Pensar em sexo é mais fácil do que fazer sexo?
Não apenas acredito que sim, como também me parece que, em breve, o próprio sexo será convertido em um aplicativo.
Num futuro talvez nem tão distante, imagino alguém curtindo sua sexta-feira à noite, colocando um óculos de realidade virtual enquanto tem um encontro com algum tipo de personagem. Há uma conta, um acesso, um login, uma senha… Você escolhe um amante ideal — que não precisa nem ser humano, pode até ser um alienígena. Você não precisa se tocar: o óculos, por meio de estímulos visuais que ativam redes neuronais específicas, será capaz de provocar sensações táteis, olfativas, gustativas… Como num sonho vívido. Tudo já está impresso em nossos arquivos celulares.
Haverá sete dias grátis. Plano básico, premium, blaster master plus. Haverá orgias virtuais. Ninguém mais se queixará do próprio corpo ou de um flerte não correspondido. Sem ISTs. Sem gravidez indesejada. Uma democracia total do orgasmo. O orgasmo, por fim, será uma constituição. Um direito nato de cada cidadão.
Tinder, Grindr, Hornet e tantos outros aplicativos de paquera? Peças de museu digital. Dinossauros. Riremos mentalmente deles: “Como eles usavam isso? Parece tão primitivo, arcaico, insuficiente.”
A geração do século XXII — ou XXIII — já não saberá mais o que é brochar, perder a química, não conseguir gozar…
A frustração será um vestígio paleolítico.
Soa absurdo o que estou dizendo?
Será mesmo?
Será que já não estamos terceirizando o sexo? Só que ainda de maneira analógica?
Nossos aplicativos ainda operam como meios para o sexo. Mas logo se tornarão um fim. O OnlyFans, o Privacy e tantos outros já são a falsa intimidade que tenta dar conta das fantasias irrealizáveis. Pagas, essas fantasias ganham mediação — entre o desejo, o outro e o simulacro.
E assim me perco num não-sei-o-quê de mim. Ora cliente, ora seguidor, mas quase nunca sujeito do meu próprio prazer.
Há dois mil anos, com o surgimento da moral cristã, o corpo e suas potências foram enjaulados num regime de autocontrole. Um autocontrole que jamais se alcança por mérito, apenas por neurose. Só os neuróticos obsessivos herdarão o céu?
Décadas, séculos, milênios…
Hoje somos o resultado recalcado dessa colonização ocidental, hétero, branca, cristã. E, mais do que isso, somos o desconforto que ela nos legou. Uma angústia que se debate entre culpa e gozo.
Somos uma sociedade viciada em sentir culpa por sentir prazer.
Essa é a nossa angústia. Nosso pacto civilizatório.
E essa conversa não é só sobre sexo — é sobre qualquer coisa que nos coloque como sujeitos do próprio prazer.
Os “homens de bem” se apavoram quando gozam, como se estivessem cometendo um crime contra Deus, a pátria e a família.
Enquanto isso, as mulheres esperam, passivas, que seu cuidado seja reconhecido por outro. Desejam ser desejadas, mas sem reivindicar o próprio desejo.
É possível sentir o puro suco da culpa em cada gozo.
No esperma.
No suor da vagina.
Mas são esses, curiosamente, os que mais gozam — não com presença e consciência, mas com falsa catarse. Como se exorcizassem seus desejos, transformando-os em demônios sempre que o outro os vive e sustenta.
Quando você goza, você curte a porra sobre sua barriga?
Você adormece com as pernas molhadas da própria gozada, do próprio suor?
Você permite-se habitar aquele torpor pós-gozo, ou corre para o banheiro, inconsciente, como se precisasse purificar os vestígios de um festim carnal que saboreou?
E quando deseja algo — saúde, cura, bem-estar —, o que você oferece em troca? Uma penitência?
“Se minha mãe sair dessa, juro por Nossa Senhora Aparecida que vou andar de joelhos até o santuário!”
Que mulher é essa que deseja a mortificação da carne? Ela curte BDSM?
Esse é o gozo?
A dor é o seu prazer?
Você quer um chicote?
E se, ao contrário, nossa cultura oferecesse poesia aos deuses ao invés de sacrifício?
“Se minha mãe se curar, declamarei Pessoa diante do altar!”
Sexo dá trabalho.
Prazer dá trabalho.
Gozar é lidar com a culpa.
Foder é encontrar o outro — o suor, o hálito, o tédio, a frustração, o fracasso, o diálogo, o ajuste fino dos corpos.
Dá trabalho depilar-se, tomar pílula, usar camisinha, lubrificante, PrEP, PEP, vestir-se, despir-se, tomar banho, sair de casa…
Cansa.
Então deixamos pra depois.
Semana que vem.
Mês que vem.
Viramos celibatários, incels, redpills.
Culpamos as mulheres, a política, o Apocalipse, o demônio.
Marchamos para Jesus, vestimos verde e amarelo, fazemos arminha.
E punhetamos às pressas com papel higiênico ao lado.
Só para negar o trabalho que é fazer sexo.
Foto de fauxels
Respostas de 2
A sociedade da culpa.Sair desse ciclo é algo a ser trabalhado, ainda tenho sinceras dúvidas se conseguiremos ( nossa geração) ser mais íntegros e libertos sexualmente e socialmente.Parabens pelo texto.
Olá minha amada irmã. Obrigado por sua leitura e reflexão.