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Almoço de domingo

Imagem nostálgica. Uma criança com capacete de fórmula 1 sentada em baixo de uma maquina de costura antiga, fazendo de conta que é um carro de corrida. #pracegover

Amanheci nostálgica e lembrando como era acordar todas as manhãs de domingo na casa dos meus pais. Acordava sentindo o cheiro do molho de tomate caseiro da minha mãe e escutando o ronco dos motores. Sim, era dia de Fórmula 1 e o Senna iria correr. Adorava assistir as corridas junto ao meu pai me explicando sobre os pilotos, suas vitórias e super máquinas. Descia da treliche e corria para a cozinha para pedir para minha mãe separar um pouco do suco de tomate para mim. Sinto o gosto até hoje!

Enquanto isso, ela interrompia os preparativos do almoço e preparava carinhosamente meu misto quente no Tostex (um tipo de torradeira manual) e um copo de leite com achocolatado. Eu e meus irmãos acordávamos tarde, porque tínhamos a mania de passar as madrugadas de sexta e sábado brincando de fazer paródias ou algo engraçado, que inventávamos na hora, como tentar cantar com a boca fechada. Eu tinha a péssima mania de ensinar palavras erradas para meu irmão reproduzir, inocentemente, na frente de alguém só para nos “matarmos de tanto rir”.

Era uma época que parecia que o tempo passava lentamente, nossa única obrigação era estudar e brincar. Aliás, adorava brincar que estava dirigindo a máquina de costura da minha mãe. Vencia todas as corridas imaginárias.

Cresci num condomínio onde passávamos os finais de semana e as férias na rua até de madrugada. Conhecíamos todo mundo, era divertido. Ainda tive o privilégio de estudar numa escola que ficava, inacreditavelmente, dentro do condomínio. Escutava o sinal de entrada da escola e saia correndo antes de fechar os portões. Quando chovia, durante o inverno, meu pai não deixava irmos. Dizia para voltarmos a dormir e que depois pegaríamos a lição do dia com algum colega da sala. Isso era apenas uma das dezenas formas de dizer “eu amo vocês”. Sou muito privilegiada, tenho os melhores pais do mundo e sou muito grata por isso.

Recordo que, a maioria dos meus amigos dizia que gostariam de ter os pais iguais aos meus. Naquela época a maior parte deles trabalhava fora, enquanto minha mãe largou o trabalho estável, numa multinacional, para cuidar de nós, vinte e quatro horas por dia. Admiro muito minha mãe por ter feito essa linda escolha. Hoje, respeito minhas amigas que são mães e também fizeram e fazem o mesmo. Infelizmente, nem todas podem, mas confesso que na maioria das vezes o dinheiro não é tudo. E, ela só desistiu de trabalhar, porque descobriu na porta da escolinha que não aguentaria ficar sem ver meus primeiros passos, meu primeiro sorriso, a primeira vez que falaria “mamã”.

Os anos foram passando e estávamos lá, sempre juntos, seja assistindo um filme, brincando, jogando jogos de tabuleiro, passeando, viajando. E com a chegada da adolescência damos um “chega pra lá” em muitas coisas. Passava horas, sozinha, no meu quarto ouvindo música, a coleção de papéis de carta, fotos de famosos e álbuns de figurinhas tinham perdido a graça. Passei a colecionar selos, moedas e dinheiro antigo de várias partes do mundo. Tenho tudo guardado até hoje.

Sempre gostei de praticar esportes, quando não escutava música, jogava vôlei ou queimada na rua do condomínio com os amigos. Os anos continuaram passando, alguns amigos se mudaram de bairro, cidade, estado – outros começaram a namorar. Os bailinhos na casa dos amigos começaram a esvaziar. As coisas foram se transformando.

Li esses dias um texto de Pedro Veraszto que dizia: “houve um dia em que pela última vez você e seus amigos de infância saíram na rua para brincar e voltaram para suas casas sem que nenhum de vocês soubesse que seria a última vez”. Isso mexeu muito comigo, porque foi exatamente o que aconteceu.

Penso em como deve sentir uma mãe quando precisa cortar o cordão umbilical e permitir que seus filhos sigam suas próprias vidas. Faz parte do ciclo evolutivo, mas fico imaginando como deve ser essa “separação” para elas. Difícil, mas necessário né?!

Os anos foram passando e quando percebi já estava com vinte, trinta, quarenta anos. Minha irmã me deu os melhores presentes que pude ter: minhas sobrinhas. Meu irmão caçula nunca saiu da casa dos meus pais. Será que ele pensa que um dia iremos voltar no tempo?! Será que ele lembra de tudo que vivemos lá juntos?! Imagino que deve ser difícil para quem vai e para quem fica também.

Não sinto mais o cheiro do molho de tomate caseiro, as corridas não tem mais a mesma graça sem o Ayrton Senna, os amigos não são os mais os mesmos. A sirene do colégio nunca mais tocou. Alguns amigos já não estão mais entre nós e as minhas coleções estão empoeiradas.

A família continua completa, seguimos sempre juntos, mas os anos simplesmente continuam passando. Sinto que agora cada vez mais rápido.

Aprendi com uma amiga, que um dia a mais será sempre um dia a menos na vida de alguém. No final das contas, o que fica serão as lembranças de tudo o que vivemos. Porque a vida não nos espera e os anos continuarão passando até que alguém saia e nunca mais volte.

Até semana que vem!

Para ver mais textos de Daniela Houck, confira sua coluna Café com Respeito!

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Uma resposta

  1. Daniela, seu texto chega como uma reflexão que venho tendo, de que o presente vai nos presenteando com fim de todas as coisas e o que fica são as lembranças, até que um dia, nós também seremos lembranças. Obrigado pela nostalgia desta narrativa…

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