Nossa história começa na cidadezinha fictícia de Gaudium do Norte, bem no interior do Rio de Janeiro. Lugar pacato, com um pouco mais de cem mil habitantes, daqueles onde a sua rua principal deságua na Praça da Matriz e de sua imponente Igreja católica, aqui a de São Francisco de Assis. A vida em Gaudium já foi bem melhor, mas isso foi antes que a paz de seus residentes fora abalada pela praga que assolou o mundo, a Covid-19. Boa parte de sua população é da área rural e com a tempestade que se seguiu muitos deles perderam o trabalho devido ao alto risco da doença que circulava solta pela cidade à procura de novas vítimas. Padre Márcio, em sua última missa e antes de fechar as portas da igreja da Matriz, pediu que todos ficassem em casa à espera de uma cura e da misericórdia Divina.
Esta também é cidade natal de Valdete, Val como o padre Márcio gosta de lhe chamar, menina inteligente e muito bonita. Val é uma menina afro-brasileira que foi abandonada às portas da Igreja da Matriz, ainda recém-nascida, para ser criada pelo seu padre e as carolas que ajudam nos serviços daquela entidade católica. Criança esperta e muito determinada, sempre disse a todos que lhe perguntaram que o seu sonho era encontrar a … Alegria da vida! Hoje com quatorze anos, Val se dedica, junto ao Padre Márcio, a amenizar o sofrimento daqueles que não possuem mais condições de sobreviver aos intemperes do dia a dia sem a assistência alheia. Ela é responsável por recolher as doações daqueles mais afortunados para que elas possam ser passados aos que deles necessitam.
Agora com essa responsabilidade, Val passou a observar mais as pessoas com quem tem contato, começou a perceber seus sofrimentos e a falta de empatia das pessoas abastadas daquela região. Como algumas pessoas conseguem ser tão boas, enquanto outras deixam seu egoísmo ditar as suas ações. Mas havia uma pessoa naquela cidade que a atraia mais, um senhor de idade que não ligava por não ter um lugar certo para colocar a sua cabeça à noite para dormir. Diziam que gostava de conversar com as estrelas e que geralmente elas lhe diziam o que deveria fazer para o dia seguinte. Alguns dizem que por ser louco ele havia esquecido o próprio nome, outros que era a idade que o deixara gagá e não lembrava de mais nada de sua vida, mas Val achava que não era nada disso, que ele apenas gostava de ouvir as estrelas e a sinfonia que elas faziam apenas para ele.
Um desses dias, Val está olhando da janela da sacristia como fazia sempre e vê o dito Senhor sentado na praça admirando os transeuntes do lugar. Uma senhora o olha com um sorriso endereçado a ele e nosso Senhor retribui com um sorriso ainda maior. Logo depois Val o vê colocando uma nota de dez reais no banco e, despretensiosamente, se levanta para sentar novamente em um outro banco em que ele podia ver o primeiro. Em seguida, um garoto de uns dezesseis anos vem caminhando lentamente com uma lágrima que insistia em esfregar o seu rosto. Ele estava muito triste por ter sido enviado para comprar pão para a sua vozinha acamada, porém havia perdido o dinheiro quando tinha parado para brincar um pouco com seus amigos. O menino resolve sentar para pensar em como contaria aquilo para a sua avó quando vê o dinheiro ali lhe esperando de braços abertos. O garoto dá um grito de felicidade e sai correndo com a nota em sua mão. Val observa a satisfação do Senhor ao ver a felicidade do garotinho. Não resistindo, Val sai correndo da igreja e vai puxar conversa com o doido da cidade, coisa que o Padre Márcio lhe havia pedido para nunca fazer. Ao chegar perto dele o Senhor acena com a cabeça e ela senta ao seu lado para gentilmente dizer:
– Desculpe, Senhor, eu estava olhando para a praça e não pude deixar de ver o que o Senhor acabou de fazer. Por que o Senhor preferiu dar o dinheiro para aquele garoto se o Senhor precisa tanto dele?
O Senhor a olha com um sorriso insistente e lhe responde:
– Oi, menina. Primeiro, obrigado por vir conversar comigo. Sinto falta de poder falar com alguém. Bem, as estrelas me avisaram em um sonho ontem que um menino teria um problema e que esta quantia seria suficiente para que ele resolvesse a situação, então assim que uma senhora me deu esse dinheiro eu sabia que deveria vir para a praça e repassar o que ganhei para o garoto
Val o olha ainda sem entender e resolve se apresentar:
– Saiba que é muito bom conversar com o Senhor. O meu nome é Val, e o seu?
O Senhor olha para o infinito por instantes tentando se lembrar e depois volta a falar:
– Faz tanto tempo que eu não ouço o meu nome que já nem me lembro mais dele, mas a primeira vez que as estrelas falaram comigo, elas falaram algo sobre um… Thorn! Pode me chamar assim se quiser.
– É um prazer, Senhor Thorn. Gostaria de poder escutar as estrelas como o Senhor.
– Ah, é uma maravilha. Elas não falam, elas cantam! Eu me lembro a primeira vez em que eu pude ouvi-las cantando. Foi um dia muito ruim para mim. Eu morava na cidade do Rio de Janeiro e eu era um homem muito orgulhoso de todo o dinheiro que tinha juntado durante os anos. Sabe, eu era muito bom para os negócios, mas, um dia, quando eu tinha acabado de fechar o melhor de todos da minha vida, eu retornava para a minha casa satisfeito e vi um menino perder a vida bem na minha frente. Ele foi atropelado e eu não pude fazer nada. Nem todo o dinheiro do mundo pôde me ajudar e, ali, com ele eu fiquei até que os bombeiros recolhessem o seu corpo e me mandassem para casa. Naquela noite eu não consegui dormir e me veio a ideia de rezar e assim eu fiz. Eu perguntei porque mesmo sendo abastado como eu era, eu não pude nada fazer para ajudar aquela criatura que estava ainda no início da sua vida. O teto começou a se desmontar acima de mim e eu pude ver as estrelas, elas cantaram e me disseram que eu tinha que aprender a enxergar a verdadeira alegria da vida e me fizeram uma proposta que mudou toda a minha vida.
Val, sem conseguir piscar o olho de tão curiosa, o interrompe perguntando:
– E o que é, Senhor Thorn? Sempre quis encontrar a alegria da vida.
O Senhor Thorn volta a sorrir para depois continuar:
– A alegria da vida não é o que juntamos para deixarmos para trás quando chegar a nossa hora, mas aquilo que juntamos e podemos levar conosco para as estrelas! Veja, lembra do menino, a felicidade que eu senti quando o vi achar aquele dinheiro no banco, esta felicidade irá me acompanhar por toda a eternidade, foi o que as estrelas me falaram. Elas me chamaram para ser um aprendiz, um aprendiz de anjo. E eu aceitei. Passei o meu comércio para o nome de todos os meus funcionários e saí porta afora e nunca mais olhei para trás.
– Aprendiz de anjo, Senhor Thorn? Mas isso é maravilhoso! Isto quer dizer que o Senhor será um anjo um dia!
Fala Val com os olhos brilhando admiração.
– Ah, mas não confunda menina Val. Um anjo pode mudar a vida de uma pessoa com a sua vontade, já um aprendiz apenas consegue conceder um breve momento de felicidade com todo o seu esforço, é a isso que eu tenho me dedicado todos esses anos, colhendo pedacinhos de alegria para carregar comigo quando eu me for. Nos últimos tempos as estrelas têm repetido que a minha hora está chegando e que eu não devo esmorecer na reta final.
Val o olha agora com seus olhos arregalados e surpresa com as suas últimas palavras e permanece sem poder nada falar por alguns instantes, mas assim que se recobra do susto ela diz em meio tom:
– Se estiver pela praça, será um prazer conversar com o Senhor novamente.
Thorn sorri em agradecimento, coloca a mão no bolso de um casaco surrado e descosturado para retirar um saco plástico que guardara na parte da manhã, pede um momento levantando o dedo para a Val e coloca o saco plástico do outro lado da praça, mas na frente deles, na passagem de tijolos vermelhos que dão um acabamento visual para aquela praça. Depois retorna para o banco onde permanece sentado:
– Espere um momento e não levante, ok? Diz Thorn para Val.
Continua…
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Respostas de 8
Já estou ansiosa pela continuação!
A segunda parte já está online!
A menina , em detrimento ao que foi sua vida ao nascer, não se esmorece e segue , com prazer , amenizando o sofrimento das pessoas!
Assim é a vida : sigamos sempre com a força do bem .
Essa primeira parte do conto já faz com que reflitamos sobre sentimentos tão em desuso atualmente, como empatia e solidariedade, e de como é gratificante pô-los em prática. Quiséramos nós, mortais da vida real, também ouvir a cantoria das estrelas! Tenho certeza de que o senhor Thorn nos mostrará um caminho para isso no decorrer da narrativa.
To aqui igual a Val, aguardando a continuação da história.🍿
Achei bem legal porque a história explora temas como empatia, solidariedade e desigualdade, contrastando a generosidade de personagens como o “Senhor das Estrelas”, um idoso misterioso que ajuda os outros de forma desinteressada, com o egoísmo de parte da população. A decisão de Val de conversar com o idoso, rompendo as regras, sugere um momento de virada em sua jornada de autodescoberta e compreensão do mundo ao seu redor, destacando a importância da conexão humana e da bondade em tempos difíceis. Me avise quando sair a segunda parte. 😊
Pra começo bem interessante o assunto abordado da nossa verdadeira missão see justo e praticar o amor não em palavras mas sim em ações. Nunca é tarde pra recomeçar na prática do bem.
Espero ansioso pelo resto da história. Muito bem escrita!