SEXO EM TEMPOS DE VIRTUALIDADE

O que é sexo? Aprendi em meus estudos de sexologia que aquilo que denominamos como sexo é uma parcela daquilo que conhecemos como sexualidade. Podemos até pensar no sexo como um instrumento da sexualidade. Portanto, o sexo é o encontro exato entre sensação e fantasia.

Por sensação, trago exatamente a ideia daquilo que é proporcionado pelo corpo e seus sentidos. Sendo assim, o maior órgão genital do corpo é a própria pele. E por fantasia, refiro-me à instância subjetiva na qual instrumentalizamos o corpo, o nosso e o do outro, com a finalidade de satisfação ou adiamento do desejo.

Porém, essa soma que torna o sexo tão fascinante tem se tornado cada vez mais escassa nos dias atuais. E, longe de apenas responsabilizar o uso que fazemos das redes sociais e mídias, também incluo a ideia de que o nosso modo de produção e trabalho nos colocou em um lugar de “não-lugar”, um estado de não estarmos mais inteiros em nada do que fazemos.

Quando foi a última vez que você saiu com seus amigos em um bar ou balada e se esqueceu ou não se importou em pegar o celular para registrar o momento? Talvez faça tanto tempo que você nem se lembre mais. E o que isso gera em nossa subjetividade?

Primeiro, mostra que não estamos vivendo o acontecimento presente, ou seja, subjetividade e sensação estão apartadas. Isso também significa que estamos vivendo o acontecimento a partir da fotografia, ou seja, do recorte, enquadramento, filtro e outras camadas que subjetivam o evento de acordo com alguma expectativa.

Assim, quando estamos com nossos amigos em uma balada ou bar, não estamos nem lá nem cá. Acreditamos que somos capazes de viver simultaneamente o que está nos acontecendo, mas ao recortar o acontecimento, limitamos todas as outras possibilidades ao nosso redor, e nossa experiência de vida naquele instante se torna apenas isso: um recorte instagramável, que vemos e revemos, até nos relacionarmos apenas com a fotografia.

Tá, mas o que isso tem a ver com o sexo? Tudo, pois precisamos lembrar que essa lógica também atravessa o exercício do sexo e da sexualidade na contemporaneidade.

Você já notou o quanto a produção pornográfica, sobretudo a partir das mídias de streaming como OnlyFans, tem criado recortes fotográficos de uma performance sexual? Esses recortes apelam puramente para um lugar que é hipersubjetivado e ausente do corpo, isto é, das sensações.

Precisamos entender que, em vez do encontro entre corpo e subjetividade que todo ato sexual nos proporciona, isto é, a sensação e a fantasia, há um desencontro. O corpo, ao nos estimularmos apenas ou exclusivamente com a fantasia do pornô e dos streamings, torna-se uma mera plataforma secundária, que apenas retroalimenta a fantasia do recorte perfeito na tela. E, por “perfeito”, trago o ideal de corpo desejável, que inegavelmente é vendido a nós como o corpo capaz de proporcionar o “verdadeiro” gozo. Com essa experiência, estamos não apenas nos afastando da inteireza das coisas, mas também da inteireza nas relações sexuais.

Não quero, com essa reflexão, propor uma atitude hipócrita, ou até autohipócrita, de condenar o pornô em sua totalidade, pois ele é um recurso de fantasia do erótico. Porém, ele não é o erótico em si. Estamos vivendo um momento em que a lógica pornográfica sugere que o pornô seja o próprio erótico. E isso está até mesmo estabelecendo o modo como nos relacionamos sexualmente.

Hoje, o acesso ao sexo via aplicativos é muito comum, ainda mais no meio gay, em que o uso do Grindr tornou-se uma tecnologia mediadora de afetos e encontros. E a linguagem dessa tecnologia é o recorte: de um pênis, de uma bunda, de um peitoral, e não de um sujeito completo. Portanto, quando marcamos um encontro com esse recorte, não estamos marcando um encontro com um sujeito com quem iremos transar, mas com partes dele, e é com essas partes que nos relacionamos. Essas partes são apenas a legitimação da minha subjetividade.

Mas qual é o problema disso? Bom, não se trata de uma questão moral ou de juízo de valor, mas de um lugar de fragmentação da experiência sexual. Vamos refletir: se eu marco um encontro com um sujeito e, mesmo vendo seu rosto, minha motivação é o seu pênis que corresponde ao meu ideal, logo já matei a experiência. Não há novidade, apenas a confirmação da minha subjetividade. Com isso, não me abro mais à possibilidade de experimentar o encontro entre sensação e fantasia.

Talvez nós, millennials, sejamos a última geração a preservar a surpresa deliciosa que é transar com alguém sem ver o seu corpo através de um recorte que corresponda ao que desejamos midiaticamente. E, por sermos essa geração, talvez também caiba a nós ensinar à próxima que o sexo não é algo que fazemos com o computador ou smartphone, mas algo delicioso que se faz com o próprio corpo e fantasia, e com a fantasia e o corpo do outro ou dos outros. Talvez aquela pessoa cuja estética não corresponde à do garoto ou garota dos streamings faça um sexo mais delicioso e potencialmente erótico do que o bombado do canal X.

O sexo precisa ser sempre divertido, explorado e experienciado. Se o seu sexo se tornou potencialmente virtualizado, pode ter certeza de que há em você a sensação de estar fragmentado ou, ainda, arriscaria dizer que há uma insegurança que o coloca no lugar seguro de um falso gozo, apenas diante de uma tela.

Foto de capa por Image Hunter retirada de Pexels.

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