Não, este texto não é um tratado contra a noite de natal. Muito menos intenciona destilar ódio contra os elementos cristãos e/ou mitológicos da noite de 24 de dezembro. Pelo contrário, a meta é falar de celebração com acolhimento. Contudo, infelizmente, para a comunidade LGBTI+ as reuniões de família são momentos que envolvem muita tensão, angústia, violência e o eterno medo de voltar para o armário.
Recebo com frequência relatos de LGBTIs que sofrem com o período das festas de fim de ano. Certamente para eles se reunir para beber, comer, sorrir, brincar e brindar é tudo que se espera. O que para muitos héteros parece ser apenas mais uma confraternização, para pessoas trans, gays, lésbicas e demais, é um festival de tortura psicológica.
Em primeiro lugar, não podem ser quem são. Para se fazerem presentes nas festas sem ser fuzilados com olhares tem de esconder as cores dos adereços, não podem se maquiar, precisam conter gestos a cada segundo, não podem levar seus namorados e namoradas, não podem ir com a roupa com a qual se identificam. Ou seja, tem de voltar-se para as expectativas do padrão heterocisnormativo familiar, para não incomodar e não “atrapalhar” nas fotos.
Segundo, precisam suportar por horas as perseguições, ironias e violências travestidas de “piadas e brincadeiras”, principalmente de tios e tias, tendo de responder perguntas inconvenientes, as quais tem por meta constranger e diminuir – por exemplo, perguntando para a sobrinha lésbica sobre namorados.
Em terceiro, são obrigadas a ouvir discurso de ódio e tentativas de “cura” travestida de discurso religioso, quando na verdade é a velha intolerância e discriminação mesmo. Não há nada mais repugnante do que assistir familiares usarem o nome de Jesus para destilar ódio, preconceito e muita hipocrisia!
Em quarto lugar, quando os bêbados começam a se manifestar se aproveitam da situação de “descontrole alcoólico” para iniciar a ciranda das violências sexuais, principalmente contra crianças e adolescentes. É incrível como os pais nunca percebem ou não querem ver mesmo! Principalmente as garotas sofrem com isso, pois tentam alertar aos pais e só ouvem mais violência e desconfiança.
A lista é longa, devo dizer. Vamos ao ponto chave, então. A pergunta é, o que fazer?
Seguem nossas dicas:
Se você sabe, por repetição, que todas essas violências vão ocorrer, não vá. Para os LGBTs que são independentes financeiramente, lembre-se: você não é obrigada a suportar essas violências. Você tem sua casa e sua vida, proteja-a. Não se renda ao narcisismo de seus familiares tóxicos.
Use sua rede de sociabilidade para não ficar sozinha no natal. Converse amistosamente com seus amigos sobre como eles vão se organizar para as festas de fim de ano. O ideal é fazer isso a partir de novembro, para não ficar sozinha e chateada. Se para você ficar em casa só é uma boa opção…. faça isso e aproveite.
Mande mensagem de natal e boas festas somente para quem realmente é importante, e faça isso cedo, para você não receber respostas indesejáveis na noite de natal. Aquelas pessoas que não perdem a oportunidade de te agredir, apaga o contato (caso receba mensagens de contatos não salvos, só responda no dia seguinte). Você precisa se preservar! Manda uma mensagem geral por meio das redes sociais e vai ser feliz.
Cansou de ficar em casa… se anima… e se organize. Com meses de antecedência verifique preços de passagens e hospedagens. Finalmente o mundo está mudando. Muitos hotéis e restaurantes fazem festas de natal… verifique as vantagens, é uma oportunidade para conhecer outras pessoas também.
Se você é menor ou é dependente de seus pais, respire fundo. Faça a social, cumprimente rapidamente a todos, agradeça a presença e diga: estou com dor de cabeça… ou, meu celular pifou… ou, fui mordido por um zumbi, e vá para seu quarto, fechando a porta. Lembre-se, vão te criticar você estando presente ou não, então, pelo menos aproveite a noite para maratonar seus programas preferidos. Logo você será independente financeiramente… Tenha sempre isso em mente.
Respostas de 2
Obrigado pelo depoimento. Infelizmente, é uma realidade concreta que nos aflige frequentemente. O segredo é seguir seus passos: procurar lugares acolhedores… Merecemos o melhor, sempre!
Maravilhoso texto. Creio que a maioria dos LGBTQIAPN+ já sofreu uma ou mais vezes com o preconceito, as cobranças e as pressões vindas de amigos de familiares, exatamente nessa época do ano. Até hoje eu tenho dificuldade de estar nesses locais, mas tenho conseguido, nos últimos anos, estar em ambientes no mínimo neutros principalmente durante o Natal. Mas é isso mesmo, precisamos ser criativos e dar um passo para fora do círculo do ódio que a normalidade nos oferece.