Péricles Formigoni |
Onde estão nossos índios? Estão nas florestas ou estão nos livros de história? Estão extintos como os dinossauros ou estão baixando em terreiros de Umbanda? E antes de responder a estas perguntas, que na verdade são uma só, temos de nos perguntar o que é um índio?
E neste sentido podemos entender o indígena sobre duas óticas, sob duas visões, primeiro numa perspectiva romântica e em posteriori numa perspectiva realista.
Numa abordagem romântica, temos a ideia de um índio com cocar e saia de penas, temos a visão de uma linda índia andando nua na floresta, desvendando os segredos da mata, temos o indígena como o bom selvagem, e, por outro lado o pajé como sendo o detentor de conhecimentos de curas de todas as doenças do homem branco, temos a sociedade tribal como uma relação de equilíbrio com a natureza, relações extrativistas de coleta e caça na medida de suas necessidades, alias da necessidades da coletividade.
Neste sentido o índio vivia em paz e feliz na terra até o homem branco invadir o seu espaço e impor sua cultura, seu modo de vida, o índio era inocente e o homem branco trouxe o pecado, alias com a cultura judaico cristã criou valores novos pois onde não existia nada criou a nudez, depois o pudor, depois o pecado, depois o perdão, depois a redenção, depois a salvação, depois a vida eterna e depois explicou algo do tipo Adão e Eva andavam nus no paraíso e sabemos que na América pré-colombiana nem existia maça pra comer, pois as primeiras mudas vieram bem depois das caravelas.
Enfim, todos adoram os índios, sua beleza e sua exoticidade, todo mundo queria ser índio, brincar de índio, até porque para muitos o índio não trabalha, ele faz o mínimo necessário para sobreviver, pois a Natureza, grande mãe lhe dá tudo.
Entretanto, existe uma visão mais realista, não que a outra seja inválida, ela é válida na mente das pessoas românticas que acreditam em muitos ideais e belezas que o mundo supostamente tem, nem que seja no mundo das fadas, numa visão realista, devemos perceber que o índio não era tão inocente assim, bem como não existe tanta beleza em se morar no mato, olhando do ponto de vista da cidade a natureza é bem atrativa, mas a natureza não oferece o conforto e comodidade que se tem nos grandes centros urbanos de forma natural, comida não brota na geladeira, mas também não existem congelados na selva.
Em primeiro lugar, agora numa abordagem realista, cocar e saia de penas funcionam bem no calor e são apenas adornos e não vestimentas e imaginem quantos pássaros teríamos de matar para fazermos ternos elegantes e vestidos de penas?
Crime ambiental! Roupas são necessárias não só por conduta social mas também para nos proteger do frio e do calor, bem como acabam sendo uma questão de higiene e identificação como uniformes e jalecos, não dá pra ficar pintando patentes de urucum diariamente pelo corpo todo. Índios modernos querem se vestir como todas as demais pessoas, eles tem direito a isto e não são alegorias de carnaval ou adornos.
A visão de uma linda índia andando nua na floresta além de machismo puro, pois ninguém acha lindo um índio desfilando com seu genital balançando pelos campos floridos, também não tem contexto com beleza, e sim com o fato de nem todas a tribos terem um artesanato avançado, e assim nem todos poderem tecer vestes.
O corpo nu exposto a Sol, chuva, espinhos, cavacos de madeira, pedras, insetos, plantas venenosas ou tóxicas dentre outros segredos da mata, acaba sofrendo muito e havendo envelhecimento precoce. Índias e índios tem direito a manter a integridade física de seu corpo e cuidar do mesmo com o mesmo carinho que todos nós cuidamos. Tomar banho de cachoeira é lindo, mas nas pedras tem mato, tem cobras, tem insetos, tem piranhas no rio, tem água gelada o ano todo… e nós que adoramos um banho quente viveríamos imundos!
Quanto a ser o bom selvagem, gostaria de saber bom para que? Bom para serem escravizados, bom para serem explorados em sua inocência e ignorância das coisas do homem branco da época dos descobrimentos, bom no sentido de ter sido fácil enganar este povo com truques baratos e promessas de uma vida melhor no paraíso extra terreno, e bom até hoje para que muitos utilizem a causa indígena em benefício próprio e não para realmente ajudar os remanescentes.
Quanto ao Pajé como sendo o detentor de conhecimentos de curas de todas as doenças do homem branco, todos sabemos, ou deveríamos saber, que quando os europeus chegaram na América, muitos nativos morreram de gripe, de doenças venéreas, de outras infecções e doenças que os pajés nem sabiam existir, e ademais disto, todos os remédios são extraídos da natureza, os homeopáticos ou alopáticos (medicina tradicional da industria farmacêutica) os pajés são mentores espirituais e de cura importante para a cultura indígena, mas ao nosso ver o que o indígena necessita hoje é de acesso a atendimento de saúde integral e universal preconizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Na sociedade tribal primitiva realmente existe uma relação de equilíbrio com a natureza, inclusive nas relações extrativistas de coleta e caça atendendo a coletividade, mas neste caso a degradação que existe na tribo é bem menor que numa cidade, contudo, imaginemos uma tribo com 11 milhões de habitantes como a cidade de São Paulo (só a capital e dados aproximados), mesmo contando que não existiria lixo, pois utilizaria-se tudo diretamente da natureza, será que existiriam rios os suficiente para todos nós tomarmos banhos, e animais o suficiente para realizarmos a caça, ou cocos, bananas e outras frutinhas para alimentar a todos com qualidade, e tendo em vista que iriamos morar em ocas, será que a necessidade de espaço e no caso totalmente horizontal pois mesmo sendo uma habitação coletiva, desconhecemos os Ocacéus (ocas com muitos andares, um neologismo bobo que inventamos agora, esperamos que gostem), e até mesmo imaginem quantas mandiocas teríamos de plantar, ralar e armazenar a seco seriam necessárias para atender a demanda. Indígenas necessitam de ter seu espaço dentro do ambiente urbano e acesso aos seus instrumentos e comodidades.
Na mesma São Paulo Tribal imaginada anteriormente, o índio viveria em paz e feliz na terra? Infelizmente não, mais uma vez deveríamos saber que os índios na América viviam em guerra entre suas tribos, agora imaginemos que na Sampa Tribal cada bairro fosse uma tribo, existiria paz e harmonia? Os Índios da Tribo Tatuapé se encontram com os índios da Tribo Morumbi no grande shopping Oca, mas ai os índios da tribo Parelheiros junto com os índios da tribo Guaianases resolvem dar um rolezinho la no shopping Oca… nós todos já sabemos no que que daria isto!
Realmente, todos adoram os índios, sua beleza e sua exoticidade, nós também adoramos, mas achamos que nem todo mundo queria ser índio, brincar de índio, até porque o índio trabalha, ele precisa sobreviver, a Natureza, grande mãe lhe dá tudo, mas o índio tem de ir lá buscar, como todos nós precisamos correr atrás de nossos sonhos.
Onde estão nossos índios? Na cidade de São Paulo existem 12.977 índios sendo que apenas 867 vivem em tribo (dados do IBGE), mas nossos índios não estão só ai, nossos índios então nos nossos hábitos, no fato de tomarmos banho todos os dias, de comermos mandioca, no carnaval, na nossa língua, nos nomes de nossas ruas, praças, bairros, idosos, crianças, lendas, tradições e na verdade nossos índios estão dentro de nós!
Nós é que precisamos entender os nossos índios como eles são, ouvir suas necessidades, seus anseios, seus desejos e não ficarmos de adivinhações ou de suposições, temos de empoderar nossos índios, também em nós mesmos, para que os índios não se tornem pessoas com um passado, com um incerto presente mas aparentemente sem nenhum futuro!