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Ando meio desligado

Sempre tive implicância com o slogan da Globonews: “Nunca desliga”.

Em primeiro lugar, de um ponto de vista jornalístico, quando alguém diz que nunca desliga, não está dizendo que está falando coisas relevantes. Está dizendo apenas que fala sem parar. E quem fala sem parar sempre acaba dizendo bobagem. E se repete muito. Que é o que normalmente acontece com esses canais de notícias 24 horas. Na maior parte do tempo, transmitem muito ruído para pouca notícia, embora produzam a ilusão, importante para alguns, de que estão bem informados. 

Mas o que realmente me incomoda nessa ideia de nunca desligar é justamente a valorização dessa atitude de “nunca desligar”, que muita gente parece considerar algo naturalmente positivo. E que eu acho uma coisa triste e angustiante. Sempre que eu vejo a Globonews dizer que “nunca desliga”, eu penso imediatamente: “Tadinha”.

No famoso episódio musical da série “Buffy, a Caça-Vampiros”, um demônio lança um encanto que faz com que as pessoas comecem a cantar e a dançar. No início, tudo parece muito divertido e bonitinho, mas depois fica claro que o objetivo do feitiço é fazer com que as pessoas percam pouco a pouco o controle e que o canto e a dança se tornem uma coisa compulsiva e fatal. No final do episódio, há uma cena em que a Buffy começa a dançar e rodopiar sem parar, até atingir um ponto em que ela está prestes a entrar em combustão. Daí alguém a salva, o encanto se quebra e tudo volta ao normal, não me lembro bem como. 

Mas nunca consegui me esquecer dessa imagem da Buffy girando, girando e não conseguindo interromper esse ciclo vicioso. Sempre achei que isso era, de alguma forma, uma alegoria muito apropriada para o nosso tempo. Muitos anos depois, creio que é uma imagem ainda mais atual. E resume bem o meu problema com a ideia de nunca desligar.

Durante os primeiros meses da pandemia, eu ainda estava morando em Portugal e, todos os dias, os noticiários da uma da tarde divulgavam o relatório da Direção Geral de Saúde com os números de novos casos e óbitos nas 24 horas anteriores, além de apresentar um panorama geral da situação da pandemia no país e no mundo. Eu criei o hábito de me sentar para assistir esse noticiário antes do almoço. E, basicamente, era o único noticiário que eu assistia diariamente. No resto do tempo, eu acompanhava as notícias sobre a pandemia que repercutiam nas redes sociais, mas procurava de forma bastante consciente não me deixar contaminar pelo vírus da necessidade de ler e saber tudo sobre o assunto. 

Estou seguro de que essa atitude foi decisiva para que eu atravessasse esse período com relativa saúde mental. Porque havia momentos em que eu simplesmente me desligava e ia ouvir música, ler um livro ou ver um seriado na TV. O fato de duas vezes por dia, de manhã cedo e antes de dormir, ter que descer à rua quase deserta para levar o cachorro para dar uma volta, também ajudou. Era ao mesmo tempo uma pausa em tudo o mais para dar atenção ao bicho e um lembrete de que, chova ou faça sol, há coisas que são regulares e permanentes, como a necessidade do cachorro mijar e cagar. Mesmo quando estou morto de preguiça ou cansaço, os dois passeios diários com o Cacau são, ainda hoje, momentos preciosos do meu dia.

Atualmente, somos instados a estar sempre ligados e conectados ao trabalho, às redes sociais, às notificações do celular, aos novos lançamentos, a quem lacrou e a quem foi cancelado. Como se tivéssemos a obrigação de reagir em tempo real a tudo o que nos cerca. Há um sentido de urgência permanente, como se o universo fosse entrar em colapso se não respondermos imediatamente a um comentário ou a uma mensagem, se não escutarmos a música nova da fulana no momento em que ela é lançada, se não maratonarmos a nova série da Marvel ou da DC tão logo elas se tornem disponíveis no streaming, se não manifestarmos de imediato a nossa indignação com as barbaridades com que somos bombardeados diariamente ou nosso aplauso a quem se indigna antes de nós. É muito cansativo.

Tenho às vezes a sensação de que nos tornamos prisioneiros de um filme de ação melodramático, no qual precisamos estar o tempo reagindo com intensidade e dramaticidade a tudo o que acontece à nossa volta, mas onde, na verdade, estamos apenas girando sobre nós mesmos, num rodopio incessante que vai nos consumindo, até entrarmos em colapso, como no episódio da Buffy.

É preciso saber desacelerar e se desconectar de tudo às vezes. Com alguma frequência. Diariamente, se possível. 

Não é fácil. O bombardeio constante de informações e de cobranças, a velocidade alucinante do ciclo de notícias, tudo isso é ao mesmo tempo angustiante e um pouco viciante também. Há uma certa adrenalina em estar sempre ligado em tudo. Nesse carrossel alucinante, ficamos com a impressão de que, se pararmos por um minuto, podemos ser jogados para fora e nunca mais recuperar o atraso.

Mas a verdade é que o mundo não vai sentir sua falta se você se ausentar um pouco. Não que você não seja importante. Todo mundo é. Só que, se você fizer uma forcinha para resistir à tentação de subir a bordo de novo, deixar o carrossel girar sozinho e se afastar um pouco, talvez perceba que o carrossel não é o mundo todo, é apenas sua face mais visível e frenética. E talvez ganhe uma outra perspectiva sobre toda essa agitação e, quando voltar a subir no carrossel (porque em algum momento temos que voltar, faz parte), quem sabe se sinta menos tentado e obrigado a reagir a tudo.

É um pouco como na meditação. O bacana de meditar, na minha opinião, não é descobrir grandes verdades ou alcançar algum tipo de iluminação. É poder se instalar num lugar interno do qual consegue observar o fluxo incessante de seus pensamentos e emoções sem se deixar levar por eles. Como estar no alto de um prédio, ver lá de cima a agitação caótica da cidade e perceber que, na maior parte do tempo, você é um daqueles motoristas histéricos buzinando no engarrafamento. Mas que não precisa ser, pelo menos não o tempo todo.

Não estou fazendo a apologia da alienação. Estamos vivendo tempos difíceis e desafiadores e, como diziam os poetas e cantava a musa, é preciso estar atento e forte. E bem informado. Por isso mesmo, desligar é importante, eu diria mesmo fundamental. Não só porque permite o repouso da mente e do corpo, o que, em si, já é indispensável para o nosso bem-estar, mas também porque nos leva para um espaço de onde podemos ver tudo com outros olhos. Para que possamos talvez adquirir mais consciência dos lugares nos quais atuar mais efetivamente e, quem sabe, nos tornar mais seletivos em relação às nossas lutas e às nossas fontes de informação. 

Fui.

Até a próxima!

PS – Na seleção musical de hoje, temos Kid Abelha com “Nada Tanto Assim”, o saudoso Walter Franco com “Tire os Pés do Chão” e uma das minhas músicas preferidas, “Lindo Balão Azul”.

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