O OVO DA SERPENTE

Todo esse problema que estamos vivendo no país, nesse momento, com parte da população hesitante em reconhecer o resultado de eleições livres, nasce no nosso passado colonial, cresce e se desenvolve no século XX e dá frutos no século atual. A ideia de que a democracia está aí para ser desrespeitada é uma constante no modo brasileiro de pensar a política. Vide nossa história. Em 200 anos de independência, saímos de uma monarquia imperial quase absolutista para uma série de governos, ora republicanos, ora autoritários, sempre voltados aos interesses dos mais ricos. Mas, enfim, isso explica tudo? Explicar, explica… Mas é impossível contextualizar tudo isso sem elementos novos. E um deles é uma série de eventos de caráter político que se sucederam há nove anos, em 2013.

No outono desse ano, o Brasil foi tomado por uma série de movimentos que, partindo de reivindicações populares, mostraram uma agenda complexa de instatisfações de vários setores da sociedade com governos populares. No entanto, ao longo dos meses, até outubro, pelo menos, desse ano, ficou clara a contestação de setores da classe média e burguesia brasileira ao governo federal. Mesmo que tenha surgido por uma série de movimentos populares, de ida às ruas, cyberativismo e até mesmo ações de grupos Black Blocs, a manipulação política das Jornadas de Junho se mostraram parte de uma ação política do setor conservador brasileiro, do partido PSDB e outros envolvidos na última eleição. Nesse momento da história do país, Aécio Neves, o perdedor das eleições, mostrou um protagonismo imenso, provocando muitas discussões e inflamando parte da população pelo questionamento de várias ações governamentais. A princípio, leis impopulares e aumentos em tarifas de transporte público geraram os protestos massivos. Depois, as manifestações pediam o fim da corrupção no governo, seguindo-se a um clima de intensas atividades, denúncias e a instalação de uma megaoperação, a Lava Jato,  de investigação de casos de corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça, principalmente. A força tarefa criada para isso, contou com nomes, como o do ex-juiz Sérgio Moro e o então procurador da república, Deltan Dallagnol.

As ações dessa investigação tiveram um grande impacto na política brasileira e suas principais ações, além de milhares de investigações e prisões, foi a criação de um clima de instabilidade política e insatisfação que gerou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a posterior condenação e prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, ambos do PT (Partido dos Trabalhadores), abrindo espaço para novas configurações políticas. A princípio, a leitura dos fatos permitia entender que, com o impedimento de Dilma e a prisão de Lula, os adversários políticos do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) seriam tirados do caminho. No entanto, a Operação Lava Jato tornou-se politicamente incontrolável por um ou outro partido, pois suas ações se refletiram em políticos de todos os setores, com condenações e a prática de vazamento de informações de maneira estratégica, como forma de angariar apoio da população à ação da justiça e da Polícia Federal.

Essa forma de cooptar o apoio da população, por exemplo, foi muito importante, pois mostrou o viés eleitoral da operação. Não mais capitaneada por um partido, como se supunha, mas por uma classe social burguesa, dirigente, detentora de postos de trabalho e com grande influência nas campanhas políticas. A burguesia brasileira esperou emergir, no cenário das contestações de 2013 a 2016, uma figura que representasse as intenções polítcas da população. E ela surgiu: o deputado federal Jair Bolsonaro, com seu discurso conservador, direitista, fascistoide e delirante. Sua liderança política se deu a partir de um estado de extrema insatisfação com o governo de centro-esquerda do PT, com o clima de extrema desconfiança da política tradicional realizada no país, por causa da Lava Jato e, por fim, por um desempenho econômico medíocre do governo de Dilma Rousseff. O PT, como partido com ideologia social-democrática, fazia o possível para evitar reformas trabalhistas e previdenciárias, que tramitavam no Congresso havia anos, com o intuito de facilitar e desonerar os empregadores, insatisfeitos com leis protecionistas e altas cargas de tributos.

Com o fim do governo de Rousseff, as reformas vieram à tona e, em 2018, uma nova eleição não contou com a presença de Lula, por estar condenado e preso por crimes investigados pela Lava Jato. Sua condenação, no entanto, não durou o suficiente para que ele ficasse muito tempo encarcerado. Mas o suficiente para que não disputasse eleições. Nesse intervalo, Jair Bolsonaro se elege com apoio forte e consistente de todos os setores produtivos da economia brasileira e com significativo apoio de católicos tradicionais e espiritas, além que um apoio quase unânime de evangélicos. O presidente representaria uma guinada à direita, conservadora, tradicionalista e traria toda a segurança para o desenvolvimento econômico. Isso porque Bolsonaro, a priori, apoiaria toda e qualquer reforma que fosse benéfica para a classe dominante e empregadora do país.

No entanto, a incapacidade de sua equipe em administrar, as modificações radicais na estrutura dos ministérios e o surgimento da pandemia de SARS-COVID19 trouxeram desafios que o governo federal não conseguiu vencer. A piora da economia, a falta de controle do câmbio e a inflação, já presentes no primeiro ano de governo, pioraram com o efeito da pandemia na economia. Por fim, a gestão da saúde nesse período trouxe uma série de problemas, cada vez piores, envolvendo mortandade, escândalos e declarações estapafúrdias de Bolsonaro e seus ministros. Seu governo termina em dezembro, com saldo positivo de mortes por COVID19 e alta apenas na inflação, com péssimos resultados sociais e econômicos que passam por todos os setores, tendo sido afetados diretamente ou não pela pandemia.

O mais importante, depois da eleição que colocou novamente Lula no poder, é pensarmos porque alguns setores ainda resistem em aceitar o resultado de eleições limpas? Porque o fascismo, a antidemocracia que foi novamente reavivada nas Jornadas de Junho de 2013 criaram asas, garras e dentes. Agora elas estão agarradas à nossa carne e não querem ir embora. Bolsonaristas fizeram, nas últimas 36 horas, centenas de bloqueios em rodovias, de maneira mais ou menos coordenada, para protestar contra a Justiça Eleitoral, o STF e pedir GOLPE militar. Isso mesmo, nem mais é intervenção. Mas golpe, com todas letras. Motivo? O candidato do grupo militante pela antidemocracia não ganhou. Sem todo o apoio que precisa para um golpe, aquartelado dentro do Palácio do Planalto, Bolsonaro espera que a sociedade se desorganize sozinha para que ele possa sair em sua defesa com as Forças Armadas, se for preciso. Nesse meio tempo, as instituições fazem corpo mole, temendo resolver uma coisa e alimentar outra pior, criando conflitos que justificariam as ações de Bolsonar. Sem muita opção, a população brasileira segue, vendo incrédula essa movimentação estúpida pedindo que o país entre em desgraça a troco de mágoa e falta de compreensão.

Mas, enfim, esperamos com a fé na justiça. Se, por um lado, as coisas andam por esse jeito, por outro andam como o esperado. A Justiça Eleitoral ratificou a eleição. Os poderes instituídos deram boas vindas ao vencedor, Luis Inácio Lula da Silva, que vai tomar uma posse inédita, depois do fato inédito de se eleger três vezes por voto popular. A sociedade lamenta as ações estúpidas do governo, do presidente, das pessoas que se envolveram em ações criminosas, ilegais e em protestos contra a democracia. Aguardemos os próximos passos de todos os envolvidos e tenhamos certeza ao dar os nossos próprios.

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

Crédito da imagem de capa: Urutu (O Ovo), de Tarsila do Amaral (1928).
Disponível em https://www.reddit.com/r/museum/comments/7hnehb/tarsila_do_amaral_urutu_1928/

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