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E quando a vida passa e os sonhos se vão?

Qual queijo você quer?

O ritmo tranquilo do início do curta nos insere no apartamento e na vida de Margarete (Amélia Bittencourt) e Afonso (Henrique César). Vários objetos da sala são apresentados em planos-detalhe; e isto vai ser muito importante para compreendermos todo o restante do filme e estarmos situados por completo em todo o diálogo dos personagens.

Quando a explosão de raiva de Margarete pega Afonso de surpresa, adentramos rapidamente na vida e na história do casal de idosos e, então, cada objeto da sala, passa a nos fazer mais sentido, pois a direção do curta, antecipadamente, já nos mostrou na abertura. São desde um arranjo da época do casamento à discos de vinil e remédios sobre a mesa, fotografias na parede e, também, um relógio parado.

Cíntia Domit Bittar, que é responsável pelo roteiro e direção do curta de 11 minutos, trata do tema sobre as frustrações que provavelmente muitos casais da terceira idade enfrentam, da vida que pensaram ter e/ou da vida que tiveram.

Margarete não cobra somente de Afonso. Ela sabe que ambos precisaram cuidar de outras coisas e praticamente esqueceram de viver a vida. Afonso completa as aflições da esposa, compreendendo o súbito ataque dela. Ambos reconhecem que o tempo “voou”, que os sonhos ficaram para trás e a situação impôs aquela vida, naquele apartamento “perto de tudo”, jogando baralho e vivendo aquela rotina.

“Qual Queijo Você Quer?” mostra como a rotina pode incomodar a vida das pessoas, porque tudo fica sempre igual, como se vivêssemos o mesmo dia todos os dias. E com a vinda de uma aposentadoria que não nos dá tantas possibilidades, a tendência é que a vida fique ainda mais um “mais do mesmo”. Afonso parece se conformar com aquilo tudo, mas Margarete, por um instante, se revolta. Os sonhos que Margarete cita deixaram de ser realizados, não por culpa de Afonso, mas porque eles não tiveram condições, ou tempo, de realizá-los. E essa é a realidade de muitos casais, que planejam muitas coisas e se frustram quando veem o tempo correndo e os sonhos ficando para trás. Nem precisa ser sobre a vida em conjunto; posso expor o meu caso. Próximo de completar 40 anos e tendo saído há pouco do hospital para a retirada da vesícula que estava prestes a estrangular, decidi fazer algumas coisas que tinha muita vontade e fui protelando. Dentre estas coisas estava comprar uma gaita – instrumento do qual sempre gostei do som e sempre quis aprender a tocar –, mas não tinha a mínima ideia de preço. Entrei numa loja no centro de Campina Grande em 2018 e me surpreendi: uma gaita diatônica custava R$ 35,00. Eu demorei mais de 20 anos para comprar um instrumento musical com um preço totalmente acessível, porque nunca havia colocado os pés numa loja antes.

Margarete não reclama dos sonhos impossíveis, mas da rotina maçante, do cotidiano que cansa, da mesmice, do amor que virou uma amizade. Margarete não teve a explosão somente por causa daquele dia; a vida dela com Afonso é aquilo e ambos sabem o quanto tudo pesa e entristece aos dois. A angústia e a frustração está presente nos semblantes, nas expressões faciais, nas falas dos dois personagens. E o que podem fazer? No final o relógio dá uma possível resposta.

O filme nos faz refletir sobre qual vida queremos viver e sobre qual vida podemos (ou não) estar fadados. Basta tentar realizar os sonhos possíveis, ter os momentos de lazer que trazem satisfação, procurar a alegria no que é possível. Se não puder ir à Europa, vá para o interior. Se não puder se hospedar num hotel cinco estrelas numa cidade numa cidade de praia badalada, se hospede numa pousada numa cidadezinha sossegada, numa praia mais tranquila. Se não puder viajar pela América do Sul, viaje para as cidades turísticas próximas. O importante é fazer, sendo jovem, de meia idade ou na terceira idade.

O exemplo da minha gaita é o de que muitas vezes deixamos de fazer alguma coisa; ou pela correria, ou pelo excesso de trabalho, ou pela falta de grana, ou simplesmente por deixarmos a vida passar e esquecermos de cuidar de nós mesmos.

Pra finalizar o texto da coluna, vou usar uma frase de um filme que muita gente já assistiu, mas que se não assistiu, deve assistir porque vale a pena. Em “Curtindo a Vida Adoidado”, o personagem Ferris Bueller, interpretado por Matthew Broderick, diz: “A vida passa muito depressa. Se não paramos para curti-la de vez em quando, ela passa e você nem vê!”. Não veja a sua vida simplesmente passar, procure curti-la, mesmo que de forma simples.

Ficha Técnica:

Qual Queijo Você Quer?

  • Gênero: Drama
  • Ano: 2011
  • País: Brasil
  • Direção: Cíntia Domit Bittar
  • Roteiro: Cíntia Domit Bittar
  • Duração: 11 minutos

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