Nesse post, eu quero reiniciar minha coluna. Um texto que a explique a partir de seu nome é uma ideia interessante. Eu quero explicar aqui um conceito central em tudo que eu escrevo. Mesmo que não seja algo aparente. Chama-se PODER. Etimologicamente falando, poder significa capacidade de fazer algo. Do ponto de vista das relações políticas, de governo ou mesmo de domínio, poder é uma prática social. Não existe um poder concentrado em indivíduos, como os superpoderes dos heróis de HQ ou filmes. Os poderes, em sociedade, têm duas características. São relações de poder. Concentram-se em discursos que contém verdade. O discurso é algo dito, escrito que seguem uma regra de formação socialmente definida. Se essa regra possui verdade em si, o discurso exerce poder: produz conhecimento e forma indivíduos ou sujeitos.
Viajando à Europa
Mas como se chegou a essa conclusão? Tudo começou no século XIX na Europa. Isso. Em primeiro lugar, vamos falar de europeus olhando para o próprio umbigo. O racionalismo cartesiano, o Iluminismo e o desenvolvimento trazido pela Revolução Industrial levaram os pensadores europeus a buscar um ponto de vista científico para explicar as coisas. Além disso, a necessidade de torná-las legais e normais era muito grande. A produção industrial de bens precisava de mão de obra. Em segundo lugar, O governo da população precisava ser racional. Abandonavam-se as relações com a Igreja Católica, as formas de governo se modificavam para dar conta do mundo moderno. Portanto, foi necessário chamar-se os conhecimentos sobre o homem e a vida para ajudar na gestão do mundo.
Em terceiro lugar, ciência possuía os discursos científicos cheios de verdade para exercer o poder. Finalmente nasce a humanidade que conhecemos. Porque ela não existia. As pessoas não sabiam que eram seres biológicos, que tinham direitos. Porém, a necessidade de se reproduzir e formar mão de obra não liberou a humanidade para ser livre. Homem, mulher, masculino e feminino eram o normal. A verdade médica sobre os corpos dizia isso. E foi necessário mais de um século para a “verdade” ser revista. A verdade concentra poder.
Um toque de clássicos sobre poder e verdade
Todos já ouvimos falar de Marx. Ele e seus colaboradores fizeram um grande esforço de entender o capitalismo, a exploração. Para a manutenção dos esquemas de poder, Marx não enxergava exatamente o poder da verdade. Mas da ideologia. Para ele, todos faziam um pacto para enganar o proletariado e mantê-lo sob controle. O Estado, as Instituições, as empresas capitalistas estão juntos. ,Um discípulo mais moderno de Marx, Althusser, chamava isso de Aparelhos Ideológicos de Estado. A educação pública ou particular oferecida às crianças era uma delas. Portanto, a doutrinação para o trabalho era um projeto guiado pela ideologia estatal. Mas ideologia é algo preocupante. Pensadores contemporâneos apontam um problema sério nessa ideia de Marx.
Em primeiro lugar, ela é fruto de um trabalho de levantamento grande de dados e análises. Mas após isso, é feito um esforço de interpretação. Hermenêutica, como se diz na filosofia. Nada de voltar ao campo e testar as hipóteses a fundo. Marx não tinha uma academia ao seu dispor. Ele tinha apenas um grupo de seguidores tímido. Acima de tudo, todos eles interessados em como suas teorias eram importantes para empoderar os trabalhadores. No entanto, os “erros” de sua interpretação foram deixados de lado. Seu modo de pensar alimentou por décadas o funcionamento das ciências humanas.
Cientistas preocuparam-se em provar a veracidade do marxismo e conseguiram. Mesmo que após muitas décadas seus vícios fossem aparentes. A ideia de ideologia é errada. Nenhum poder se exerce pela mentira. Mas se baseia na verdade. O poder não é concentrado e exercido de cima para baixo. É exercido nas mínimas relações sociais. Quanto menor o poder, mais eficiente é seu efeito. Por isso precisamos mudar de ponto de vista de vez em quando.
E agora? O que de fato acontece?
Descobriram o vacilo de Marx e a empolgação da galera com relação a isso. Mas por que passaram pano para o barbudo por tanto tempo? Porque criticar Marx só se torna possível quando a ideia do que é ciência muda. Aliás, a verdade mudou, e mudou a ciência. E com ela, a dinâmica do PODER. Com isso, criticar a forma de se entender a pobreza, a exploração e as classes sociais tinha que mudar. O discurso de Marx agora é cheio de “meias-verdades” porque possui compreensões antigas a respeito da verdade. Utiliza um parâmetro científico antigo. Por isso pode produzir equívocos. Com isso, as coisas mudam de figura. O poder se torna importante. É tributário da verdade. Não há ideologia. As pessoas não são enganadas pelo Estado. Mas são convencidas por poderes que coordenam a população para um destino comum: a vida em sociedade produtiva e lucrativa para o capitalismo.
Então Marx estava certo. Sim. O tempo todo. Principalmente quando se corrige o modo de se entender coisas que ele não seria capaz, no século XIX. A crítica a Marx mostra o poder pulverizado, as verdades patrocinadas pelos regimes de poder e multiplicam os pontos de vista. Os explorados também têm sua verdade. Talvez as verdades concorram para ver qual se torna predominante num regime. Onde há várias verdades, há verdades demais, grupos concorrentes demais e os benefícios da verdade consolidada se perdem.
Enfim, divididos e governados pelo poder e verdade
Hoje o século XXI se volta para Marx para tentar unir todos os explorados numa classe unida e falante. Porque se os modernos criticaram Marx e mostraram seus pontos fracos no campo da verdade, Marx faz o mesmo. Mostra que os filósofos modernos, entre eles Foucault, Deleuze e Guattari, Derrida, Arendt, por exemplo, não conseguem o óbvio. Unir todos contra algo que é comum. Porque sem uma noção de unidade que se fragmenta em múltiplas identidades culturais, as coisas não mudam. Não conseguimos mais unir todos os explorados em grupos óbvios que facilitam a resistência aos poderes que nos dominam. Não nos vemos como proletários. Muito menos como ex-colônias ainda sob influência de centros econômicos e culturais no Norte desenvolvidos. O poder não nos deixa ver como periféricos.
Porque quando nos olhamos, nos vemos como LGBTQIAP+, cis e transgêneros, nós nos vemos como homens e mulheres, nos vemos multiplicados de forma a nunca mais voltar a um grupo só. Marx agora critica essa verdade que facilita a exploração e é vendida como forma de compreensão do mundo o mais moderna e inclusiva.
A inclusão que divide é exclusão. Saibamos nos reagrupar e nos organizar. Nos próximos posts, vamos pensar isso de maneira mais prática para nossas vidas.
Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos
Respostas de 2
Parabéns, Alex!!!
Texto perfeito como de costume! E bora refletir…
Obrigado, vamos refletir. Temos.