Cada vez mais se ouve falar na tal representatividade nas empresas, principalmente nas grandes empresas, como IBM, Starbucks, Apple e startups que nasceram com uma mentalidade mais aberta, entretanto, ao olharmos algumas pesquisas percebe-se que não é assim que funciona para as empresas de médio e pequeno portes.
Uma recente pesquisa chamada de Out to succeed: realising the full potential of your LGBT talent (em tradução livre: Para progredir: percebendo todo o potencial do seu talento LGBT) feita pela PwC, em parceria com a Out Leadership, mostra que os LGBTTQI+ de diferentes países que estão no mercado de trabalho apesar de se sentirem confortáveis não esperam muito progredirem na carreira já que as empresas não oferecem muitas oportunidades de crescimento.
Outro estudo feito pela empresa de recrutamento e seleção Elancers aqui no Brasil, mostrou que 20% das empresas do país não contratariam um LGBTTQI+ com a justificativa de não terem a imagem associada a esse “tipo de profissional”, sendo que desse percentual 7% não contratariam de jeito algum e 11% só contratariam desde que estes não ocupassem um cargo de chefia.
Olhando esse cenário, conversamos com a Profª Dra. Silvia Piedade de Moraes que é pedagoga, especialista em Educação Sexual, Direito Educacional e Gestão de Ensino, além disso também é Pesquisadora nos temas de Sexualidade, Educação em Direitos Humanos, Teoria Queer, Militante feminista e de Direitos Humanos para entender melhor sobre o assunto e saber quais os desafios dos LGBTTQI+ e também das empresas para mudar este cenário.
Confira a entrevista na integra:
Por que é importante discutir a inclusão do segmento LGBTTQI+ no mercado de trabalho?
Em primeiro lugar é preciso considerar que os direitos LGBTTQI+ se constituem na esfera dos Direitos Humanos. Ao contrário do que costumam dizer, os direitos LGBTTQI+ não são privilégios, mas a garantia de que os direitos vividos pelas pessoas que não pertencem ao segmento possam ser vivenciados na vida prática. Nesse sentido, todas as esferas públicas e privadas devem ser reguladas em torno dos Direitos Humanos e, no caso do Brasil, nos direitos fundamentais da liberdade e da dignidade humana. Temos avançado em políticas públicas, com certa lentidão é fato, mas as mudanças na esfera privada, sobretudo às ligadas à ideia de mercado e lucro têm sido mais morosas quando refere à inclusão e respeito aos direitos LGBTTQI+.
As políticas de inclusão ao segmento existem porque de fato há uma imensa lacuna entre o direito e o fato. Isso quer dizer que a inclusão é uma prática de ação afirmativa fundada nos princípios da equidade, diferença e igualdade, uma tríade só compreendida quando se observa que a realidade é muito mais complexa e difícil para aqueles cujas identidades de gênero e orientação sexual são marcadas fora da ‘caixa heteronormativa’ da sociedade patriarcal que se reforça na misoginia, no sexismo e nas LGBTTQIfobias. A pergunta que deve ser feita sobre a inclusão do segmento LGBTTQI+ é – Por que é preciso uma política de inclusão para o segmento no ambiente de trabalho?
O retrato que temos, possivelmente, pode ser respondido por pelo menos dois pontos de vista: 1. O que desloca a “culpabilização” ao sujeito por uma possível má formação, falta de interesse e até má conduta (!?) e, 2. Outra que observa estruturas e subjetividades históricas mais profundas arraigadas na sociedade por meio de mitos, tabus, segregação, mecanismos sutis de violência simbólica e a cultura do ódio. Se o leitor se afina com o primeiro ponto de vista, possivelmente deva acreditar que a inclusão é importante, assim como o respeito em qualquer lugar, mas que as empresas devem também tomar cuidado com sua imagem, caso contrário parecerá um ‘possível incentivo à imoralidade’. Para esse leitor a inclusão deve vir com orientações comportamentais do tipo ‘seja discreto’, ‘evite falar sobre você’, ‘aqui é apenas um local para o trabalho’. Se a política de inclusão estiver calcada sob esta égide é tão prejudicial como se não tiver existido.
Se o leitor tem afinidade com a segunda hipótese pode ser que acredite que a inclusão é mecanismo de reparação social e que, nesse sentido, o problema social é de fato um problema de todos, sobretudo ao que não pertencem ao segmento. Costumo comparar essa forma de pensar da seguinte maneira – o problema de tem fome é, antes, um problema de quem não tem fome.
Assim, para tentar fechar a primeira questão, saliento a importância em definir quais bases estão assentadas a política de inclusão. Sugiro que a inclusão no ambiente de trabalho exista por um tempo como afirmação e em seguida como missão.
Quais as maiores dificuldades para a contratação do segmento em diferentes áreas de trabalho?
Creio que há uma ideia anterior a isso. As empresas definem suas políticas por meio das representações que suas chefias e investidores carregam dentro de si. Esse é o grande problema do preconceito institucional. As instituições são feitas por pessoas e como não existe neutralidade, elas acabam por espelhar seus próprios preconceitos nas ações empresariais. Mais difícil ainda porque como há tratados sobre a criminalização de certas condutas na maioria das vezes o argumento para a não contratação é subjetivo e velado impedindo que a discriminação seja de fato localizada. O Brasil vive essa mesma batalha quando há tempos a “boa aparência” nos anúncios de emprego era sinônimo velado de branquitude. Nada tem sido mais vergonhoso que currículos julgados pela foto 3×4 que se exigem hoje em dia. Também não é possível esconder que dinâmicas de RH são usadas para tal finalidade. Por detrás de tantos processos seletivos é possível que impera na verdade um certo padrão de ‘ser funcionári@’. Nada tem sido mais cruel que o próprio uso da palavra trejeito. Essa palavra não é carregada de estigma, ela é o próprio estigma da negatividade que funciona como uma forma de anular a existência, o jeito de ser das pessoas. Quantos recrutadores e recrutadoras não devem pensar – “Esse não, tem trejeitos.” Retornando a questão anterior, se pensa isso, deve fazer parte dos que acreditam que no ambiente de trabalho deve ser diferente, como se fosse possível que as pessoas deixassem de ser quem são, por pelo menos nove horas por dias durante seis dias na semana e onze meses no ano.
Exigir isso de uns é justamente tratar o direito com diferença, com vistas a excluir. Creio que a maioria que pensa assim, também diria ser contra tratar diferente com vistas a incluir.
Então penso que o impedimento é a própria incapacidade de pensar o direito para todos e para além de seus próprios preconceitos. Quando isso se torna o padrão de comportamento de uma empresa ela contribui para perpetuar a desigualdade.
Acredito que muitos esperam que eu diga que é preciso investir na qualificação, escolaridade e formação. Eu concordo, mas antes, quero que pensem porque é preciso investir nesses três pilares. O que acontece com as vidas LGBTTQI+ que os fazem ao longo do tempo acumular desvantagens também para a entrada no mercado de trabalho? O mecanismo é estrutural, subjetivo e violento. Entretanto, isso não isenta em nada as empresas a promoverem a inclusão. Oportunizar, sem vitimizar, é um bom começo. O segundo passo é reconhecer que na trilha da economia toda empresa privada deve lucrar, mas não a custo da manutenção do preconceito e, reguladas pelo Estado, deve ter sua contribuição social de acordo com os direitos fundamentais.
Só há um motivo para não contratar pessoas LGBTTIQ+, não querer contratá-las.
Você acredita ser importante a implementação de alguma ação afirmativa como cotas no ambiente corporativo?
Acho importante que durante um tempo e juntamente com outras políticas de ação afirmativa as cotas possam existir. É um mecanismo de reparação, cujo tempo deve servir como alavanca. Há empresas que têm realizado essa função e outras que abrem treinamento específico para o segmento. Entretanto, em um país conservador como o nosso, temos visto que lutar contra campanhas de boicote tem sido desgastante. Considero que as cotas venham junto com a divulgação de práticas de ação afirmativa que mostrem talentos, histórias de superação e também que valorizem em igual medida pessoas do segmento que chegaram ao que almejaram sem as cotas. É preciso romper com uma representação cruel que temos no imaginário social de que a orientação sexual e a identidade de gênero são maiores que o próprio sujeito em outras dimensões de sua vida. O que é uma pessoa trans? Uma infinidade de coisas – pai, mãe, estudante, irmão, professor, religioso, ateu, companheiro, chato, tímido, tudo que aquele que não é trans pode ser.
Portanto, que a cota exista, mas que junto venha uma mudança de mentalidade social.
Você acredita que a contratação de LGBTTQI+ no cenário corporativo poderia diminuir os preconceitos e aumentar a aceitação da sociedade como um todo?
A inclusão das pessoas do segmento LGBTTQI+ é um desafio no mundo todo. Há um relatório recente da ONU – Enfrentamento à discriminação LGBTTI na comunidade empresarial – padrões de conduta para empresas. Observe, os padrões de conduta são para as empresas e não para o segmento. Isso inverte toda a lógica do estigma, do sujeito para as estruturas. A ONU após uma construção conjunta com empresas de todo o mundo elencou 5 dimensões nas quais as empresas devem atuar para romper com a discriminação articuladas aos lócus onde deve acontecer. Em todas as ocasiões – 1. Respeitar os Direitos Humanos; No local de trabalho –2. Eliminar a discriminação e 3. Apoiar outras empresas que assumem o compromisso de não discriminar; No mercado – 4. Prevenir outras violações de Direitos Humanos; 5. Na comunidade – agir na esfera pública contribuindo para denunciar abusos.
Há muitas empresas ao redor do mundo que aderiram ao chamado da ONU. Podemos dizer, portanto que, sendo a maioria globalizada, esperamos impactos positivos no mundo todo, inclusive no Brasil.
Em nosso país temos uma herança empresarial hipócrita de valorizar o segmento nas épocas da Paradas LGBTTQI+. Quando o movimento se tomou visibilidade midiática, logo seu poder financeiro chamou atenção para o evento. Em São Paulo especificamente, prédios públicos e privados, rede hoteleira, shoppings, coleções de loja, produtos, livros tudo se volta para o arco-íris. Mas, quantos funcionários do segmento se efetivam no quadro dessas empresas? Como são tratados? Precisam negar sua existência para compor seus quadros?
Assim, a população LGBTTQI+ não precisa ser aceita. Ela precisa que os direitos de todos sejam para elas também. Que diferença faz se uma pessoa qualquer não aceita a homossexualidade? Ela continua existindo. Essas diferenças sempre fizeram parte da história da humanidade. É disso que se trata os Direitos Humanos.
Quais medidas seriam fundamentais para que o cenário de discriminação no mercado de trabalho seja revertido?
É preciso agir, fazer, pôr em prática políticas de ação afirmativa em todos os âmbitos. Aprovar a lei da criminalização da homofobia é muito importante no cenário nacional. Incentivar as empresas na adesão aos Programas da ONU como os citados anteriormente. É preciso também romper com a falácia de que os direitos da população LGBTTQI+ são privilégios, mas isso só é possível com formação e informação, militância, mudança de paradigma político, educacional e empresarial. Eu acredito na mudança. Há muitos profissionais de ponta, cuja orientação sexual e/ou a identidade de gênero não é a parte mais importante do seu perfil.
Profa. Dra. Silvia Piedade de Moraes
Pedagoga, Especialista em Educação Sexual, Direito Educacional e Gestão de Ensino. Professora Universitária e Pesquisadora nos temas de Sexualidade, Educação em Direitos Humanos, Teoria Queer. Militante feminista e de Direitos Humanos.
contato: silviapmoraes@hotmail.com
Uma resposta
Em primeiro lugar eu diria que a inserção no mercado de trabalho passa pela competitividade Independente da Sexualidade que se tenha. A gente sabe que há avanços no sentido de que a fluidez sexual ocorra entre detentor de chefia com liderado, por exemplo, do mesmo gênero: basta eles quererem; já entre gêneros diferentes, quando a norma da empresa “não recomenda” há a turma do “deixa disso”! Tive uma colega com chefia que foi “caindo” na sedução do funcionário sem cogitar que ele não a queria, mas a posição que ela ocupava! O “deixa disso” esclareceu e claro dito a ele pedir remoção a outro setor! Outro contexto, cheguei a ouvir do chefe que ele gostava de mim, mas mesmo ele tendo cursado faculdade, ele era apenas funcionário operacional, sempre trabalhando operando o mesmo sistema e no mesmo setor! Já com uma colega com chefia, foi o etarismo que ela se valeu por não ser competitiva, acabou sendo substituída por um colega da mesma geração dela. Por ele e eu sermos cisgeneros, ela nem percebeu a paquera que trocávamos ao nos encontrarmos! Por ter formação na área digo que podemos sim unir sexualidade e profissão, sem cometer o erro dos presumidos heteros em querer, logo, liderar. O importante na Era do Conhecimento é ser chefe de si e se esforçar em dar o seu melhor onde trabalhar. Uma das maneiras de ser atraente é o conhecimento que se tem, ter o chamado “papo cabeça”! Quem sabe esteja conosco a quebra do paradigma, mostrando que colegas podem sim se amarem! Na minha época dei tal contribuição! Excelente semana 🙂