Cada um de nós tem a sua história particular de como se aceitou e deu os seus primeiros passos no mundo para encarar de frente as adversidades que vão aparecendo no nosso caminho. Alguns de nós precisaram aguardar um longo período para passar por esse processo. Alguns encararam de maneira mais tênue a “saída de dentro do armário” e outros nem mesmo sequer estiveram dentro de um. O Cinema e a TV têm já apresentaram, por vezes de maneira superficial ou errônea, diversas situações do nosso cotidiano. Com o “se assumir” não seria diferente, e foi pensando nesse tema que eu escolhi não apenas um, mas dois exemplos interessantes para trazer hoje: “Será que ele é?” e “O primeiro que disse.”
Para a minha geração, conhecida como a Geração X, que teve a sua adolescência e incursão na vida adulta nos anos 90, os personagens LGBTQI+ eram raros e dificilmente nós nos sentíamos representados. Geralmente era apenas o amigo gay que servia de alívio cômico e caricato, mas em 1997 o cinema de Hollywood trouxe um personagem que me chamou a atenção: o Professor Howard Brackett, mais uma excelente atuação de Kevin Kline.
Howard é um adorado professor de literatura e treinador do time da escola. Mora numa cidadezinha do interior no Estado de Indiana. Sabe aquele tipo de cidade aonde todo mundo conhece todo mundo e que qualquer coisa que saia do seu habitual se torna um grande evento? Pois bem, essa é a cidade fictícia de Greenleaf. Howard está de casamento marcado para o final de semana com a também professora Emily Montgomery (Joan Cusack perfeita para o papel). E já posso adiantar que a cidade também está em polvorosa devido a um outro evento: a noite do Oscar. Afinal, um ex-morador da cidade é o atual queridinho de Hollywood, Drake (Matt Dillon), que está concorrendo na categoria de Melhor Ator no Oscar por sua interpretação de um soldado gay no filme “Para servir e Proteger”.
Todos os cidadãos da cidade acompanham a noite da premiação e Drake, ao vencer o prêmio, faz um agradecimento especial ao seu ex-professor Howard, por todo o apoio na época da escola e por servir de inspiração… por ser gay!
E foi assim, com um “pontapé” na apresentação mundial da Festa do Oscar, que Howard é arremessado para fora do armário.
Vamos então acompanhar todo o drama de Howard, que vai desde a negação até a aceitação, antes passando pelo julgamento da família, amigos, alunos, colegas de trabalho e dos repórteres que passam a persegui-lo atrás de entrevistas, após a transmissão da premiação.
Falar mais sobre o filme seria estragar momentos memoráveis dessa comédia romântica, mas não posso me esquecer de ressaltar a presença do repórter de entretenimento Peter Malloy (Tom Selleck mais charmoso do que nunca), que será de suma importância para o enredo.
“Será que ele é?” foi dirigido por Frank Oz e conta com o roteiro original de Paul Rudnick, que se inspirou no discurso de agradecimento de Tom Hanks em sua vitória no Oscar de 1994 pelo seu papel no filme Philadelphia. Na ocasião, Hanks agradeceu aos seus professores gays pela inspiração.
Se em “Será que ele é?” temos Howard surpreendido pela fala irresponsável do seu ex-aluno, o nosso próximo personagem tem a coragem de aproveitar o final de semana na casa dos pais para se assumir.
Em 2010 o filme “O Primeiro que disse” nos faz cruzar os mares diretamente para a cidade de Lecce, no sul da Itália, aonde acompanhamos Tommaso (Riccardo Scamarcio), que é um dos filhos da tradicional família Cantone, proprietária de uma fábrica de massas. Escritor residente em Roma, Tommaso viaja de volta para a casa dos seus pais para uma reunião na qual será anunciada a sucessão nos negócios da empresa da família. Tommaso prepara-se justamente para aproveitar o momento e assumir sua homossexualidade. O grande problema é que o seu irmão, Antônio (Alessando Preziosi) tira proveito do momento e, antes que Tommaso fale qualquer coisa, assume ser gay e acaba expulso de casa pelo pai homofóbico. Está armado o conflito no qual Tommaso passa a ocultar a sua verdade e ainda é obrigado a assumir a empresa da família, uma vez que todos estão “surtados” pela revelação do irmão. Para piorar a situação do nosso protagonista, o namorado e seus amigos resolvem fazer uma visita surpresa. Basta dizer que o que se segue são situações que nos mostram que ninguém é realmente o que aparenta ser e que a dita “família tradicional” traz consigo os seus preconceitos regados a segredos. O filme foi dirigido pelo turco Ferzan Ozpetek e participou da Seleção Oficial Panorama no Festival Internacional de Cinema de Berlim.
Ambos os filmes procuram tratar um assunto tão difícil de forma leve e divertida, mas sabendo que dentro da realidade de cada um de nós nem tudo termina em risos. Cumprem com a função de fazer com que a sociedade reflita sobre os seus preconceitos ou com a necessidade de aprovação do próximo, quando na verdade o respeito e a empatia deveriam ser palavras de ordem.
“Será que ele é?” traz o lado ruim de não se respeitar o direito da pessoa de se assumir no seu devido tempo. O erro de fazer a escolha pelo outro, principalmente quando se trata de uma decisão que não o diz respeito. Aquele “empurrãozinho” que machuca, dói e traumatiza. A crueldade humana. Já “O primeiro que disse” nos mostra que a instituição família, que deveria ter como seus princípios fundamentais o amor e o apoio, quando se trata de homossexualidade, nem sempre faz uso dos mesmos.
São filmes para se divertir, mas também para se humanizar!
Ficha Técnica
Será que ele é? (In & Out)
Diretor: Frank Oz
Elenco: Kevin Kline, Tom Selleck, Joan Cusack, Matt Dillon, Debbie Reynolds, Bob Newhart, Shalom Harlow, e Wilford Brimley.
País de origem: EUA
Ano de lançamento: 1997
Duração: 90 min
Lançamento no Brasil: Classicline
IMDb
O Primeiro que disse (Mine Vaganti)
Diretor: Ferzan Ozpetek
Elenco: Riccardo Scamarcio, Nicole Grimaudo, Alessandro Preziosi, Carmine Recano
País de origem: Itália
Ano de lançamento: 2010
Duração: 110 min
Lançamento no Brasil: Imovision
IMDb
Por Alexandre Stábile
para a coluna Meu Mundo na Tela.
13 respostas
São filmes de uma época em que também vivi e nas qual eu aprendi a duras penas o que significava ser gay. O texto me encheu de ternura e de muitas impressões boas, nem sempre as pessoas resenham obras como essas, de valor e interesse para nós. Um abraço!
Narrativa deliciosa! Me despertou o interesse por assistir, especialmente o primeiro filme.
Mine Vaganti “O primeiro que disse” é IMPECÁVEL e MARAVILHOSO! BELISSIMO filme!! Vejam!
Assisti ontem O primeiro que disse. Que filmaço. Vc ri e se emociona. Um dos melhores filmes sobre o assunto. Parabéns pela ótima crítica!
Muito Bom Alê! O primeiro filme (Será que ele é?) é muito divertido e trás boas reflexões. Já o segundo confesso que não assisti, mas fica a dica.
Parabéns pelo texto!
Boa pedida Ale, já quero assistir. Nem preciso falar que suas criticas são deliciosas para leitura é uma reflexão para o comportamento de muitos. Bjos ?
Parabéns, excelente texto.
Adorei Ale,,, bjs
EXCELENTE O ARTIGO!! JA DEIXEI ANOTADO POIS AMBOS OS FILMES PARECEM MUITO INTERESSANTES E NECESSÁRIOS!! OBRIGADA AO AUTOR POR NOS INTRODUZIR DE FORMA TÃO LEVE A UM TEMA TÃO DIFÍCIL PARA NOSSA SOCIEDADE DOENTE E CARENTE DE RESPEITO AO PRÓXIMO!!
Até doeu o meu coração agora porque havia me esquecido desses filmes divertidos e sensíveis…
Bora rever com outros olhos e reflexões .
Valeu,querido Alê, obrigada por essa preciosa dica para o final de semana e excelente texto!
O primeiro parágrafo já fiz tanta para todos nós!
Para todos nós
????????????
Muito bacana o texto!
Assisti aos dois filmes, e concordo com a “caricaturização”… que por um lado dá enredo mais divertido ao filme, mas por outro deixa de ter um pé mais firme mas vivências reais.
Por questões de gosto pessoal, eu gostei mais do “Será que ele é?”.
É meu amigo virtual, maridão do Rapha e gosta da WW. Só não sei se realmente faz o melhor brigadeiro do mundo (brincadeira, vúh?!)…
Parabéns, Alê!