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Bons momentos e quem sabe algo mais

Foto tirada por Paulo André Lima mostrando um momento em que uma bolha de sabão flutua em frente a um prédio histórico de Portugal

Na inesquecível (pelo menos para mim) cena final do seriado Sex and the City, Carrie Bradshaw anda por uma rua de Manhattan, enquanto se ouve sua voz, em off, falar sobre tipos de relacionamentos, e concluir que “o relacionamento mais excitante, desafiador e significativo de todos é aquele que você tem com você mesma”.

Essa cena veio-me à lembrança quando, respondendo a convite aberto feito pelo Instituto Pró-Diversidade, decidi considerar a possibilidade de começar a escrever uma coluna regular para o site do Instituto.

Carrie Bradshaw é um personagem de ficção. Eu não sou, ou pelo menos não inteiramente ou da mesma forma (toda identidade tem algo de fictício e construído, o que não significa que não seja verdadeira). Por isso, como diriam os Rolling Stones, please allow me to introduce myself.

Meu nome é Paulo André e tenho 55 anos. Nasci em Concórdia, no oeste de Santa Catarina, mas cresci e fui criado no Rio de Janeiro, onde vivi até os 35 anos. Em 2000, passei no concurso do Ministério das Relações Exteriores, tornei-me diplomata e mudei para Brasília. Desde então, além de Brasília, morei em Washington, nos EUA e em Frankfurt, na Alemanha, além de curtas temporadas em Paris e Bruxelas (quando criança, eu já tinha morado em Paris por dois anos, entre 1974 e 1976). Desde 2017, vivo em Lisboa, Portugal, onde devo permanecer até o segundo semestre deste ano. Meu próximo destino ainda é uma incógnita.

Minha religião é o candomblé. Sou iniciado há quase 22 anos e, em 2014, recebi o cargo de pai de santo. Sou membro do Ilé Olorum Mú Àmi Ojo Wá, um terreiro liderado por minha mãe de santo, Yá Elaine de Oxalá, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Sou gay e vivo com o Eduardo desde 2001. Há seis anos, nos casamos no papel. Nós nos conhecemos pessoalmente num bar que havia em Botafogo, chamado Tamino, em 12 de junho de 1999, numa festa de ursos. Já nos falávamos no Canal dos Ursos no MIRC e continuamos nos falando depois desse dia, embora só tenhamos começado a namorar de fato uns meses depois.

Na época, eu havia me aproximado do nascente movimento dos ursos que começava a se organizar no Brasil, principalmente no Rio e em São Paulo, depois de ler uma matéria a respeito na G Magazine. Logo me tornei um dos organizadores dos bearcontros (como eram então chamados) no Rio, e lá fiz algumas amizades que duram até hoje. Como era praxe naqueles tempos, eu tinha uma alcunha que utilizava na Internet e que servia também para me identificar nos encontros: Bearginner (uma referência a uma das minhas canções favoritas, Absolute Beginners, do David Bowie). Ainda hoje há gente que me chama de Ginner.

Atualmente, minha ligação com a “comunidade” é mais a de frequentador diletante de bares e eventos. Como todo movimento que de alguma forma dá certo, os ursos acabaram desenvolvendo seus próprios mecanismos internos de inclusão e exclusão e se tornaram um tanto prisioneiros de uma suposta identidade sempre em disputa. Eu nunca me interessei realmente em definir “o que é um urso” (embora eu saiba reconhecer um quando o vejo), mas gostava e ainda gosto das possibilidades que a emergência de modelos alternativos de elaboração e expressão da subjetividade e do desejo abrem para os indivíduos. E creio que ainda hoje, mesmo que à margem do mainstream “ursino”, ainda há espaços onde essa emergência é possível e onde todos podem se sentir de alguma maneira incluídos.

Eduardo e eu temos um relacionamento não comprometido com a monogamia. Nem com a poligamia tampouco. Somos comprometidos um com o outro e com a nossa vontade de estar juntos e de ter uma vida em comum, sem deixarmos de ser dois indivíduos com interesses e desejos próprios. O resto nós vamos lidando conforme se apresenta.

Meu peso está acima do que é considerado o desejável para minha altura, idade e constituição física. Apesar da minha barriga proeminente, não me vejo como gordo. Nem como magro. Na verdade, não me preocupo excessivamente com isso. Tento manter uma dieta que contenha doses equilibradas de saúde e de prazer. Cometo excessos, como boa parte das pessoas, mas sem exageros. E sobretudo sem culpa. Quando olho para uma comida, não vejo calorias. Antecipo sabores.

De um modo geral, sinto-me confortável no meu corpo e acho que ele combina comigo. Não foi sempre assim. Por isso mesmo, prezo muito esse sentimento, porque ele foi resultado de uma conquista que levou décadas. E da qual eu não pretendo abrir mão.

Talvez se pudesse dizer que eu aprendi a gostar de mim. Mas eu confesso que não gosto dessa formulação, pois para mim ela sugere a ideia de que a gente gostar de si não é uma coisa natural, e sim algo que a gente tem que se esforçar para fazer. Eu não concordo com isso. O que eu acho que aprendi não foi a gostar de mim. Foi a remover os muitos obstáculos que impediam que eu tivesse uma relação legal comigo mesmo. Pode parecer a mesma coisa. Mas não é.

Depois de dizer que o “relacionamento mais excitante, desafiador e significativo de todos é aquele que você tem com você mesma”, a Carrie Bradshaw comenta ainda que, se você encontra alguém que ama o mesmo “você” que você ama, isso é fabuloso. Aí eu já discordo. O que eu considero fabuloso mesmo é você se tornar o seu melhor amigo. Se eu tivesse que resumir o caminho que percorri até hoje, eu diria que foi o percurso de construção de uma amizade profunda comigo mesmo. Mesmo quando me chateio comigo mesmo, o que naturalmente acontece de vez em quando, eu sei que poderei sempre contar comigo para me acolher e me abraçar quando for preciso.

Agora que vocês já me conhecem um pouco melhor, gostaria de falar um pouco mais do que eu pretendo aqui.

Creio que, em parte, a lembrança da cena final de Sex and the City ocorreu-me por achar que escrever uma coluna regular num site é uma coisa bem Carrie Bradshaw e gostei de me ver nesse personagem. Especialmente porque os assuntos sobre os quais eu espero escrever nesse espaço não estão distantes daqueles sobre os quais a Carrie escrevia em sua própria coluna fictícia: as dores e as delícias de se ser quem se é. Para ser muito honesto, tentarei me concentrar mais nas delícias. Mas tenho consciência de que o caminho para o gozo passa muitas vezes pela dor, e não estou me referindo ao sadomasoquismo, que também é uma forma de gozo. É que desbloquear os fluxos da vitalidade exige com frequência um mergulho nas sombras e o enfrentamento de normas e padrões estabelecidos e geralmente internalizados. E isso costuma doer, no mau sentido.

O que proponho então é compartilhar com vocês reflexões, notas de leituras e também pequenas narrativas ficcionais que girem em torno das experiências singulares da diversidade, da perspectiva de um homem branco, gay, de 55 anos, casado, “gordinho”, especial mas não exclusivamente interessado em arranjos (ou agenciamentos, como diriam Gilles Deleuze e Felix Guattari) afetivos e sexuais fora da conjugalidade e da família tradicionais (que eu, aliás, acolho como uma das possibilidades de arranjo afetivo e sexual, não como norma); nas flutuações entre o que se convencionou chamar de masculino e feminino; e nas relações intergeracionais entre homens gays.

Se tudo der certo, estarei aqui a cada 15 dias com um texto novo. Espero poder contar com a sua companhia.

Até a próxima!

PS – Para quem tiver interesse, aqui está a sequência de Sex and the City à qual me referi:

Para ver mais textos de Paulo André Lima, confira sua coluna Bons momentos e quem sabe algo mais

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19 respostas

  1. É impressionante como você sempre e sempre me impressiona. Acompanharei seus textos com avidez e com amor.

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