“Todo dia ela faz tudo sempre igual”, já diria Chico Buarque, eu fiz e me perdi, é na automatização integral de nossas ações que nos perdemos. Não se enganem, ter rotina é muito importante, mas quando se empedra na rotina a existência se perde. Tal qual como uma linha de produção, saber o que fazer e o próximo passo facilita muito a vida, economiza o pensamento, a necessidade de se replanejar e testar novas formas de produção, mas a linha de produção padroniza e esmaga aquilo que foge, aquilo que cria.
Nos últimos meses tive a percepção sobre essa monotonia em minha vida, mas também tive ótimos reencontros comigo mesma, em várias oportunidades eu me permiti me encontrar com quem eu era, com o que eu gostava, com o que eu fazia e fiz reexistir no presente. A alegria e a nostalgia de me reencontrar me permitiu que eu lembrasse que eu gosto de pintar, que eu sonho em continuar estudando e que eu ainda tenho energia para dançar uma hora e meia em um show da minha banda favorita. Ao passo que essas coisas deixaram de ser somente memórias para ter espaço em meus recomeços, eu me senti um pouco mais eu, eu senti que cabe a mim nesse cotidiano.
O incômodo de estar cinza e longe de mim, me moveu para que eu encontrasse em mim, eu mesma, de várias idades, de vários lugares, mas no momento atual, com as marcas que me fazem ser eu de fato e com os combos de quem eu fui, sou e serei coexistindo no mesmo espaço, tempo, corpo. Parte de se encontrar também é rompimento, o acinzentar precisou de novas cores para mudar sua apresentação, rompeu com a propaganda enfurnada em nossas mentes acerca do que é ser adulto, do que é ser respeitado, do que é sucesso e do protocolo para se existir na idade que se tem. As cores vem pra reafirmar quem eu sou, o que eu quero, o que eu gosto, o que eu aceito, qual o meu limite. O cinza não desaparece, mas ele passa a ornar em conjunto, emoldurando coisas para que as artes tenham seu destaque.
A propaganda e o protocolo tão repetido e intensificado, de tanto repetir perde o sentido (tal qual sinto na música Perca-Peso), até a queda e depois do extremo busca-se o equilíbrio (Pegando Leve). O autêntico faz do muro cinza, mural de sua aquarela. Minha parte cinza, cotidiana, monótona e muitas vezes entediante, vai seguir existindo, mas ela não sou eu, não por completo, ela é um pedaço, um pedaço que ora pode ornar com o meu ser amarelo ou que pode destacar (negativamente) minha faceta verde lima, mas ela é apenas uma parte, ora incomoda, ora necessária, bem como as outras partes de mim, que brincam de esconde-esconde a depender de onde se encontra e quem a vê.
Lhe desejo autenticidade e que seja gostoso se conhecer.
Erika Tainah
Enquanto escrevia lembrei dessas músicas:
Cotidiano – Chico Buarque
Cinza – O Terno
Perca-Peso – Móveis Coloniais de Acaju
pegando leve – O Terno
Esquadros – Jaloo (ou o original da Adriana Calcanhotto)
Gentileza – Marisa Monte
Campo de Batalha – Móveis Coloniais de Acaju
Uma resposta
Que texto lindo, rico, forte, potente, multifacetado como eu, nós e todos que se permitem mergulhar no autoconhecimento.
Te admiro ainda mais… 🤍