Estamos no mês do orgulho gay e a poucos dias do Dia Internacional do Orgulho LGBT+ e me pego a pensar sobre meu processo de autoaceitação. No meu primeiro texto aqui nesse espaço eu contei um pouco de como minha família lidou com o assunto. Mas agora vou contar como foi o antes.
Nós, LGBT+, sabemos que nossa orientação ou identidade de gênero nasce conosco mas o que difere muitas vezes é o tempo que levamos para nos identificar e nos amar da forma que somos. Algumas pessoas levam a vida inteira, outras são mais precoces e pra mim tudo aconteceu em 2005, ano que completava 20 anos.
Eu sempre fui muito tímido, principalmente na adolescência, tive muitos problemas de autoestima e dificuldade de socializar. Até lembro dos amiguinhos pelos quais eu sentia atração, mas na época eu não aceitava isso. Fui criado numa família evangélica e essa também era minha fé. E não era permitido ser gay, com isso minha tendência foi negar meus próprios instintos.
Eu não tive nenhum tipo de representatividade para me explicar o que estava sentido. Tinha um tio-bisavô que pouco via e, no máximo, a Vera Verão (risos). E quando minha família descobriu sobre a orientação do meu irmão foi muito traumático. Eu tinha 16 anos na época e era ingênuo de tudo. Eu assumi uma postura homofóbica com ele no início, por que era os valores, ou a falta de, que tinha na época. Meu irmão disse à família que viraria hétero e um ano depois se mudou para Londres. Julguei meu irmão e pedi perdão por isso. Depois comecei a me informar sobre o que era ser gay e entender melhor sobre o assunto e, com isso, mudei de postura. Pensei: “se o mundo inteiro vai jogar pedras no meu irmão, eu não vou ajudar”. Assim, comecei a tentar entender mais sobre a homossexualidade e isso me salvou. Mesmo assim eu me cobrava para não ser gay.
Na minha adolescência eu era cheio de amores platônicos e talvez ainda seja (risos). Era inseguro, com baixa autoestima, tímido e, por isso, nunca cheguei flertar com garotas. O medo da rejeição me dominava. Meninos? nem pensar.
Só me abri socialmente quando fiz 18 anos. Fiz amizades e comecei a ter minha turma. Não demorou muito para me apaixonar perdidamente por uma amiga. Eu sonhava, como eu sonhava! Sonhava em namorar, casar, tomar sorvete. Nunca pensava em sexo. Era um amor totalmente platônico. E também, iria comparar com o que? Eu nunca tinha nem beijado!
Nutri essa paixão por muito tempo, mas depois dos meus dezenove, conheci o cara que me despertaria tudo o que estava guardando. Começou com tesão. Aqueles pensamentos que vinham no banheiro. Nos sonhos ainda era ela. Para mim era algo como “eu não sou gay, isso é só putaria”. Na época a gente era uma turma de karaokê, toda semana estávamos em um bar diferente com toda a galera. E ele se uniu ao grupo.
Foi aí que entrou um personagem especial na minha história. E digo personagem mesmo, de novela! Aquela boa representatividade que faz toda a diferença. Hoje a gente tem vários artistas e personagens para se inspirar (menos o Crô). Mas estou falando de uma época em que personagens gays ainda eram um tabu na TV aberta, e isso não faz nem vinte anos. Nessa época, a Rede Globo transmitia a novela América. E tinha o Junior, personagem do Bruno Gagliasso.
Foi muito interessante essa relação que criei com o personagem pois na medida que o Junior ia se descobrindo na novela eu ia me identificando com as mesmas questões. Ele se questionava e eu pensava “mas eu penso assim”. Tinha capítulos que eu chegava a perder o fôlego. Vivia disfarçando pra minha mãe que assistia a novela comigo, principalmente quando ela soltava comentários sobre o personagem. Meio que vivi o que ele estava vivendo na novela e, à medida que o personagem se desenvolvia, eu me descobria. Toda a minha gratidão ao Bruno Gagliasso e à Gloria Perez por esse personagem incrível.
E assim foi passando o ano e chegou meu aniversário de 20 anos. Juntei toda a turma e comemorei num karaokê que ficava em frente ao Shopping Internacional Guarulhos, o Funchal. Local que a gente batia cartão. A noite foi incrível. O problema foi depois. Eu cheguei em casa naquela noite angustiado. Acho que nem seria capaz de descrever tudo o que eu senti. Eu estava apaixonado pelo meu amigo e não sabia lidar. Mas como isso poderia acontecer se eu não era gay?
Vamos lá, o meu primeiro passo foi procurar apoio. Escolhi uma amiga para contar, a Déka. Chamei ela no MSN e disse que tinha algo pra contar. Demorei três horas pra dizer a frase “Estou apaixonado por fulano”. Chorei compulsivamente essas três horas para conseguir escrever o que estava sentindo. Chorei o resto da noite também. Aquilo era muito pesado pra mim. Seria eu um pecador? Estaria eu condenado ao inferno por ser gay? Eu era uma abominação? Palavras que giravam na minha mente (hoje eu sei que não, cause God makes no mistakes. I’m on the right track, baby I was born this way).
No dia seguinte, minha amiga insistiu para eu contar para o Cláudio, meu melhor amigo na época. E como eu faria isso? O que ele pensaria de mim? E se ele me julgasse? E se ele terminasse a amizade comigo ali? Hoje eu sei que quem me virou as costas não era meu amigo de verdade. Mas na época eu não sabia. Quando eu contei. ele ficou em silêncio por um tempo. Depois disse que estava tudo bem, que eu era o melhor amigo dele e isso que era importante. E isso foi o melhor que eu poderia ter naquele momento.
Demorou ainda um tempo pra eu entender tudo que estava acontecendo, mas algumas semanas depois eu viajei para o litoral com alguns amigos. Ah, o mar. O mar sempre me acalma. Andei por horas na beira da água. Pensando. Pensando. Minha cabeça calculava tudo o que estava acontecendo. Em um determinado momento eu sentei em frente ao mar. Tinha chegado a uma conclusão. Pensei: “eu posso viver uma mentira para os outros ou viver uma verdade para mim”. E foi aí, sentado na areia, em frente ao mar, que disse pra mim pela primeira vez que eu era gay. Foi ali que eu me aceitei como gay. E foi a partir desse momento tudo mudou. (A foto desta publicação foi algumas horas depois desse momento.)
Nossa vida como LGBT+ é uma luta constante. Para uns de nós existem os privilégios e para outros a falta de. Se pudesse mudar minha orientação hoje eu não mudaria. Talvez, há dez anos sim. Hoje não. Tenho orgulho de quem me tornei. Mesmo com todos os contratempos. Foram eles que me moldaram para ser a pessoa que sou hoje. Hoje, quando eu luto, eu luto para que outras pessoas não precisem passar pelo que passei. Luto pelo que outros gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, queers, intersexuais, pansexuais, e outros que fazem parte da sigla +, passaram.
E é por isso que celebro o ORGULHO GAY! É para isso que ele serve. Serve para a gente olhar para dentro de nós e não ter vergonha de quem somos. Pois somos pessoas incríveis e não ser heterossexual ou cis não faz de nós menos que eles. E precisamos ser frequentemente lembrados disso, para que as pessoas não nos subjulguem.
Ah, o Junior não teve beijo gay na TV, nem eu com meu crush. Isso aconteceu alguns dramas depois, com 21 anos. Mas essa história eu conto numa próxima!
Agora me conte… como foi sua autoaceitação? Você tem orgulho de si mesmo? Vou adorar seu comentário!
Por Dan Barroso
para a coluna C’est La Vie!
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Talvez para mim tenha sido mais natural por ter dividido quarto com algum irmão e ter até presenciado ele dormindo com calção de pijama sem cueca! Mas nunca fui de polemizar: quando a vida vai moldando a gente no sentido de tomar as próprias decisões tudo parece fluir melhor! Em 1986, quando fiquei com colega, eu 20 anos e ele uns 35 anos e, minha irmã que havia saído de casa para ter “mais liberdade” pensei é que ser hetero era mais complicado e pensei também um homem me tratou tão bem! Minha mãe, viúva, até compreensivel ela buscar que minha irmã fosse mais sensata para evitar uma gravidez já que naquela época haviam fraldas com a frase: “E a pílula falhou”! Mas uma coisa que sempre valorizei foi o prazer sexual sem afetar minha anatomia: na terceira experiência com homem que fui penetrado no anus. Anteriormente, entre nádegas e conversado pacificamente, até porque boa escuta e carinhoso, sempre fui e sou!
Acho que me lembro bem daquela noite na Funchal cara…
E, confesso a você que naquele momento em que te vi chorando, no fundo eu sabia que não era por ela e sim por ele…
Abraços mano!!!
Oi, Dan!
Em todo texto seu entra um cisco no meu olho… :-…
“Meu irmão disse à família que viraria hétero” :-… >>> Imagina a dor de alguém querer se tornar uma coisa que não é para continuar sendo amado e aceito pela família?!
Também me identifiquei e me emocionei com outras passagens… acho que a maioria dos LGBT passa pelas mesmas coisas de uma forma ou de outra. Pra mim essa solidão e confusão na adolescência que você descreve (não ter referências e o medo de contar sobre que você sentia pros amigos e eles pararem de falar com você, como se, segundos depois, você fosse outra pessoa), eu também senti. Parecia que ninguém se sentia como eu e eu não tinha com quem conversar sobre isso. No colégio eu era muito apaixonada por um menino (e fui, nos três anos), mas uma vez, com 15 anos, me deu vontade de beijar uma colega de sala quando fui na casa dela estudar química ou física, sei lá, alguma matéria em que nós duas éramos ruins. Reprimi a vontade e achei que estava ficando louca. Na época não tive coragem de contar pra ninguém. Eu não conseguia entender direito as coisas que eu sentia. Mas depois saí de casa pra fazer faculdade, comecei a namorar uma menina e a aceitação foi “natural” e rápida. Uns anos depois veio o entendimento de que me apaixono e sinto atração independentemente do gênero das pessoas. Entender isso me deu uma certa paz – eu não era louca, havia outras pessoas iguais a mim, que sentiam as mesmas coisas… e TUDO BEM. Em São Paulo me senti muito livre para ser quem eu era. Ainda é minha cidade preferida.
Bom Dan, não temos como passar pelos seus textos sem nos envolvermos, sem sermos parte da narrativa, um encontro e desencontro?! A verdade é que: todos nós LGBTQIA+ passaremos por isso? Acredito que ainda sim, e isso é deveras dolorido. É tão dolorido plantonizar amores , amassar sentimentos, poxa, cara você é um sobrevivente de tudo o que fizeram com você! E te admiro cada vez mais por ser toda esta resiliência confessional.
Eu me assumi aos 16 anos. Fui um menino peralta, cuja sexualidade já se explicitava no que hoje podemos chamar de “criança viada”. Sim, eu era, mas também era um menino tentando ser menino entre os meninos. E aos 16 anos, atrás das roupas s largas que usava, que lembrava do primo Duda dadas pela Tia Petúnia ao Harry Potter, me assumi. Rasguei o armário, juntei todo mundo da casa e falei sou bi, que não pareceu convincente, e disse um sonoro GAYYYY! Naquele s dias antes disso, após ter ficado aos amassos com um “crush” no banco traseiro do uno a música da Pitty “não deixe nada pra depois, não deixe o tempo passar…” fazia sentido. Meu corpo, meu gozo, meu desejo , tudo fazia sentido. Ser GAY era o encontro da palavra que confirmava meu modo de existir e sentir, então segui o caminho colorido. E assim foi…
Ler seu texto me ajudou a retomar memórias que há muito me esqueci, já que hoje tudo ficou tão passado, tão sem armário, que Vivo como se nunca precisasse ter me assumido! Foi bom. Sim, temos muito do que nos orgulharmos.