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Cuidado na rua à noite!

Eu sei que o título do texto da coluna “A Vida é Curta” pode assustar, mas provavelmente após você ler, vai perceber que não precisa se preocupar. Ou, talvez, é melhor tomar cuidado.

O filme dessa semana é o documentário em curta-metragem “Contos da Maré”. No filme, alguns moradores falam de três lendas urbanas que habitaram o imaginário popular. Alguns moradores falam de quando chegaram no complexo localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro e de quando o lugar era pouco habitado.

Poucas casas e muito mato é um prato cheio para que lendas possam ganhar forma. Assim, os entrevistados pela equipe do diretor Douglas Soares falaram do lobisomem, da mulher-cobra e do bebê-porco. Alguns dos entrevistados relatam que viram ou ouviram esses seres. Quem sou eu pra duvidar? Se a pessoa diz…

O mais interessante desse documentário é que, em algum momento das nossas vidas, tivemos algum contato com essas lendas. Para além do Saci Pererê, mula sem cabeça, Iara, Cuca, Boitatá, etc, que são lendas das matas e da zona rural, temos uma infinidade de lendas urbanas.

Quem viveu os anos 1980 e 1990, estudando à noite, ia ao banheiro sozinho, tranquilo, numa boa, ou tinha medo da “loira do banheiro”?

Nas minhas viagens de ônibus São Paulo-João Pessoa e vice-versa, lá por meados dos anos 1990 tinha medo, no trecho da Via Dutra, entre Jacareí e Barra Mansa da mulher de branco que pedia carona. Por passar por esse trecho durante a noite, ficava olhando pela janela do ônibus. Afinal, outros viajantes já disseram ter visto.

É interessante notar que, muitas vezes, uma lenda pode se tornar uma espécie de pânico coletivo. Ter uma réplica de algum quadro do Giovanni Bragolin, significava que a pessoa tinha pacto com o diabo. Segundo dizem, o pintor italiano fez um pacto e, logo, alguém que tivesse algum de seus quadros, com uma criança chorando, também tinha o tal pacto. Era só virar o quadro de ponta-cabeça que dava para ver o demônio.

Deixando um pouco o sobrenatural, todo adolescente ou jovem dos anos 90 sabia da composição do hambúrguer do McDonalds feito à base de minhocas.

E com a ascensão e popularização da internet, a gente passa a ter também um espaço de lendas virtuais. Diferentemente, dos outros tipos de lendas, as lendas virtuais são importadas de outros países. Slenderman, Annora Petrova ou Momo estão aí para ser usados no caldo cultural do imaginário popular das lendas na era digital. Se antes, a pessoa precisava estar com a luz do banheiro da escola desligada, dar descarga três vezes e chamar a loira do banheiro três vezes para que ela aparecesse, hoje um adolescente pode receber uma mensagem da Momo em seu smartphone e receber um desafio macabro.

Se antes, o leque de informações era escasso e parte da imprensa sensacionalista como o jornal “Notícias Populares” falava de um bebê-demônio, somente com o intuito de vender exemplares, num universo de algoritmos, onde likes, compartilhamentos e comentários geram lucros, não tinha como não ser diferente.

Estou dizendo que todas as lendas que compõem o folclore urbano e rural têm como origem alguém que esteja faturando? Não, se levarmos em conta as lendas com origens indígenas. Ou sim, para as lendas que têm a capacidade de impactar e causar pânico. E, enfrentar um ser que pode causar mal, precisa ser conhecido. Seja comprando exemplares do “Notícias Populares”, seja recebendo, enviando e compartilhando fotos ou vídeos nas redes sociais.

“Contos da Maré” trata das lendas urbanas com respeito, afinal elas fazem parte de um traço cultural muito comum ao povo brasileiro, com o folclore e a superstição. Mesmo num país com maioria cristã, mitos e lendas fazem parte da cultura da população brasileira. E os realizadores do curta-metragem conseguiram entregar um trabalho excelente. “Contos da Maré” tem direção, fotografia, arte e roteiro muito bons. O filme é perfeito em todos os aspectos, tanto em sua narrativa, quanto nos elementos técnicos da sua produção.

Então, sabendo que as lendas fazem parte do imaginário popular e que cada país, ou regiões, têm os seus mitos, fantasias e lendas, pode ir dormir tranquilo. Caso acorde no meio da madrugada sem conseguir se mexer ou falar, pode ser que você tenha sido vítima da Pisadeira. Ou, talvez, seja só um evento de paralisia do sono mesmo.

 

FICHA TÉCNICA

Contos da Maré

Gênero: Documentário

Ano: 2013

Direção: Douglas Soares

Duração: 18 minutos

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