São 500 mil mortos! Número assustador. Poucas ações militares, no mundo, trouxeram resultados tão alarmantes. A situação política no Brasil tem provado que estamos nos distanciando da democracia em sua essência: proteção à vida. Este é o alicerce fundamental do Estado democrático de direito. E deveria ser assim.
Inquestionavelmente, vivemos tempos sombrios. O século XXI é marcado pela era da desinformação: o discurso demagógico, oportunista e extremista se utiliza da desinformação multiplicada nas mídias sociais para disparar mentiras, dúvidas, terror, pânico junto à população. Entre muitas consequências, estão os indigestos momentos que tentamos socializar e não conseguimos. Seja pelo fato de muitos se munirem do ódio e da intolerância, seja pelo excesso de fakenews circulando e convencendo pessoas.
O que mais tenho ouvido, dentro e fora das salas de aulas e palestras, é que se tornou difícil conversar. Ou seja, o método de desagregação social fortemente implementado na era Trump, e ainda existente no Brasil, tem funcionado. Muitos estão perdendo o interesse ou simplesmente não conseguem mais dialogar com estranhos ou conhecidos. A exclusão e reclusão tem sido o caminho, ou a fuga, para tal.
Se antes, era reconfortante conversar com estranhos, hoje, isso parece assustador, pois temos receio do que o outro pensa ou fará ao ouvir o que pensamos. Eu mesmo tinha por hábito explicar aos jovens sobre estar aberto para diálogos rápidos em trânsito. Ou seja, aproveitar conversas momentâneas em ônibus e aeroportos era divertido. Isso dava leveza à vida. Para muitos, seja por questões de segurança física, seja por receios as opiniões contrárias, é impensável.
A reclusão virou o caminho. Muitos jovens tem me perguntado sobre o que fazer diante de momentos de angústia, raiva constante, dificuldade de se concentrar, e principalmente, medo de dizer e escrever o que pensa. Além dos diversos métodos e técnicas de estudo que apresento, percebo a importância sobre outro elemento: a vida em comunidade. Se a meta atual dos desmandos e desgovernos é o autoritarismo sobre nossos corações e mentes a saída, creio, é a vida em coletividade.
Lembra? Nós aprendemos isso com Gandalf, o cinzento. Muitos querem acreditar que combater o mal exige força bruta e poder. Nosso intrépido personagem de Senhor dos Anéis prova o contrário: são as pequenas coisas, as atitudes, o amor que mantém o mal longe. Por isso que o nosso herói é a menor das criaturas: um hobbit. Seria diferente na vida real?
Será que deveríamos somente nos frustrar, indignar, lutar, estudar e trabalhar? Há quem diga que a arte liberta. Não tenho dúvidas disso. Mas, não acredito que precisamos ir até o Museu do Prado para alcançar essa liberdade. Que tal ler sobre aquilo que mexe com seus sentidos? Por que não ouvir as músicas que te agradam? Em um papel escreva, desenhe, risque, se permita. Talvez esse rascunho nunca vá para um museu, mas, se eternizará em você. Isso é importante.
Ou seja, precisamos refletir sobre essa reclusão. Sim, os números são assustadores, temos medo da pandemia, está difícil conversar com as pessoas, temos dúvidas sobre o futuro político do país… Mas, isso deveria nos impedir de perguntar: Está tudo bem? Nossa! Como tenho ouvido essa reclamação: não pode perguntar para alguém se está tudo bem, pois tudo está mal. A situação é muito ruim, mas, racionalmente, não tem como dizer isso. Pessoas se casaram, tiveram filhos, combateram e venceram o câncer, conseguiram emprego em meio a uma pandemia descontrolada… Para elas, não está tudo ruim, apesar de sentirem todos os efeitos da pandemia. Elas têm coisas boas para contar, que podem ser pequenas para alguns, mas não são para elas. Vamos relembrar o que é empatia.
Sim. Perguntar se está tudo bem também é um ato de resistência. Para desgovernos fascistas cidadãos lacônicos são o ideal. Por que obedecer a isso? Proponho fazer o contrário. Quando você pergunta se alguém está bem você está oferecendo a ela a oportunidade de desabafar, explicar, chorar, reclamar, enfim, colocar para fora aquilo que a oprime. Isso não é importante? O outro também tem lágrimas para te contar, mas, em alguns momentos, também tem alegrias que deseja compartilhar e não pode, por vários motivos. Os risos reprimidos também merecem atenção.
A nossa cidadania também exige que saibamos ouvir aqueles que estão ao nosso redor. Para as nossas leis democráticas saírem do papel é preciso praticar. A prática da cidadania, da pluralidade e da diversidade propõe se permitir ouvir. Muitas vezes podemos até não ter tempo para ouvir o outro, mas perguntar sobre como ele está pode melhorar muito o dia daquela pessoa. Pode ser o início de uma maravilhosa conversa para ambos. E você: Está bem?