RESILIÊNCIA, POR QUÊ?

Hoje em dia, é comum que se ouça, o tempo todo, que é preciso se ter resiliência. Esse conceito substitui um monte de balela metafórica para significar que as pessoas precisam ser fortes. No caso da resiliência, além de fortes, elas têm de ser mais que flexíveis, ou seja, capazes de resistir a impactos e, por fim, voltar ao estado em que estavam antes.

A resiliência é um fator importante no uso de materiais como metais, plásticos e borrachas. Eles suportam pressões diversas e depois conseguem retornar ao estado inicial e, quanto mais resilientes, mais duráveis. Mas, e os seres humanos? Como corpos, mentes e consciências conseguem suportar pressões e retornarem ao “normal”? Que normal é esse? Quando precisamos ser resilientes, de fato, do que mesmo precisamos? Esses são questionamentos essenciais, quando percebemos que o discurso em prol da saúde mental, emocional, foi cooptado para aprimorar os processos de exploração do corpo por meio do trabalho.

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Há que se separar duas coisas bem distintas. Quando estamos em busca da saúde mental e procuramos a ajuda de um psicólogo, obviamente vamos nos descobrindo, tomando decisões e optando por atitudes pessoais que nos levam à resiliência. No entanto, essa busca e esse achado, tende a ser para o nosso bem. Um dos objetivos da saúde mental é descobrirmo-nos e, nesse processo, usar nossa energia emocional para lutar contra o que vale a pena. Isso permite fazer com que abandonemos certas lutas em prol de outras. Mas nenhum processo terapêutico nos ensina a nos tornarmos dóceis, úteis e parar de resistir ao que nos oprime.

No ambiente de trabalho, temos que lidar com constantes ataques contra o corpo e a mente. Desde jornadas exaustivas, precarização, desgastes emocionais até mesmo as pressões cotidianas que nos obrigam a trabalhar. Essas condições podem transformar a vida profissional em algo dolorido, torturante até. A maioria dos trabalhadores do mundo inteiro exerce suas funções em troca da sua subsistência. Isso às vezes se torna uma pesada chantagem contra o trabalhador. Como ele pode deixar de trabalhar, caso não se sinta mais bem fazendo o que faz? Isso é possível? Como ele pode se sustentar? Como pode transitar de um espaço a outro, usando sua capacidade laboral sem atacar a sua dignidade pessoal? Em suma. Eu estou cansado de ir trabalhar todo dia, porque isso se tornou humilhante, degradante para mim. Como poderia abandonar a profissão sem me tornar um desempregado e sem condições de me manter? Perder o trabalho pode significar, entre outras coisas, arriscar a própria existência.

Nesse contexto que saber suportar pressões e tomar decisões corretas pode ser muito importante. No capitalismo, a exploração da força de trabalho não consegue garantir a todos os trabalhadores boas condições de exercer sua profissão. Ao contrário, quanto menos se ganha, mais precarizada é a atividade laboral. Quanto menos se ganha, mais danos à saúde física e mental. Soma-se a isso várias ideias enganosas sobre trabalho, mérito e recompensa, várias pressões e o medo do desemprego, usado no capitalismo como estratégia de formação de capital humano e garantia de salários baixos. De um modo geral, todo trabalhador se sente explorado. Mas nem todos vivem essa exploração do mesmo jeito. Alguns podem ter, nesse fator exploratório, o principal motivos de suas dores, infelicidades e adoecimentos. Outros, podem romantizar suas dores, até mesmo sentir-se herói quando vence suas dificuldades, construindo para si uma narrativa de superação e vitória.

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A resiliência é necessária. Qualquer forma de existência humana, atualmente, precisa de seres que possam aguentar diversos níveis de pressão. O que precisamos, no entanto, é não deixar que essa prerrogativa da existência humana seja usada para aprofundar nossas dores e mascarar as reais responsabilidades daqueles que precisariam, em tese, cuidar de nós. A resiliência é necessária para aguentarmos pressões da nossa existência. E a nossa existência não pode, jamais deve, ser reduzida às nossas atuações profissionais em ambiente de precarização, pressão por resultados, baixos salários ou excesso de responsabilidades.

O trabalhador que consegue passar por uma jornada exaustiva, como a 6 X 1, com sorriso no rosto, sentindo-se bem e realizado, por exemplo, deve ser considerado um exemplo máximo de resiliência. Mas não significa que essa pessoa está usando sua capacidade de superar dificuldades de maneira correta. A vida tem outros desafios. Um trabalho que nos esgota, nos drena, por exemplo, pode nos tornar seres humanos incapazes de suportar outras pressões que nos esperam: relacionamentos e seus problemas, luto e perdas, dificuldades, decepções. Isso sem contar a contingência de coisas como tragédias, desastres naturais, acidentes e outras tantas coisas que fogem completamente ao nosso controle pessoal.

Até certa medida, a gente tem que estar preparada para o pior. É frustrante, para um trabalhador ou uma trabalhadora, depois de décadas, perceber que o trabalho desgastante, precarizado trouxe infelicidade, incompletitude. O trabalho exploratório rouba de nós nossas famílias, amizades, nossa saúde mental, nossos amores, nossa capacidade de sentir, criar, nosso ócio criativo. A solução para isso não é ser resiliente, mas resistir. Mas como? Como nos organizar e dizer não ao trabalho que nos mata diariamente em nome do lucro de poucos? Eis a questão do século.

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

Foto de capa: Image by Tom from Pixabay

 

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