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Do homossexual ao LGBTQIA+

Uma pessoa LGBTQIA+ pintando sua cara

Há um abismo político que separa, por uma mera consciência de classe, o homossexual do LGBTQIA+. E ao identificarmos essa cisão nos deparamos com o motivo que ainda sustenta uma rede de violência e opressão que impede a verdadeira ascensão da luta anti-lgtbfobia.

A narrativa das redes sociais produz a ideia de que ser homo, bi, pan, inter ou transexual dota o sujeito automaticamente de desconstrução e consciência política. Na verdade, o que ocorre primeiro é o sujeito não-heterocis compreender que o mundo não lhe oferece direitos e identidades próprias, e só então, é que se começa a perceber que se ele não se entregar a luta e se desconstruir ele nunca conseguirá ocupar espaços comuns de equidade e poder.

A diversidade nem sempre acompanha a inclusão. Incluir demanda da sociedade que exclui o esforço, quase que quântico, de encarar o grande outro que marginaliza e a assegura de que eles são os normais. Afinal, como posso saber que sou “normal” se não tenho um “estranho” que me confirme isso?

Essa lógica diz muito de como algumas pessoas não-heterocis se incomodam com os discursos políticos pró LGBTQIA+.

É preciso compreender que a sigla LGBTQIA+ (e tantas outras letras) é na verdade uma sigla que diz sobre uma luta política, histórica e social de pessoas não-heterocis de nossa sociedade do que uma sigla que ajuda a compreensão das orientações sexuais e identidades de gênero.

Orientação sexual e identidade de gênero, em um sentido biopsicossocial, não pressupõe por si engajamento político. O que a história das nossas conquistas e direitos nos mostra é que, pessoas não-heterocis tiveram que produzir narrativas, lutas, organizações para que direitos primários e tantos outros fossem conquistados perante a uma sociedade de puro privilégio branco, masculino e heterocis.

Por isso é preciso que façamos sempre um exercício de compreensão social perante a luta LGBTQIA+ que em paralelo dialoga com as questões da orientação sexual e identidade de gênero também, mas não só!

Quando observo um homem cis e gay que não se assume como gay e que ridiculariza o movimento, usando até mesmo “aplicativos de pegação” para extravasar seu gozo, aplicativos esses que são resultado de uma conquista e naturalização do prazer homoafetivo de gays que deram literalmente a cara para bater, encontro aí o exemplo clássico do “homem sigiloso e fora do meio”, obviamente gay, mas não LGBTQIA+, compreende?

Ser LGBTQIA+ é ocupar politicamente o corpo, o prazer, o sexo, as ruas, o legislativo, executivo, o mercado de trabalho e continuar sendo LGBTQIA+.

Ser LGBTQIA+ é assumir uma postura de vida, um posicionamento social.

Assumir-se LGBTQIA+ vêm depois de se assumir lésbica, gays, bi, trans, etc. É como no feminismo, necessariamente ser mulher cis ou trans, não a torna feminista por si só, muito embora é quase como um contrassenso perceber mulheres, assim como pessoas homo, bi, pan, inter e trans, serem antipautas que dizem respeito a elas.

Entretanto, é compreensível – mas não significa aceitável – que pessoas não-heterocis queiram ocupar a sombra da árvore do opressor, já que mesmo em migalhas, ainda há algo a ser ganho e um deles é uma falsa aceitação e a possibilidade de circular em determinados espaços, sejam eles literais ou simbólicos, de poder e privilégios.

Portanto, e cruelmente constatando, é ainda possível ser não-heterocis e continuar sendo lgbtfóbico.

Nossas lutas e conquistas já foram muitas, mas ainda há muito mais pela frente. Não iremos retroceder, mas de vez em quando, como um exercício de fortalecimento interno/externo realizarmos reflexões deste tipo se faz essencial. Ser crítico é apontar limites nos quais nossas lutas alcançam e ainda não alcançam, mas nunca é desmerecer ou deslegitimar conquistas. Pense nisso!

Por Sérgio Lourenço
para sua coluna Queer-se.

Foto de Perchek Industrie no Pexels

2 respostas

  1. Não se pode esquecer é que “segmentar” abre “mercados” para a Economia: ingestão hormonal e cirurgias inerentes a genero! Em 1974, eu e um colega, ambos, com 8 anos, mas ele se maquiava e usava trajes femininos e super entrosado com a turma e, ele me olhava como se fosse fazer algum julgamento dele se travestir e, na realidade, já naquela época, como se ser cisgenero fosse ser hetero! E a gente vai saber mesmo se é gay, justamente quando se torna adolescente! E foi o que aconteceu comigo de forma até precoce e expontânea: antes dos 13 anos, ejaculei espontaneamente, pela atração que as pernas que um colega me despertou. Ele na porta da casa em que eu morava me aguardando, indo ao encontro dele, ejaculando! Depois conversamos sem ele comentar nada de ter percebido mas com a fala carinhosa que já vinha me cativando! Em nenhum momento pensei em me adaptar a outro homem, em questão de gênero, logo pensei é em como seria se ele desejasse me penetrar e meu anus não “coincidir” com a anatomia do pênis dele! Aos 27 anos, que fui penetrado por ter sido viável! Nas duas vezes anteriores, mero “entre nádegas” e ficou tudo bem: homens que guardo boas lembranças e justamente pelo sincronismo físico. Quem queira relacionar deve sentir atração exatamente como somos e claro a gente em relação a ele! Me lembro que aos 20 anos, no banheiro, trocando roupa o colega percebeu que gostei do físico dele e nos beijamos. Depois transamos e mesmo Sem ter havido penetracao peniana no anus, foi maravilhoso!

  2. Neste maior deserto da desunião humana. O texto caí como a chuva que traz vida. Parabéns Sérgio!

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