Três Formas de Amar

Depois de muito tempo, retornei para dialogar com vocês sobre arte, conceitos e reflexões e sobre música em específico. Dando continuidade ao que vínhamos abordando, pensei em trazer algo sobre como apreciar a música. Existem três níveis de apreciação musical. A primeira é corporal, ou seja, a gente escuta a música e já sente vontade de bater o pé, ou de se balançar, ou até de dançar realmente. Logo, as obras que melhor nos traz essa sensação de resposta corpórea são mais rítmicas, geralmente têm uma percussão bem marcante, rica em variedades, mas possuem sempre um ritmo contínuo repetitivo, um ciclo rítmico que torne possível o corpo perceber esse padrão contínuo. No Brasil as nossas danças geralmente se utilizam de um compasso binário simples, ou seja, duas pulsações entre dois tempos fortes. Isso acontece no xote nordestino e no chote gaúcho, na bossa nova, no xaxado, no maracatu, no coco, no samba etc. Já nas danças europeias temos o ternário simples dos minuetos e valsas, por exemplo. A balada pode ser binário simples ou quaternário simples, mas possui uma subdivisão da pulsação em seis partes. Estejam à vontade para manifestar suas dúvidas e sugerirem novos conteúdos nos comentários.

A segunda forma de apreciação é emotiva, ou seja, ao entrar em contato com a obra, a/o ouvinte vai acessar sua bagagem histórico-emocional e reagir de acordo com suas lembranças ou com o que está vivendo emocionalmente naquele momento. Cada ouvinte vai reagir diferentemente sobre a mesma obra, porque é algo muito pessoal. Uma música pode remeter tristeza para uns como saudade ou serenidade para outros, por exemplo. A música expressionista é voltada para gerar emoções no ouvinte assim como a música do período Romântico. As canções de ninar (Berceuse), os prelúdios geralmente buscam acessar o canal emocional da/o ouvinte. É um passo além da forma corpórea. É mais profunda e mais subjetiva. Há uma preocupação de busca de um significado a partir da experiência auditiva. Essa comoção também ocorre através do corpo, pois muitas vezes a pessoa se arrepia, chora, ri, também reage corporalmente, mas de uma maneira mais íntima.

A terceira forma de ouvir é a intelectual. Essa exige conhecimentos prévios diversos para que aconteça. É o ápice da interação artística, pois muitas vezes têm de trazer relações extramusicais para que seja compreendida. É preciso entender um contexto político ou relações com outras manifestações artísticas. Aqui, ouvir não basta simplesmente. É preciso entender qual foi o processo de criação daquela obra, em que contexto a/o compositor/a se encontrava quando de sua criação, quais intenções existem por trás daquele som. O aparato tecnológico de hoje meio que fez perder um pouco essa questão. Muita gente hoje escuta música em busca da imagem e não a partir do som. Minha crítica de hoje vai para quem não escuta música, mas sim busca imagens achando que está apreciando a música.

Outro dia ouvindo música no carro, um amigo perguntou “Quem é? Quero ver.” Pegou o nome de quem cantava e correu atrás da imagem dela, para ver o estilo de roupa que usava, se dançava no palco etc. Esse é o tipo de ouvinte que ignora a música completamente e foca apenas na imagem. Não acho errado, cada um aprecia como melhor lhe couber, desde que saiba que não está apreciando música, mas sim imagens. Quando a pessoa aprecia música pela música vai provavelmente perguntar “Quem está cantando? Qual a compositora? Qual o nome?” E a partir daí vai procurar OUVIR outros trabalhos ou da intérprete ou da compositora. E dificilmente vai se interessar na imagem dela. Quero deixar claro que quem gosta de ver danças e videoclipes e roupas tem todo o direito de gostar e está livre para apreciar dessa maneira, longe de mim podar alguém, porém é bom que entenda que não está apreciando a música, mas apenas a imagem daquela artista.

Outro ponto é quem só pensa na letra da música e não na melodia e harmonia. Outro dia fiz uma composição e ia mostrar para uma amiga. Enviei a letra para ela e disse “Vou mandar a música já, já”. Fui surpreendido com um “Mas você não já me mandou a música?” E em choque tive de responder que “Não, eu enviei somente a letra, o texto, o poema.” O poema pertence à Literatura. O fato de música e letra serem conectados em muito, não confundam uma coisa com a outra. A letra é de uma arte e a música é outra expressão artística. A música não precisa de texto. Nem sequer a música vocal vai precisar de texto, pois a cantilena por exemplo é uma música vocal que não tem letra. É rico quando unimos música, literatura, dança e teatro. Mas cada um é uma arte independente. Senti uma necessidade gigante de esclarecer um pouco sobre isso.

Espero ter contribuído um pouco com sua forma de apreciar música de hoje em diante.

 

Abraço musical.

Foto de capa por RODNAE Productions no Pexels

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