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Gerônimo e Leandro (microfolhetim em dois capítulos)

Gerônimo recebeu, depois uma espera interminável, um bom dinheiro dos precatórios. O governo lhe devia. Tendo entrado na justiça, ele e mais tantos outros professores concursados, amanhece numa segunda feira com centenas de milhares de reais na conta. Teria vindo em boa hora no ano passado. Ou durante a pandemia, para custear um tratamento contra a covide num num hospital da capital. Teria sido melhor ainda se tivesse saído tipo uns seis meses depois que entrou na justiça. Ajudaria demais a comprar uma casa melhor, depois que seus pais morreram. Mas já se iam quase dez anos e somente agora o dinheiro saía. Ainda faltava uns cinco anos ou mais para aposentar. Gerônimo não estava de férias. O dinheiro foi transferido para uma poupança, depois para um investimento. Tendo deixado alguns milhares na conta, para passar bem o feriado em algum lugar, Gerônimo passou a matutar. O que iria fazer de especial? Estava chegando um daqueles feriados longos, com ponte. Todos sairiam de folga na quinta e só voltariam na terça-feira. Uma oportunidade de dar uma sumidinha.

Sem titubear, Gerônimo liga para seu melhor amigo, Carlinhos:

— E aí, garota, vamos para a praia esse fim de semana? Responde agora que eu estou na frente do computador comprando as passagens… Quero saber se tem dinheiro? Calaboca. Vai sim. Já comprei. Tenha pelo menos cinquenta reais no bolso caso precise pegar um táxi aqui para casa, de resto eu cuido de tudo…

Fechando o site, Gerônimo abre outra aba no navegador e clica no buscador atrás de imagens do Rio de Janeiro. Lugar maravilhoso, pensa Gerônimo, enquanto fica passando os olhos pelas fotos. Fecha. Abre o site de mapas por satélite. Ali está a Barra da Tijuca. Qual dessas seria a avenida do hotel em que fez reserva? Já se via ali na areia, na praia. Fechou tudo. Já era hora de dormir. O feriado era só no final de semana e ainda era segunda-feira. Queria se divertir muito. Havia anos que se devia esse feriado. Estava tudo pronto para ir, menos a mala, que faria horas antes do embarque. Era hora de se preparar para ir para cama.

Ao levantar novamente a tampa do computador, em cima do leito, Gerônimo sente desejo de olhar um videozinho daqueles para maiores, antes de ir dormir. Abre o site e vê um rosto maravilhoso. Um cara moreno pálido, com feições brancas, provavelmente moreno de tanto se bronzear, mas branco: Leandro Potiguar. Um colosso de homem. Corpo musculoso, mas com muita gordura. Havia uma galeria com fotos do cara. Umas eram de há dez anos: um corpo grande e bronzeado ostentava uma musculatura pesada: braços cheios de veias, barriga chapada, virilha magra. Mas pernas colossais como troncos de árvores frondosas. Um rosto sempre com meio sorriso ou ainda sério. Rosto escanhoado, cabelo sempre para cima, cheio de gel ou pomada. Braços largos e fortes. Clicando nos seus últimos vídeos, Gerônimo descobre algo ainda melhor: ele havia ganhado peso. Não era um fisiculturista todo trincado, mas um cara que devia ter vinte quilos a mais que nas primeiras fotos, ostentando um corpo bem esculpido, com volume no abdome e nádegas, mas as mesmas pernas, braços e peitoral. Sua aparência havia mudado, seus dentes pareciam mais amarelos, porque sempre estava fumando cigarros ou charutos nas cenas pornográficas. Seu rosto estava com pés de galinha, uma linha de expressão, quase um bigode chinês denunciavam os quarenta anos daquele corpo. Leandro Potiguar. Acompanhante e ator no Rio de Janeiro, dizia um dos anúncios que Gerônimo viu.

Rio. De. Janeiro. Era para onde Gerônimo iria. Será que ele poderia contratar os serviços do cara? Sem pensar duas vezes, vasculha o site e descobre um número de celular que não mais existia, depois pensa e acha perfis dele nas redes sociais. Qual seria a possibilidade de ele responder a uma mensagem? Não sabia. Olhando para a tela, sem piscar, quase, Gerônimo escreve a mensagem pedindo informações nas duas redes e vai dormir, depois de ver o vídeo e sonhar com aquilo tudo que ele jamais poderia ter. Ou poderia? É só um corpo. Mas não era somente um corpo, era uma pessoa também, alguém precisando de dinheiro para sobreviver ou querendo enriquecer. Uma hora de programa com o rapaz custava caro, muito caro. Ficava pensando no que poderia ser feito com esse dinheiro. Mas era a realização de um sonho.

No outro dia, voltando da escola onde dava aulas, Gerônimo ficou o dia inteiro em cima do PC, esperando respostas, que não vieram. Voltou a buscar o nome do ator na Internet e achou um contato de um empresário. Esse, sim, respondeu, dizendo que Potiguar não fazia mais esse tipo de trabalho. Era uma pena. Procuraria outro garoto, então. O empresário respondeu dizendo que Potiguar estaria filmando externas de um documentário que estavam preparando para um canal adulto, mas que eles poderiam se encontrar para conversar, caso houvesse interesse O empresário ofereceu um meet and greet, já que o programa não seria mesmo possível. Gerônimo ficou feliz, antes isso que nada, acabou aceitando, por educação. Chegando ao Rio, ele e Carlinhos já se engajaram numa programação de compras, praia e piscina. Passaram o dia inteiro batendo perna e andando pelo hotel, enorme, maravilhoso e luxuoso. Dormiram a sono solto e acordaram cedo para começarem mais um dia torrando na praia da Barra da Tijuca. Passando pelo saguão, viu uma movimentação e um rosto, atrás de grandes óculos escuros: Era Leandro Potiguar. Enorme, volumoso, que nem aquele cantor de axé famoso, aquele da dancinha do aplicativo. Só que branco. Fora das fotos editadas de computador e dos vídeos, ele era claramente branco. De perto ele era mais branco ainda. Vestia roupas civis: camisa escura, calça azul bem ajustada no corpo e sapatênis de gosto duvidoso. Gerônimo não se aguentou e foi cumprimentá-lo. Leandro, demonstrando profissionalismo, foi carinhoso e apresentou seu empresário, a quem Gerônimo chamou pelo nome:

— O senhor é Paulo Santos. Nos falamos esses dias por mensagens. Eu sou o Gerônimo.

— Ah, sim… Fico feliz que tenha comparecido. Eu te mandei o endereço do hotel? Você ficou de perguntar quando viesse?

— Não, eu estou hospedado aqui. É quase uma coincidência.

— Então, venha assistir às gravações. Faremos umas tomadas no hotel, externas, aqui na área da piscina, temos até meio-dia. Depois podemos ficar no set enquando Leandro filma cenas de uma colaboração com um produtor alemão, para o site dele. Vai ser um sucesso nesse ramo! O senhor vai gostar… Tá bom… Você vai gostar…

O papo continuou, Leandro desapareceu para voltar de roupão e sair dele mostrando o corpo deslumbrante, praticamente uma fatia de bacon com mais carne e menos gordura, mas suculenta. As cenas foram filmadas. Era uma série de cenas de piscina para um filme heterossexual ou bissexual, parece. Um cameraman especial registrava tudo, a fim de fazer material para o documentário do making of. O produtor Paulo, interessado no interesse de Gerônimo pediu para gravarem o meet and greet. Explicou que muitos fãs procuravam o ator e isso iria enriquecer o material. Havia mais fãs no set. Perguntou se Gerônimo queria, mas ele disse que não. Ficaria apenas observando. Quando terminou de falar, outro fã apareceu e foi filmado, e assim outros tantos. Houve interação. Gerônimo se sentiu mal. Queria interagir com o astro, chegar perto. Tocar. O produtor, vendo seu olho comprido, disse que, assim que ele terminasse, colocaria ambos para conversar um pouco. Gerônimo assentiu com a cabeça, mas sentiu-se um pouco mal. Por que não estava lá com ele? Que vergonha era aquela? Na verdade, a vergonha maior era aparecer num documentário sobre pornografia. Ele era um professor de adolescentes, uma pessoa pública, não sabia quantas coisas ruins poderiam acontecer com ele se aquilo fosse exposto, de alguma forma. Depois de tudo, trouxeram uns comes e bebes para o staff e foi quando Leandro se encontrou com Gerônimo. Tudo assim, muito sem graça. Leandro era profissional, extremamente profissional. Ambos se despediram depois de abraços e ao virar as costas, Leandro chamou Gerônimo e entregou a ele um papel. Era um convite para ele e Carlinhos comparecerem a uma festa, no salão do hotel, naquela noite. Era para poucos convidados, a maioria gente da produtora. “Vai ter muitos gatos inacreditavelmente bonitos, apareça…”

Gerônimo voltou para o quarto com um gosto de cabo de guarda-chuva na boca: era o sabor da desmistificação do mundo pornô. Se bem que não vira nenhuma gravação explícita. Nem esperava, naquele local. Então mostrou o convite para Carlinhos, cujos olhos brilharam tanto, que nem pareciam mais da cor de chuchu podre, de tão luzidios que estavam. Mas Gerônimo estava desanimado. Dessa vez foi Carlinhos que o arrastou pelas fuças até o salão do hotel. E a surpresa foi grande. Primeiro porque a segurança era grande. Todo o andar estava interditado. O convite foi examinado com luz ultravioleta e Carlinhos e Gerônimo foram cadastrados num sistema com seus dados. Uma pulseira magnética foi colocada em seus pulsos e então entraram no salão onde uma orgia estava em curso.

Era a gravação do novo vídeo estrelado por Leandro. O ator veio recebê-los, interrompendo a cena, dando um forte abraço em ambos. Os dois foram convidados para compor a figuração, era uma cena de bacanal romano. Usariam máscaras se quisessem. Gerônimo, mais uma vez, não quis, ficou junto com o staff só observando. Carlinhos se jogou: tirou as roupas civis e se meteu a fundo na cena, depois de receber instruções específicas. Por incrível que pareça, tudo durou muito pouco. Os atores e figurantes saíram da cena para se trocarem e por um instante retornaram ao set, alguns ainda fantasiados como romanos e escravos, continuando a festa de antes. A mesa de banquete era verdadeira: assados e frutas passaram a ser distribuídos aos convidados por ágeis garçons. Vinho, cerveja e drinks coloridos, música eletrônica, luzes piscantes: num instante, um baile gay de primeira acontecia…

Continua na próxima… Leia a sequência AQUI.

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

 

Capa: imagem de DrSJS por Pixabay

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