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Senex ou Cowboy: qual arquétipo de masculinidade triunfará nas urnas?

Eleições nos EUA:. Joe Biden vs Donald Trump.

Este ano (2020) haverá eleições presidenciais nos Estados Unidos da América. Em que pese o choque de civilizações e o declínio do ocidente (a escalada tecnológica da Índia e a ascensão econômica da China), os acontecimentos políticos e econômicos nos EUA exercem significativa influência sobre o mundo globalizado, em particular, na América Latina.

Há dois candidatos majoritários: o republicano Donald Trump que busca a reeleição e o democrata Joe Biden que tenta impedir a permanência de Donald Trump à frente da Casa Branca por mais quatro anos.

Para além de uma análise político-partidária, quero me centrar na questão dos diferentes perfis de masculinidade que Trump e Biden performam. Já escrevi em outras colunas que não se pode supor que exista uma versão universal de masculinidade. Mesmo que haja uma versão dominante, ela nunca será única, o que me impede de pensar a masculinidade no singular. É sempre oportuno nunca perder isso de vista.

Vou iniciar com Donald Trump. Trump performa um estereótipo de gênero masculino no qual os homens são os líderes poderosos, milionários, vigorosos, agressivos e corajosos. Segundo a historiadora Joan Scott, essa aparência de brutalidade e vulgaridade de Trump exerce atração junto aos eleitores em tempos de crise. Segundo Scott, busca-se na masculinidade hegemônica, exibida por esses líderes, a solução de todos os problemas, como um pai que salvará a nação do caos. As pessoas imaginam que esses líderes brutamontes sabem como mandar: “Eles vão acabar com o crime e com a corrupção”.

Se recorremos ao conceito de arquétipo criado pelo médico psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, podemos pensar que Donald Trump é alvo de uma projeção coletiva. Os eleitores estadunidenses que apoiam Trump projetam nele a encarnação do cowboy cinematográfico vivido no cinema por John Wayne, “feio, forte e formal”, as três palavras que o definem em seu epitáfio.  A forma como Trump lida com as questões da imigração hispânica e com a pandemia expressam o estereótipo do cowboy que não teme, atira com precisão e nunca erra o alvo. Trump performa a velha dicotomia presente no imaginário estadunidense:  o herói WASP (sigla de branco, anglo-saxão e protestante) contra o mexicano ou indígena (retratados como bandidos pela indústria hegemônica da mídia).  

Nesse sentido, a adesão à Trump pode ser lida como uma resposta psicológica, profundamente enraizada na masculinidade hegemônica, que performa um padrão patriarcal bruto de homem.

Joe Biden, 78 anos, expressa um padrão distinto de masculinidade. Foi vice-presidente de Barack Obama por oito anos e senador por Delaware por 36 anos. Se eleito será o presidente mais velho da história do país.

Diferente de Trump, cujo pai já era muito rico, Biden vem da classe trabalhadora, o pai era um humilde vendedor de carros. Sua imagem de homem simples contrasta claramente com o perfil de um presidente milionário como Trump.

Enquanto a narrativa biográfica oficial de Trump é a de um vencedor; Biden enfrentou tragédias familiares, durante sua vida: a morte de sua primeira esposa e de sua filha de 13 meses, em um acidente de carro, e a morte de seu filho Beau, aos 45 anos, de câncer no cérebro, décadas depois. Isso faz de Biden, aos olhos de alguns eleitores, um ser humano, um homem que sabe como é passar por momentos difíceis, superá-los e compreender a dor dos outros. “Ele tem a capacidade de mostrar empatia e compreensão por aqueles que enfrentam adversidades”, disse Anthony Zurcher, jornalista da BBC especializado em cobertura política dos Estados Unidos.

Diferente de Trump, que levanta a bandeira de um discurso conservador radical e empreendedor (“Make America Great Again” – Tornar a América Grande Novamente), Biden representa uma postura moderada e estável. Ao longo de sua carreira de 36 anos como senador por Delaware, encampava a causa dos negros e dos imigrantes latinos. Biden escolheu como vice a senadora Kamala Harris, uma mulher, negra, filha de um jamaicano e uma indiana. Kamala é ex-procuradora-geral da Califórnia, tem um peso simbólico, uma vez que expressa causas identitárias e de gênero.

Por fim, Biden performa um protótipo de masculinidade que se distancia do padrão do cowboy e se aproxima do arquétipo do velho sábio. O velho sábio (também chamado de senex) é o filósofo distinto pela sua sabedoria e julgamento. Diferente da figura paterna que usa a força, o velho sábio se vale do conhecimento para oferecer orientação agindo como um mentor.

Em tempos de pandemia, caberá aos eleitores estadunidenses escolher quem será o seu líder: o  cowboy, que atira primeiro e pergunta depois, ou o velho sábio que usa a temperança, a empatia para guiar o povo no caminho da história.  

Para ver outros textos de Jorge Miklos, confira sua coluna Antropos.
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