Segundo John Locke (1632-1704), grande contratualista, a força motriz do conhecimento é a experiência. O que ele quis dizer? Locke tenta nos ensinar que não é pela simples apreensão mental que compreendemos a realidade. Ou seja, o conhecimento não estaria intrínseco em nossa alma. De fato, o conhecimento se constrói a partir de nossas vivências e experiências.
Poderíamos observar, e comprovar, o pensamento de Locke em várias situações. Quantas horas, livros, slides, desenhos e vídeos eu teria que passar para vocês conseguirem entender conceitualmente o que é um beijo? Todos sabemos que não é desta forma que apreendemos, de fato, o que é um beijo, o que significa e o que causa em nós. Todas as ferramentas acima ajudariam pouco. Somente pela prática saberíamos o que é um beijo, assim como o que não é (rindo, ao digitar!).
Não é diferente para várias momentos da nossa vida – inclusive nas relações entre nós e os outros. Por exemplo, em casa. Lembra? Certa vez, no passado, sua mãe tentou explicar o que era um choque. Para isso, ela gritava e alertava dos perigos de se aproximar de uma tomada. Mas, o que as mães sabem (adoramos questioná-las!)? Você não acreditou, achou que era exagero e foi lá lamber a tomada – ou espetá-la com um garfo. Aquele choque foi inesquecível por dois motivos: primeiro, você entendeu o que é um choque e o que ele causa no corpo – melhor evitar daqui para frente. Em segundo lugar, depois da gritaria e choro, você passou a refletir sobre a premissa de que as mães só perseguem, e por isso, exageram. Até hoje você mantém distância mais que segura das tomadas.
Existe, também, um terceiro ensinamento com este fatídico acontecimento: é preferível aprender com nossos próprios erros! Ou seja, mesmo depois de tantos alertas, livros, orientações e placas preferimos pagar para ver. Há um ditado japonês, muito repetido nos animês: existem duas formas de se aprender algo: ou com nossos erros ou com o erro dos outros. Esse ditado merece nossa atenção, pois, é racional imaginar que potencialmente sofreríamos menos se ouvíssemos as pessoas que nos cercam. Cada história, cada experiência dos mais velhos, dos professores, podem nos mostrar possíveis obstáculos nos caminhos que seriam evitados para ganhar tempo, sofrer menos e viver melhor. Mas, não é o que fazemos.
Não! Decidimos que cada um de nós sabe mais que outros, que nossas lágrimas, e sorrisos, são universais, inquestionáveis, inabaláveis, e, por isso, únicas – os 7 bilhões que habitam o planeta são únicos! Logo, na melhor das hipóteses é grande perda de tempo ouvir e creditar terceiros. Uma amiga psicóloga me ensinou: tendemos a acreditar que as nossas dores são as maiores do mundo! Somente eu sei o caminho para resolver todos os problemas existentes na galáxia.
Consequência: eu me convenço que a vida dos outros é enfadonha, cansativa, repleta de histórias longas e que não acrescentam nada. Desta forma, ao me fechar para mundo, acreditando em uma autossuficiência imaginária, crio um monte de expectativas e desejos que só poderiam ser satisfeitas pelas minhas projeções mentais. A forma como imagino um companheiro ideal, amigos ideais, clientes e vendedores ideais: Já imaginou como seria o professor ideal? Não falta neste país pessoas para criticarem escolas e universidades, porque, afinal de contas, as Instituições tem que se dobrar às expectativas e individualidades de cada um. Menos individualismo e mais senso de coletividade, por favor.
Agindo assim, quebrando a cara, longe da vida coletiva, se afastando de tudo que te incomoda, porque tudo te incomoda, resultará em muita solidão. Obviamente ninguém é obrigado a conviver com relações tóxicas, agressivas e violentas – não estou falando sobre isso! Me refiro claramente ao processo de autoisolamento imposto por você mesmo, pois tal como uma criança, não aceita o novo e nem o diferente. Deseja apenas que o mundo seja sua imagem e semelhança.
O fim não seria outro: ao se fechar e se isolar para mundo você perderá todas as oportunidades de aprender, de conviver e de conhecer os animais fantásticos que existem por aí. O mundo não é uma aventura, tem dor, sofrimento, pessoas precisando de abraços e de histórias. Desejar um par perfeito e não ser o par perfeito de alguém não trará relações afetuosas e recíprocas.
Há uma desventura te esperando, tal como é em toda história contada nos quadrinhos e animações: a personagem principal passa por difíceis privações, no seu dia a dia, coletando experiências e aprendizagens, para antes do fim, se encontrar, decidir sobre o que é importante, e, finalmente, fazer a coisa certa. Mas, você não quer nem dar o primeiro passo! Acorda, amigx. Seja a personagem principal da história da sua vida. Viva! Se perca, procure, conheça, se permita. Somente vivendo e experimentando os diferentes afetos e desafetos diários é que você poderá superar a desventura que está por vir. Você não é um mero episódio. Juntos, somos uma saga!
Foto de Capa por Péricles Formigoni