Carta para meu pai

15 de outubro de 2017

Hoje tomei coragem e resolvi falar tudo o que estava entalado dentro de mim. Nem mesmo eu, o redator desta carta sabe o que está por vir.

Eu poderia ficar horas narrando tudo o que eu acho que você fez de errado na minha criação, mas isso seria minha opinião. Quero te mostrar os erros que cometeu (talvez até inconsciente). Engraçado… Tenho esse direito?

Quase não nos víamos, seu turno de trabalho era a noite e eu estudava pela manhã. Era um simples “oi, tudo bem?”. Eu queria mais, queria abraços, tapinhas nas costas, queria te contar da escola, que chorei, pois, tive medo de uma mariposa gigante.

Pai, acho que criamos carapaças tão grossas que não conseguimos mais atravessar, é como se fossemos ilhas. Cada membro da família dentro de sua ilha. Uma rotina tão clichê e monótona. Não acha isso? Gostaria de saber o que acha sobre essa questão, mas acho que não vai ter uma resposta significativa sobre isso. Te julgo bastante, não é? Seria raiva? Eu não entendo nada disso.

Lembra aquela vez que me levou para visitar meus primos do seu lado da família? Provavelmente não. Mas saiba que me senti totalmente desestabilizado e sem amparo algum. Não conhecia e não tinha intimidade com ninguém. Eu sendo o mais velho e não tinha nem 20% da malícia que eles tinham. Nunca menti tanto na minha vida para parecer legal. Eles me acharam inteligente e me isolaram. Agora depois de adulto consegui mostrar que sou um cara maneiro, e eles continuam me isolando por parecer inteligente. Queria tanto que você estivesse ali para me enturmar. Mais uma vez eu querendo coisas…

Sabe, eu sempre fui um fraco, hoje entendo. Tinha medo de “Aparecer” à vista de todos. Me sentia sempre o patinho feio, odiava você por isso, pela minha fraqueza. Quanto rancor guardado, ninguém me explicava nada. Tudo acontecia, morte de parente, crescimento, mudanças de casa, etc.

Fraco… Tantas vezes dirigi a minha pessoa como fraco. Criei essa persona. Não foi culpa sua.

Engraçado que quando a idade chega, na maioria das vezes percebemos que existe um outro lado da cortina, um lado que chamo de bastidor da família. Vemos quem é quem e porque a pessoa é dessa forma. Quando aconteceu comigo foi como se abrisse um mundo totalmente novo, uma novidade velha. Sabe quando mudamos os móveis de lugar e parece que tudo é novo?

Vi que trabalhava em um emprego fodido, mas que com ele conseguiu sustentar nós 3 na época. Eu não entendia, mas eu tinha lancheira legal, cadernos, brinquedos.

Quando mais velho me contou que corria risco de vida diariamente para que pessoas ricas pudessem ter um sono tranquilo. Poxa, tantas coisas que tinha pra falar. Hoje sei que tudo tem seu momento.

Também tive meu momento de desabafar, de colocar pra fora e vomitar ódio. Sorrimos e brindamos a qualquer coisa.

Lembro bem que tive medo de te contar o meu maior segredo. Minha homossexualidade.

Contei a minha mãe e a reação dela já era esperada, religiosa que só, não podia dar em outra. Você era meu medo maior, a possibilidade de quebrar toda aquela conversão de ódio em alegria.

Um dia a mãe chegou e disse a todos que estavam na sala, você, eu, ela e minha irmã adolescente.

– Preciso compartilhar isso, pois não estou conseguindo segurar tudo isso sozinha. Filho, fala para o seu pai agora.

Reparei que sua feição mudou. Contei o Famigerado “Pai, sou gay”.

Ouvi alguns horrores da sua parte. Assumo que me blindei pela humilhação mútua do momento e na hora não tive reação.

Foi tudo muito rápido, logo fui para São Paulo, deixei vocês mais por medo do que por amor ao meu primeiro romance. Bem, 100% por medo.

O assunto virou um tabu e eu vim visitar como se nada estivesse acontecido. Aquela falsidade pesada que dava para cortar.

Algum tempo se passou e resolvi levar meu parceiro para vocês conhecerem. Lembra do meu nervosismo?

Pai, você me quebrou. Nunca achei que fosse tratar tudo de uma forma tão natural, eu não era um filho ladrão, ou um filho morto, ou mesmo um filho detento. Eu era seu filho, aquele moleque chorão.

O tempo passou, os namorados também passaram. Hoje encontrei o meu definitivo e acho tão lindo a forma que você o trata.

No final, sempre fez seu papel de Pai perfeitamente, eu que não entendia nada da vida. Clichê, não é?

Tive a sorte de ter o melhor pai do mundo ao meu lado quando realmente precisei.

Te escrevo essa carta simplesmente para dizer que te amo.

Bem… TE AMO!

Foto de Cottonbro no Pexels