Começar este texto não é fácil, podemos pensar o quanto óbvio é sentir medo da maldade, seja ela encarnada em algo sobrenatural ou encarnada na ação humana. O medo que sinto é na verdade o de me tornar mau. E assim já início com uma confissão.
Penso se por algum motivo algo se transformasse no meu interior e sentimentos como raiva, ódio e desprezo se tornassem mais fortes no meu agir, viver e pensar. Estas considerações sempre são trabalhadas no cinema, então temos uma boa gama de referências para refletirmos sobre esta questão. O fato é que a bondade é algo que requer exercício e profundidade, ser bom não é um ato fácil e automático.
A banalidade do mal, tema muito discutido por Arendt, fala que o mal sim é raso, não requer um diálogo aprofundado consigo mesmo. Ele é fruto da falta de criticidade de uma pessoa que, por motivos diversos e burocráticos, possa praticá-lo sem maiores questionamentos. O ato de bondade não, ele é complexo.
Isto me faz pensar na frase de Gandalf em O Senhor dos Anéis: São as pequenas coisas, as tarefas diárias de pessoas comuns que mantém o mal afastado, simples ações de bondades e amor.
Simples ações, nem por isso fáceis de executar. Mas sim, as tarefas diárias, as questões corriqueiras da vida, por si só já são exercícios muito bons para praticar o bem, mas requer disciplina, pois é um exercício contínuo e diário. Penso também que a esperança é um ato que nos ajuda a expulsar os fantasmas e o medo, acreditar que algo ainda maravilhoso irá acontecer. Mas esperança sem ação é apenas utopia.
O que afinal tento aqui dizer é que o ser humano possui em si tanto bondade quanto maldade, sentimos raiva, sentimos ódio, sentimos desprezo, sentimos indiferença a dor do outro. Quando deixamos de racionalizar estes sentimentos, quando deixamos de questionar sobre isso, de problematizar, quando apenas vamos sentindo e normalizando a dor do outro, a raiva pelo outro, estamos abrindo as portas para que algo muito ruim se instale em nós, a balança inevitavelmente irá pender para o outro lado. Sim, temos luz e trevas dentro de nós, já diria Sirius Black a Harry Potter, mas ele também diz “o que importa é o lado no qual decidimos agir, isso é o que realmente somos”. Mais uma vez, a bondade tem haver com ação, disciplina, com atos ainda que simples, mas também com criticidade, questionamento e escolha. É preciso escolher o bem e nele residir, pleno e por completo.
Sim, eu tenho medo da maldade! O meu medo é de não enxergar a inocência de uma criança e, por isso, de não a proteger de perder esta inocência. Medo de não me doer um corpo deixado de lado num supermercado, como um nada, enquanto as famílias continuam suas compras e nem imaginam o que acontece ao seu redor. Mas é preciso acreditar e por este ato de crença, executar e trabalhar o bem em todos os sentidos.
Por Raphaelly Bueno com coautoria de Débora Moncorvo para a coluna Contraponto
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