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Amores Estranhos

Foto: Flores murchas como de amores estranhos.

Esse texto nasce do privilégio que eu tenho de ler outros textos desse portal. Sempre tiro uma ou outra hora da semana para explorar o que outros colunistas escrevem aqui. E eu me maravilho com cada coisa linda escrita! Dá vontade de morar para sempre dentro das seções de colunistas desse site. A cada leitura, emoções me invadem e eu me vejo na minha caminhada como pessoa, reflito-me na experiência de meus amados colegas traduzida em palavras. Semana passada eu me senti profundamente tocado pelo texto “Futuros Amantes” de Paulo André Lima, que discorre de maneira sensível e inteligente sobre amores não correspondidos. Pude entender o potencial que essas experiências têm de nos transformar em seres capazes de amar. Isso é uma grande verdade.

Meus amores nunca foram muito bons, não foram pacíficos e nem totalmente aprazíveis. Isso não me tornou alguém incapaz de amar, ao contrário, tornou a minha busca mais completa. Mas essa história só faz sentido se contada do início. Minha vida amorosa começa na adolescência, no colégio. Eu tinha doze anos quando conheci uma pessoa por quem me apaixonei, um rapaz inteligente e com interesses parecidos com os meus, exceto pelo que mais importava. Eu me apaixonei por ele. Não aconteceu de repente. Antes, fomos amigos por um ano inteiro. Até que eu me apaixonei também, ao mesmo tempo, por uma colega de classe, uma garota muito bonita e inteligente, que me disse um sonoro não, quando eu tentei me aproximar. Aquilo me deixou muito dolorido e a dor só aumentou quando dias depois ela se deixou beijar por esse amigo. Eu assisti à cena perturbado, pois não sabia de quem eu sentia mais ciúmes. Eu estava perdido de amores por ambos. Aquilo me fez explodir em pedaços arremessados para todos os lados. Eu amava aquele garoto e amava aquela garota. Não queria os dois juntos, mas não saberia o que fazer se pudesse escolher um deles. Na verdade, eu não escolheria, eles se escolheram e tiveram um momento juntos, de repente ela desaparece da minha vista. O meu amado amigo se separa dela, depois de algumas ficadas. Mas nunca permitiu que eu me aproximasse dele de fato, ele não me queria, não gostava de garotos. Ele teve outras garotas, outras namoradas e eu era obrigado a vê-lo entrar e sair da companhia delas. O amor murchou e secou por falta de cultivo.

Mas nada dentro da minha cabeça era linear e exato nessa época. Amar os dois que se uniram à minha revelia não me impediu de desenvolver sentimentos semelhantes por outras pessoas. Outros garotos entraram no meu raio de visão. Passar por essa experiência de me apaixonar e ter o coração duplamente quebrado não me impedia, por mais dolorido que isso fosse, de me interessar e até me apaixonar por outros, sempre pessoas próximas, sempre amigos do peito. Isso também era dolorido, porque eu sabia que uma confissão, um toque, um beijo seria o suficiente para que a amizade ruísse ou virasse ódio e violência.

Houve um desses garotos que parecia mais interessado que os outros, insinuava-se e parecia mesmo querer algo, mas não quis, afinal e ainda acabou tentando usar isso como forma de chantagem. Tentou queimar meu filme com a turma antes que eu fizesse o mesmo que ele. Precisei tomar uma atitude inusitada. Não recomendo nunca fazer isso. Ele me ameaçou, dizendo que contaria a todos que eu era gay. Ele fez isso e me deu as costas, a mesma parte do corpo em que eu lhe dei um murro que o deixou sem ar e sem vontade de continuar o assunto. Dica: não sejam violentos com seus amigos ou pretendentes. Não melhora nada e pode piorar tudo. Ainda bem que ele ficou calado, e se ele resolvesse revidar?

Outro rapaz também me interessava muito. Era muito alegre, gostava de cantar, jogar bola odiava estudar e eu amava sua companhia. Eu já era introvertido e amava estudar, ler. Ele era uma companhia constante para a casa, já que morávamos no mesmo bairro. Estávamos sempre juntos nos mesmos horários todos os dias. Uma comemoração de aniversário em sua casa, em que jogamos ovos nele permitiu que eu pudesse vê-lo nu, porque ele resolveu se banhar depois da sujeira e invadiram o banheiro com ele dentro. Ele era um rapaz belíssimo, eu fiquei desnorteado com aquela visão, a partir daquele dia eu passei a sonhar com aquele homem, ele era um homem, mesmo com 15 anos, e jamais abri a minha boca para dizer alguma coisa. Eu era muito sério com isso tudo. Não conseguiria jamais dar em cima, não era timidez, era a consciência de que eu e ele tínhamos desejos diferentes para as coisas. Não era ainda a consciência de minha orientação sexual, mas era o mais próximo disso. Meus amores foram me construindo, permitindo a mim mesmo descobrir o que eu era e queria. Mesmo que fossem amores totalmente estranhos, porque nunca se consumavam, nunca geravam um beijo, um abraço, ao contrário, parece que me afastavam mais ainda das pessoas amadas.

Nesse ponto, eu tenho que concordar completamente com o nosso mestre, Paulo André Lima, esses amores ensinam-nos a aprender a amar sem esperar nada em troca. Eu posso dizer mais. Eles nos ensinam a lidar com os sentimentos e as sensações da paixão, a controlá-los, a permiti-los. É um longo caminho que nos leva às doçuras e levezas do NÃO, ensinam-nos a expectar um SIM. É um curso intensivo para se lidar com as frustrações.

Alias, frustração é o nome do amor que fecha a minha adolescência. Novamente um amigo, mais velho, para quem eu pude me declarar, numa longa e intensa carta de amor. Ridícula, como diria Alberto Caieiro, heterónimo de Fernando Pessoa. E após isso, ele me disse NADA. E continuou em silêncio enquanto eu definhava por dentro. Um dia, eu tive de ouvir de sua boca que ele estava namorando uma moça muito bonita e inteligente, de outra cidade. E que ele se mudaria para ficar com ela. Hoje são casados e têm filhos.

Já na idade adulta, o primeiro e plausível de meus amores vivi com um cara com quem flertava pela Internet. Ele quis ficar comigo uma única vez, dispensando-me depois para ficar com um garoto mais novo. Eu me senti muito mal por aquilo. Essa paixão foi a mais dolorida, de arrastar correntes, de dar sentido a letra de música sertaneja. Depois de ouvir da sua boca que ele preferia outra pessoa, eu tive de voltar para casa ouvindo sertanejo na rádio, no ônibus intermunicipal que me levou de volta à minha cidade. A música falava exatamente do que eu sentia, representava exatamente o que eu havia passado: uma pessoa que se declarava a sua amiga, dizendo que queria ser algo mais e não aceitava não como resposta. Aqui, as borboletas do texto magistral de Daniela Houck (Borboletas no estômago, leia), que voaram no nosso primeiro beijo, se foram de vez, deixando só a sensação de desprazer em perder mais um amor. Mas a vida continuou.

De fato, em vez de continuar sofrendo, eu resolvi caminhar, viver e poucas semanas tropecei no grande e avassalador amor da minha vida, uma pessoa com quem que relacionei por quase onze anos exclusivamente, uma história cheia de alegrias e dores, que infelizmente não acabou bem. Um dia eu conto ela toda para vocês. Mas foi interessante o começo de tudo, e isso eu preciso contar. Foi um amor que chegou calmo e tranquilo, depois de muito desgosto. Eu conheci um cara de maneira totalmente inesperada, na rua. Trocamos telefone, nos telefonamos e deixamos acontecer. Não era nenhum desespero, nenhuma paixão arrebatadora. Era um amor que se construía passo a passo. Ter passado por inúmeras ansiedades me ensinou a esperar, a não ser invasivo, a não permitir nenhuma invasão, eu me senti um adulto que sabia amar, mesmo que me faltasse a experiência concreta de relação a dois, que foi como aconteceu, eu não entrei analfabeto nessa classe da escola da vida.

A produtividade de meus amores não foi tão boa, o sétimo de meus amores deu certo, ainda que não tenha sido para sempre. Parece conta de mentiroso, mas de fato não é. Esse amor demorou a morrer, mas jaz sob a lápide de uma tragédia pessoal, um dia eu falo mais sobre ela. Já são quase três anos que tudo terminou e nenhum outro amor apareceu. Mas eu me sinto bem, eu me sinto capaz, eu me sinto pronto para amar, se isso for o meu destino. Mesmo que eu tenha um histórico de sete estranhos amores, um novo que venha aparecer não me amedronta, não me preocupa.

Não há como não lembrar de uma canção específica ao escrever a minha história. Assim, eu copio novamente o mestre Paulo André, ao usar uma canção de maneira ilustrativa. Bem quando o meu coração desabrochou para essas coisas de amor, a diva italiana Laura Pausini lançou seu álbum de estreia. cujos singles invadiram as rádios FM ainda na primeira metade dos anos de 1990. A voz maravilhosa da cantante, estridente e forte passa emoções intensas fazendo com que letras melodramáticas cheguem ao extremo das emoções, é difícil não ouvi-la, hoje em dia, é uma das vozes que eu mais ouço, sou fã inconteste de sua imensa obra. Já a canção traz em si a essência do cancioneiro latino: a força do amor, seus sentimentos avassaladores, a luta da razão em se impor a emoções que deixam os amantes à beira da loucura. E é isso que o eu-lírico de Strani Amori confessa entre antíteses que mostram o quanto o amor é doloroso e pode não ter nenhum final feliz, cheio de contradições, à moda do soneto de Camões. E é exatamente o tipo de amor descrito na canção de Laura que eu vivi, em seis dos sete que eu tive. E a canção se despede de seu ouvinte em um tom doce, apesar do drama de todo seu desenvolvimento com as palavras: “Sinto muito, tenho que ir embora / Desta vez eu prometi a mim / Porque eu quero um amor verdadeiro / Sem você”. E isso marca de maneira verdadeira o fim de amores não correspondidos, caso estejamos amando de fato. A esperança de realizar o que não pudemos num amor verdadeiro persiste, sem a pessoa que amamos. Mas continuaremos a amar, isso sempre!.

Observação: Strani Amori foi composta por  Angelo Valsiglio, Cheope, Francesco Tanini, Marco Marati e Roberto Buti. Alguns desses nomes compuseram grandes sucessos da música pop romântica italiana nesses últimos trinta anos. Laura Pausini é uma cantora italiana, estrela inconteste da música de seu país, nascida em Faenza, no interior do país. É uma grande admiradora do Brasil e de sua cultura, onde tem muitos fãs, entre eles eu.

Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos

Foto de Elijah O’Donnell no Pexels

2 respostas

  1. Meu amigo, amores estranhos, por vezes nos fazem revelar o jeito estranho de vivenciar nossos amores. Mas, este é um.dos caminhos que nós temos para amadurecer neste campo humano, demasiado humano.

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