Search

Doppelganger

– Ahhhhhh, que cansaço.

Marina havia acabado de sair da aula, ela estava tentando finalmente terminar o ensino médio, faltava muito pouco para sua formatura. Ela estudava a noite logo após seu turno em um supermercado próximo da escola e estava no aguardo do seu ônibus. O dia a dia de Marina era sempre o mesmo, ela ia para o seu trabalho, depois para escola, pegava o seu ônibus e voltava para casa. O ônibus finalmente chegou, ela subiu e ali estavam Edson e Marcelo, o motorista e o cobrador da condução que já eram conhecidos dela.

– Boa noite Marina!

Edson saudou a garota com um sorriso simpático. Marina respondeu com um sorriso cansado, porque no fim do dia o cansaço já estava no limite, tanto que a garota costumava vir em seu trajeto dormindo.

– Boa noite Marcelo.

Ela saudou o cobrador que a respondeu também de forma simpática. Ela já iria ficar ali próximo para conversar um pouco com eles quando viu no fundo do ônibus uma de suas amigas do trabalho, Gabriela. Gabriela acenou de longe e sorriu, ela por sua vez passou pelo cobrador e foi em direção ao banco de sua amiga sentando ao seu lado. Gabriela parecia bem, mas era estranho vê-la ali já que ambas saíram no mesmo horário.

– Oi Gabi, o que você tá fazendo nesse ônibus mesmo? Voltou para fazer hora extra? Hahahaha

– Nossa Marina é que…

Gabi levou a mão a cabeça como se estivesse passando mal, sua expressão também mostrava um mal-estar que a abatia.

– O que tá acontecendo amiga?

– Não estou me sentindo bem… estou com uma tontura estranha, quase não consigo ficar em pé…

Marina ficou preocupada com a amiga que claramente não estava bem. Talvez um cansaço muito grande por dobrar no trabalho? Ela não sabia ao certo, mas não poderia também deixá-la desamparada.

– Vamos fazer o seguinte, eu vou com você até em casa e durmo por lá, o que acha?

Gabriela sorriu em meio ao seu sofrimento e agradeceu. Marina também ficou satisfeita por poder ajudar a amiga que estava precisando. Apesar disso, ela sentia um olhar estranho pousando sobre ela, era Marcelo que a olhava com um misto de desconfiança e preocupação, como se algo esquisito estivesse acontecendo com ela. Apesar de serem companheiros de viagem, Marina não era tão amiga assim de Marcelo, então não se preocupou com seus olhares, no fim nada devia ao cobrador. Voltou a conversar com sua amiga ali.

– E como foi o segundo turno do trabalho Gabi, foi tranquilo? A Flávia conseguiu resolver aquele problema com o chefe?

– Ahhh sim, tudo tá certinho sim.

– E o Edu? Ele queria tentar chamar a Adriane para sair, você viu se ele conseguiu?

– Não, eu não vi.

Marina foi percebendo que toda a conversa que ela puxava, as respostas de Gabi eram vagas e distantes. Apesar de estranhar o comportamento da moça, não achou nada demais dado ao fato de ela está passando mal, então continuou a falar frivolidades. Foi então que Gabi indicou o ponto para descer e pediu para Marina dar o sinal. Ela levantou e sinalizou, Gabi passou por ela e ficou de frente para a porta esperando o ônibus parar, quando o veículo chegou em seu total inercia foi e Marina se preparava para descer algo ocorreu.

Marina sentiu um solavanco, algo segurou o seu braço, quando ela olhou para ver percebeu que era Marcelo segurando seu braço. Seu semblante era assustado e confuso, Marina por sua vez sentiu a raiva subir, parou e olhou em direção ao cobrador.

– Por que você tá me segurando?

– Porque esse não é seu ponto, por que você vai descer aqui?

– Vou descer com a minha amiga, ela não tá se sentindo bem.

Com um olhar sério, Marcelo olhou para olhos de Marina.

– Que amiga? Você está falando sozinha desde o momento em que sentou naquele banco.

Choque. Primeiro Marina assustou com a afirmação de Marcelo, depois lembrou dos olhares do cobrador em sua direção e tudo pareceu claro.

– Esse local é muito perigoso, acontecem dezenas de ataques a mulheres aqui, quando vi que você desceria nesse ponto…

O cobrado continuava a falar, mas Marina já não o ouvia direito, virou em direção à porta a tempo de ver o que ela acreditava ser sua amiga virar uma fumaça negra, mas antes de evaporar Marina jurou ver uma expressão de ódio, uma expressão de quem fracassou em fazer o mal a ela e isso deixou aquilo profundamente irritado.

– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Marina gritou alto enquanto recuava, batendo com força suas costas nos bancos atrás dela. O grito assustou Marcelo e alguns outros passageiros que estavam dormindo e acordaram de solavanco. O cobrador a ajudou a se acalmar levando-a para o banco próximo da cadeira do cobrador. Edson deu a partida e saiu daquele local que lhe causava arrepios.

– Daqui do espelho eu também vi você falando sozinha, quando vi o local que você deu o sinal eu pedi ao Marcelo para não deixar. Ainda bem que ele conseguiu te segurar a tempo.

Enquanto ouvia Edson falar, Marina pensava consigo mesma sobre o ocorrido. Por que ela? O que era aquilo? Muitas dúvidas pairavam em sua mente. Marcelo parecendo perceber isso tocou de leve seu ombro.

– Bom, o importante é que deu tudo certo e você tá bem.

Como de hábito, o motorista parou em um local mais próximo de sua casa e aguardou até que ela entrasse pelo portão. Ainda pensativa e com medo, ela acenou para Edson e Marcelo antes de entrar, eles esperaram até que ela entrasse e então foram embora e em sua mente, Marina tinha muitas dúvidas, mas também havia alívio, pois no final conseguiu se safar do que quer que fosse aquele ser.

Essa história é uma adaptação de “Forma Humana” disponível no podcast “Não Inviabilize” de Déia Freitas.

Foto de Capa por Elīna Arāja em Pexels

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *