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Diva da Administração Pública

Pierre Rinco

Super Diva contra a Banalidade do Mal

Olá, Little Divos, como estão?

Espero que bem! Eu já estava com uma saudade ardente, feroz, violenta e cruel de vocês! Ai que dramática que eu sou!

Bem, amados, como sempre venho nesta coluna contar as desventuras que eu, a Diva da Administração Pública, passo todos os dias nesta minha jornada de vida, de envelhecimento, de luxo, de glamour e de lutar pelos direitos do cidadão no setor público. Pois, como já é público e notório a todos, o Estado burocrático depende do amor que carrego sobre as coisas, responsabilidades, ações, arquivos amarelados, processos, protocolos, indicadores, pastas amareladas, armários de metal, computadores antigos, mesas amareladas, máquinas de escrever, carimbos, papel carbono, servidores públicos amarelados, Freecell, Paciência, Office, documentos, rubricas, atestados, perfil profissiográfico previdenciário, repartições, paredes amareladas, subalternos com cara azeda por atender a população na segunda-feira, equipamentos de proteção individuais, periódicos, gestão de processos, fluxogramas, indicadores, planilhas de cálculos, planilhas, planilhas amareladas, planilhas, mais planilhas, entre outras propriedades da linguagem pública que não necessariamente dependem de mim.

Luto todos os dias para que tudo o que é bom permaneça e tudo o que é ruim caia por terra. Para a população, busco me aprimorar e me digladiar como a amazona burocrática, quase a Xena, a Princesa Guerreira do Setor Público contra a ineficiência e a ineficácia das políticas públicas.

Mas tudo tem seu peso, Little Divos, e às vezes eu sinto o do setor público, que é fardo tão pesado que nem a clutch ou vestido da Balenciaga conseguem aliviar, que nem a nova edição da Vogue Italiana consegue amainar, que nem um episódio novo de Rupaul Drags Race ou da Jugde Judy conseguem distrair. E este fardo se traduz na imensa infelicidade dos servidores públicos deste País.

Vocês podem pensar: “Mas… DIVA! Você é amada e idolatrada em cada repartição pública deste País! Você estampa todas as revistas de gestão pública que saíram nos últimos cinco anos! Você tem um fã-clube feito em sua homenagem onde trabalha! Você é chique, é linda, é charmosa, é fina, é elegante e discreta! Isso não acontece com todos os servidores públicos?”. Não, little divos, não acontece. Tenho muita sorte e competência de ser quem sou e ser respeitada por isso, mas poucos são os funcionários públicos que possuem a mesma sorte.

Nem sei por onde começar a dissertar sobre este assunto para vocês, meus fãs, pois o mesmo é extenso demais. Mas creio que tenho um ponto de partida e este decorre de um livro fervidíssimo e difícil, chamado “Eichmann em Jerusalém”, escrito pela minha amiga, filósofa política e companheira das horas de chá, Hannah Arendt.

A Hanninha – como eu a chamava até sua morte em 1975 – me proporcionou uma troca de cartas que eu jamais esquecera, no ano de 1963. Ela me perguntava, na primeira missiva, se eu havia visto o julgamento de Adolf Eichmann. E quem era este moço, Little Divos?

Era um funcionário público que trabalhava sob a égide nazista, em plena Segunda Guerra Mundial. E o que ele fazia? Como eu disse, ele era servidor público comum, que tinha superiores e subalternos, cuja responsabilidade era definir as rotas dos trens que levavam os judeus para a morte nos campos de concentração.

A Hanninha deixava claro em sua carta que considera, assim como eu, o nazismo e o holocausto uma abominação humana. O que foi feito com os judeus, homossexuais e toda sorte de mal é mácula para a sociedade e vergonha para a raça humana. Mas ela se incomodava muito com o fato de que Eichmann estava imerso em uma moralidade nazista, que dizia que era correto dizimar judeus. Ele cresceu e se formou como pessoa dentro desta moralidade. E, no setor público, assinando papeis o dia todo, protocolando relatórios, efetuando licitações, enfim, ele não tinha a mínima condição de entender que o que ele fazia era brutal. O mal, para ele, era banal e escondido por várias instituições públicas alemãs. Para ele, ao longo dos anos, os documentos com os nomes dos judeus que seriam assassinados tornaram-se apenas papéis com nomes. Apenas burocracia.

Eu respondi a missiva da Hanninha, dizendo a ela que ele foi considerado o pior monstro do nazismo. E de fato era, da perspectiva de quem estava fora desta moralidade. Apesar de eu achar monstruoso o sionismo, que é efetivamente atroz, entendi o que ela quis dizer. A burocracia faz com que o mal se banalize. De todas as formas.

Em proporções diferentes, é evidente, mas não há diferença entre Eichmann e aquela funcionária do cartório eleitoral que se recusa a fornecer o documento, mesmo podendo fornecê-lo. Ou a máxima que se usa no setor público: “Não, isso não é comigo… Isso é só lá com eles…”, usada pelos funcionários públicos que não se responsabilizam por absolutamente nada. Quem são “eles”? Nunca se sabe, “eles” são seres sobrenaturais e desconhecidos da raça humana. Nem o History Channel sabe quem são “eles”. Devem ser alienígenas.

Em proporções diferentes, é evidente, mas não há diferença entre traçar as rotas dos judeus para seu extermínio em campos de concentração e calcular indicadores sociais não percebendo que cada número representa uma família ou indivíduo que sofre, passa frio, que é vulnerável material e socialmente, que sofre preconceito, que ganha menos de R$ 80 para toda a família por mês, que sofre violência moral e física, que é idoso abandonado, que é criança abandonada, que cometeu um ato infracional, que sonha e se frustra.

Em proporções diferentes, é evidente, mas não há diferença entre as ações de Eichmann e ações de chefias e superiores abusivos, que demandam de seus funcionários prazos, posturas, perfeições absolutas e irreais. Que impõem assédio moral sobre seus funcionários. Que impõem assédio sexual contra seus funcionários. Que desmotivam seus servidores em nome da economia de recursos, das regras injustas, das cobranças hipócritas, do tratamento desigual entre os membros de equipe.
E ao servidor público de carreira sobram três alternativas: ou ele é a alma abençoada e não se deixa contaminar pela banalidade do mal, resistindo às intempéries desvairadas de cada gestão – que muda sempre após quatro anos; ou ele se contamina com a banalidade do mal – fácil de observar, por exemplo, em hospitais públicos em que alguns médicos e enfermeiras são profundamente insensíveis à dor; ou, finalmente, estes servidores adoecem gravemente, ficam com depressão, síndromes que se manifestam na mente, no corpo, no peito.

Nesta terceira opção, vemos servidores tão doentes que faltam com frequência, retiram todos os atestados médicos ocupacionais para justificar ausências e fazem o possível para fugir do trabalho. Não, Little Divos, não estou me referindo às pessoas salafrárias que não querem trabalhar, mas àquelas que efetivamente adoeceram em virtude de não aguentar a tristeza e dureza do setor público.
De toda forma, queridos e queridas que me amam, idolatram e são meus fãs, peço que compartilhem este peso que eu carrego. Sempre que virem um funcionário público ou for atendido por algum, pense que este é um humano como você. E que este pode estar adoecendo neste exato minuto pela banalidade do mal nas repartições deste Brasil.

Não aceitem jamais ser distratados, queridos cidadãos. Busquem sempre seus direitos. Mas peço a vocês que tratem com amor os funcionários públicos que encontrarem em seu caminho, com o mesmo amor que eu peço minhas bolsas Chanel favoritas às vendedoras da marca. Sejam como eu: não sou a Super Xuxa Contra o Baixo Astral, mas a SUPER DIVA CONTRA A BANALIDADE DO MAL! Todos cantando como a Xuxa com a tia Diva, agora, o novo hit que está nas paradas das secretarias municipais, estaduais e federais:

ARCO-ÍRIS PÚBLICO


Vou pintar um arco-íris de energia
Pra deixar o setor público cheio de alegria!
Se tá feio ou amarelado
Vai ficar tudo colorido
O que vale na repartição é ser feliz!
Com Maquiavel eu vou entender moralidade
E o Weber tem sabor de racionalidade
Com o Marx eu tenho a esperança
Que existe em qualquer criança
De pintar na elite dominante o amor!
O a-ma-re-lo das pastas e das pessoas eu vou tirar
E o setor público modernizar
Com computadores decentes!
A violência ao funcionário público
Eu vou tirar
E a banalidade do mal vai acabar!
E eu continuarei a DIVAR!
A Diva da Administração Pública é sim
Uma luz uma eterna magia!
A Diva da Administração Pública é sim
Setor Público em forma de poesia!
Eh oh Eh oh! Eh oh eh oh!
EH OH EH OH!!”

Ai que tudo Little Divos!

Já está na Billboard, gente!

Beijos públicos a todos vocês, little divos!

Até a próxima.

 

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