não tive a sorte de ter um amigo Cláudio.

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